“O
dragão na minha garagem” é o título do capítulo 10 de O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no
escuro (Companhia das Letras, 1996, editada posteriormente pela Companhia
de Bolso), de Carl Sagan, um clássico do pensamento cético e um dos livros de
divulgação científica mais importantes das últimas décadas. A ideia geral do
capítulo (retomada por Sagan em vários outros pontos do livro) é: por que eu
deveria acreditar em alguma coisa, especialmente se ela é extraordinária, como
unicórnios ou o monstro do Lago Ness? Se não há boas evidências de que algo
exista, é razoável tomar isso como verdade? E, considerando tudo aquilo em que
acreditamos, temos boas razões para sustentar nossas crenças? Estabelecemos
critérios mínimos para aceitar algo, ou acreditamos naquilo que nos parece
melhor e mais confortável? Mais: temos disposição e atitude crítica para
analisar argumentos e evidências que são contrárias (e, talvez, mais fortes e
convincentes) a nossas tão estimadas verdades?
Abaixo,
um trecho de “O dragão na minha garagem”, do excelente livro de Sagan:
–
Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.
Suponhamos
(estou seguindo uma abordagem de terapia de grupo proposta pelo psicólogo
Richard Franklin) que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você
iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de
dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
–
Mostre-me – você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê
uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de
dragão.
–
Onde está o dragão? – você pergunta.
–
Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um
dragão invisível.
Você
propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do
dragão.
–
Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar.
Então
você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
–
Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você
quer borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.
–
Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E
assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma
explicação especial de por que não vai funcionar.
Ora, qual é a diferença entre um dragão
invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão
inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento
concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A
sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma
coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas,
afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o
valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de
admiração. O que estou pedindo a você é tão-somente que, em face da ausência de
evidências, acredite na minha palavra.