quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O jogo da loto em Avesso


No próximo dia 31 acontecerá o sorteio da Mega-Sena da virada, que renderá absurdos 230 milhões de reais ao seu ganhador. Jogos como esse dependem exclusivamente de sorte. Você pode apostar uma vez, jogando apenas os seis números, e ganhar a bolada. Por outro lado, você pode gastar um bom dinheiro apostando quinze números (creio que esse seja o limite para a aposta na Mega-Sena), e não acertar um sequer. As chances de perder, obviamente, são muito maiores do que as de ganhar.
Imagine, então, se a Mega-Sena ocorresse de forma diferente: você paga 1 real quando compra um bilhete, e se perder recebe do governo 2 reais. No entanto, se você tiver o azar suficiente de escolher os números certos, você é quem paga ao governo, e uma quantia enorme, como a de um prêmio de loteria. Situação semelhante é descrita pelos filósofos italianos Roberto Casati e Achille Varzi em Simplicidades Insolúveis: 39 histórias filosóficas (Companhia das Letras, 2005). O trecho abaixo é da história “O jogo da loto na cidade do Avesso”:

ELE – [Desce do ônibus e se dirige ao bar, de onde sai uma senhora com ar satisfeito. Ele a interroga] Desculpe-me, aqui também aceitam apostas na loto?
SENHORA – Claro.
ELE – Então vou me apressar. Sou um verdadeiro aficionado: gosto muito de tentar a sorte. Acho que a senhora me entende...
SENHORA – Eu também jogo, mas sobretudo por necessidade. Agora, por exemplo: precisava comprar selos, e para isso necessitava de três euros.
ELE – Suponho que, se a senhora for uma vencedora de sorte, como me parece que é o caso, deve ter embolsado bem mais de três euros e estar muito satisfeita...
SENHORA – Vencer? Em que sentido? Estou satisfeita em não perder.
ELE – Perder? Em que sentido? Como se pode perder na loteria?
SENHORA – De onde eu venho, os bilhetes são pretos sobre fundo branco, mas noto que o bilhete que está saindo do seu bolso é branco sobre fundo preto. Agora entendo. Vejo que o senhor vem de Direito, onde se compram bilhetes para jogar e às vezes se ganha. Mas aqui estamos em Avesso, onde se recebe dinheiro do Estado para tentar a sorte e às vezes se perde.
ELE – Extraordinário, não sabia da existência desse modo de desafiar o destino. Como funciona?
SENHORA – É muito simples. Basta ir ao banco da MegaLoto e pedir um bilhete do Raspe e Ganhe. Junto com o bilhete vem um euro. O senhor raspa e vê se perdeu.
ELE – E se perdi?
SENHORA – Paga, naturalmente.
ELE – Quanto?
SENHORA – Depende do que está escrito no bilhete.
ELE – Mas... E se estiver escrito que perdi muito?
SENHORA – Se perdeu muito, pagará muito, é óbvio. Parece-me que o máximo é um milhão.
ELE – Um milhão! Mas que loucura! Por que alguém se arriscaria a acabar na miséria só para embolsar um euro?
SENHORA – Não vejo nada de estranho. O jogo aqui funciona assim.

E se nossa loteria funcionasse assim também, você arriscaria?

domingo, 23 de dezembro de 2012

O que espero em 2013


Assim como quase todo mundo, cultivo o pensamento mágico de que o próximo ano trará coisas melhores, não somente para mim, minha família e meus amigos, mas para todas as pessoas. Pensamento mágico é algo que não está amparado por nenhuma evidência ou base racional, é somente fé e torcida. E torço muito para que algumas coisas se modifiquem, para melhor, a partir de 2013.
   Minha maior torcida diz respeito aos rumos da educação no Brasil. Vários posts do Página Virada foram dedicados ao tema, e apresentei aqui alguns argumentos que indicam a falta de cuidado do governo e da sociedade com a situação das escolas, dos professores e dos alunos. Sempre entendi a rotina escolar e universitária como partes indispensáveis de um processo de formação e aprimoramento individual. Descuidar da educação, portanto, é menosprezar a capacidade que temos de nos tornarmos melhores através do estudo e da busca do conhecimento.
   O que temos visto no Brasil, infelizmente, não nos dá indícios de que em 2013 as coisas mudem significativamente. Ao invés de nos apoiarmos no pensamento mágico, temos que agir. Penso que a principal responsável pela baixa qualidade da educação brasileira é a nossa própria sociedade, e há duas razões para isso. A primeira delas é que não valorizamos candidatos que tenham na educação uma base de sua plataforma política. Preferimos aqueles que nos prometem asfalto em frente à nossa casa, o empréstimo de máquinas da prefeitura, ou qualquer outro tipo de auxílio semelhante. A segunda é que boa parte das pessoas não consegue compreender a importância da escola na sociedade. Hoje em dia, é lamentável que alguns pais vejam as escolas como uma espécie de “creches” para adolescentes, um lugar para acomodar aqueles que dão trabalho demais em casa. E os professores, quando não são vistos como “cuidadores”, são os substitutos dos pais, aqueles que ensinam as regras básicas de convivência social, respeito ao próximo e postura. Torço para que tudo isso mude, e rápido.
   A torcida pela educação está ligada, de maneira direta, à torcida para que possamos viver em uma sociedade melhor e mais organizada. Isso significa uma sociedade na qual existam pessoas mais tolerantes, mais gentis, mais cooperativas, mais disciplinadas, mais respeitosas e mais questionadoras. Há algo que podemos fazer imediatamente em relação a isso: examinar o modo como levamos a nossa vida, e fazer um bom esforço para melhorar o que for necessário. Lembro o final de O Livro dos Livros, de A. C. Grayling (ainda não publicado no Brasil, infelizmente), e espero que o espírito das palavras do autor acompanhe nosso agir cotidiano, hoje e sempre:

“Devemos perguntar quais os mandamentos a seguir / Ou faríamos melhor em perguntar, a cada um de nós: / Que tipo de pessoa devo ser? / A primeira pergunta assume que existe uma resposta certa / A segunda assume que há várias respostas certas / Se perguntarmos como responder à segunda pergunta, a resposta apresenta-se com outras perguntas: / O que devemos fazer quando vemos outra pessoa a sofrer, a passar necessidades, com medo ou fome? / Quais são as causas justas, que mundo idealizamos para os nossos filhos, para brincarem na rua com segurança? / Há muitas perguntas do gênero, algumas que dispensam resposta, outras a que não temos como responder / Mas quando todas as respostas a todas as perguntas são condensadas, ninguém ouve menos do que isto: / Ama bem, procura o bem em todas as coisas, não faças mal a ninguém, pensa pela tua própria cabeça, sê responsável, respeita a natureza, dá o teu melhor, informa-te, sê amável, sê corajoso: pelo menos, faz um esforço sincero / E a estas dez obrigações, junta mais uma: meus amigos, que sejamos sempre fiéis a nós mesmos e ao melhor das coisas, para que possamos ser sempre fiéis uns aos outros.

Aproveito a ocasião para agradecer aos amigos que acompanharam o blog em 2012. Que 2013 seja mais um ano de grandes leituras!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O mal existe? E quem é ele?


Assim como o amor pelos hambúrgueres e pelos carros, a paixão por armas parece ser parte do imaginário do povo americano. A America’s National Rifle Association (NRA), organização cujo objetivo é proteger o direito à livre posse de armas de fogo, tem quase 2 milhões de fãs no Facebook, e um lobby violento no congresso para impedir que o governo americano elabore algum tipo de restrição ao porte de armas nos EUA.
Mais um massacre ocorrido em uma escola americana traz novamente ao centro das discussões a questão do direito de se possuir uma arma de fogo. Esse tipo de evento também levanta debates sobre que tipo de motivação e de condição mental existe em alguém que comete uma atrocidade dessa magnitude. Sobre esse segundo tópico, duas questões interessantes:

1. No jornal inglês The Guardian, a historiadora Lindsey Fitzharris escreve sobre a medicalização do mal. Segundo ela, partimos do pressuposto de que alguém que mata dezenas em um ato como o da escola de Newtown deve ter algum tipo de problema mental. Assumimos, automaticamente, que somente uma pessoa mentalmente doente é capaz de fazer algo parecido, mesmo sem saber se o atirador tinha algum antecedente que indicasse a presença de um distúrbio mental. Nossa aceitação de “normalidade” não comporta comportamentos tão grosseiros. O artigo completo, em inglês, pode ser lido aqui.

2. Em 1972, o psicólogo americano David Rosenhan fez um dos experimentos mais notáveis do século XX a respeito do comportamento humano. Rosenhan escolheu sete pessoas comuns e as instruiu para que fossem a um hospital psiquiátrico e relatassem estarem ouvindo um barulho que os incomodava, como um baque. O oitavo pseudopaciente foi o próprio Rosenham. Todos os falsos pacientes foram internados em hospitais psiquiátricos, e não houve nenhum psiquiatra que percebeu que lidava com pessoas “normais”. Curiosamente, alguns pacientes das instituições em questão identificavam os pacientes de Rosenhan como indivíduos mentalmente sãos, mas os profissionais responsáveis por eles não conseguiam diagnosticar o mesmo. A conclusão de Rosenhan foi assustadora: em muitos casos, não há meios confiáveis de distinguir pessoas normais de doentes mentais. Assim, em um caso como o do atirador americano, qual é a certeza que podemos ter em determinar que se trata de um sujeito com reais distúrbios mentais? O ato cometido por ele indica isso, mas será que pessoas “normais” nunca fariam coisa parecida?
O artigo de Rosenhan, publicado na revista Science, pode ser lido na íntegra (em inglês), aqui. Para ter uma breve ideia de como foi o experimento de Rosenhan, dê uma olhada aqui.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Conversando com Stephen Law


O inglês Stephen Law trabalhava como carteiro até que seu interesse pela filosofia o fez procurar a universidade. Hoje doutor em filosofia e professor universitário, Law é um aclamado escritor de trabalhos que trazem a filosofia ao cotidiano, popularizando a disciplina entre o grande público. Law é o autor daquele que considero o mais interessante livro de introdução à filosofia disponível no Brasil, o Guia Ilustrado Zahar de Filosofia (Jorge Zahar, 2008). Outra obra de destaque do autor, e que também pode ser encontrada nas livrarias brasileiras, é Os Arquivos Filosóficos (Martins Fontes, 2010), um livro voltado para o público jovem – mas ótimo para qualquer pessoa que goste de filosofia e não tenha muita intimidade com seus temas – que trata daquilo que Law chama de “grandes questões”, como a ética envolvida na nossa alimentação, a distinção entre o que é real e o que não é, e a existência de Deus, entre outros.
   Entrei em contato com o autor para saber suas opiniões a respeito dos livros e de leitura. Law aceitou o convite do blog, e suas instigantes reflexões se encontram abaixo.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Stephen Law: Não leio um trabalho de ficção há anos. Eu tendo a ler livros de filosofia. Atualmente, estou lendo o último livro de Richard Carrier, Proving History: Bayes Theorem and the quest for the historical Jesus (obs: obra não publicada no Brasil).

PV: Que livros o influenciaram?
SL: Entre os livros que não são de filosofia, eu diria que O Terceiro Tira, de Flann O’Brien (L&PM, 2006) está no topo da lista. É uma imagem surreal e assustadora do inferno, com muitas reviravoltas estranhas no enredo. Todos os nomes dos personagens de meu livro The Phylosophy Gym (obs: obra não publicada no Brasil) foram tiradas desse romance.

PV: Por que você considera que é importante ler?
SL: Você assume que eu penso que é importante ler. Eu realmente penso que a leitura de obras de ficção é um tanto superestimada, como é a própria ficção. Ela pode ser divertida, sem dúvida. Mas autores de ficção são geralmente louvados como possuidores de grandes insights sobre a condição humana, sobre filosofia, etc. Em minha opinião, muitos deles têm pouco mais do que pose e aparência, e são vazios. O que não significa dizer que não possamos encontrar jóias entre eles, como Philip Pullman ou George Orwell. Mas a habilidade para contar uma boa história não se traduz automaticamente em habilidade filosófica ou insight.
   Frequentemente se diz que nós aprendemos muito com os romances. Mas o que aprendemos, exatamente? Que tipo de “verdade” os romances têm? Entendo que se eu ler uma história sobre um serial killer, sobre como ele se tornou um assassino, de um modo que eu possa ver que eu também poderia terminar como ele, então eu teria aprendido algo valioso. Eu também entendo que poderia ler sobre alguma preocupação que alguém tem em uma história, com a qual eu compartilhe, mas pensava ser exclusivamente minha, então eu percebo que não estou sozinho em ter tais pensamentos e sentimentos. Também entendo que eu possa ter um sentimento que considere difícil de articular, e em um romance eu encontro a perfeita expressão dele. “Sim”, eu poderia pensar, “é assim que eu me sinto”. Romances podem também nos provocar para pensar sobre coisas que de outra maneira não teríamos considerado. Essas são algumas maneiras pelas quais eu poderia aprender algo, ganhar algum insight.
   Por outro lado, romances são histórias. E histórias podem ser propaganda ideológica e política, mesmo que propaganda inconsciente. A literatura pode ser usada para contar mentiras sobre a condição humana. Um escritor habilidoso pode, ao pressionar nossos botões emocionais, nos fazer sentir simpatia por uma causa que nós deveríamos rejeitar, ou fazer algo errado parecer certo ou normal, por exemplo.
   A literatura é uma boa história com um começo, um meio e um fim, um personagem forte que se desenvolve, e assim por diante. A vida real raramente tem essas características. As pessoas raramente mudam, e quando o fazem raramente mudam da maneira que uma boa história requer. As explicações reais sobre o porquê as pessoas fazem as coisas raramente são tão dramaticamente satisfatórias e organizadas como aquelas encontradas para personagens fictícios. Quando as pessoas escrevem biografias ou relatos dramatizados de eventos da vida real, a vida real tem que ser fortemente editada e polida nas convenções da literatura para que nós possamos ter uma boa história. Ou então o autor deve procurar muito por episódios incomuns ou vidas que realmente preencham os requisitos da boa literatura.
   Assim, a literatura não é, de muitas maneiras, profundamente enganosa, nos dando a ilusão de que a vida real tem uma estrutura narrativa clara, um enredo, uma moral, é dirigida por princípios psicológicos, etc..., que são aspectos realmente raros, se é que podem estar presentes, em uma vida real?
   A “psicologia” que ela apresenta não é frequentemente mítica, ao invés de verdadeira, refletindo o que um indivíduo falível, o autor, pensa sobre o que faz as pessoas tocarem suas vidas, ao invés do que verdadeiramente as faz continuar suas vidas?
   De fato, nós somos eternamente apresentados ao mesmo estoque de enredos e personagens típicos, que funcionam como símbolos culturais para nós: “Oh, é uma história sobre uma busca, e X é um herói com defeitos, e ele aprende esse tipo de lição à medida que ele avança em sua busca...” Mesmo quando uma história se desvia desses tipos, isso não acontece precisamente por ela deliberadamente desprezar eles – por ela se revelar como um outro tipo de história, ao invés daquilo que ela inicialmente aparentava ser (o enredo com uma “virada”)?
   Outras pessoas se dirigem a figuras literárias em busca de profundidade. Fico frequentemente desapontado por aquilo que elas têm a dizer. Muito disso pode ser considerado como pseudo-profundidade. Veja o link:  http://stephenlaw.blogspot.co.uk/2011/06/pseudo-profundity-from-believing.html

PV: É possível fazer com que as pessoas leiam mais? Como se pode fazer isso?
SL: Como eu disse, a leitura de ficção pode ser uma atividade superestimada. Certamente, ler ficção é algo superestimado de muitas maneiras (o que não significa negar que isso possa ser maravilhoso – mas não vamos nos deixar levar e supor que a boa ficção seja mais do que ela realmente é).

PV: Você é um filósofo acadêmico que escreve livros para o público geral. Qual é o papel da filosofia na vida de uma pessoa comum?
SL: Nós todos somos filósofos. Nós só não percebemos isso. Espero que meus livros pelo menos façam as pessoas perceberem o quanto a filosofia está impregnada em seu sistema de crença. E parte disso é má filosofia.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sobre as finalidades da educação


Deitados eternamente em berço esplêndido, nós, brasileiros, ainda não compreendemos o real valor da educação para o desenvolvimento de nosso país, e por isso não nos causa nenhum embaraço perceber que estamos em penúltimo lugar em um ranking que mede o desempenho educacional em 40 países. Não gosto de ver a educação reduzida a números e índices, mas creio que essa avaliação não esteja muito distante da realidade.
   O que acontece em nossas escolas deveria ser motivo de preocupação para todos nós. Infelizmente, parte considerável dos alunos deixa o Ensino Básico sem sequer saber interpretar textos e expressar claramente suas ideias. A concepção que muitas pessoas têm a respeito do papel das escolas também me parece deturpada: para elas, a educação formal serve somente como um meio de treinar indivíduos para o mercado de trabalho. Estamos perdendo a ideia de que a escola é importante para o aprimoramento pessoal dos estudantes através de disciplinas como as artes, a filosofia e a educação física, que abordam aspectos de nossas vidas que o tecnicismo de outras disciplinas não é capaz de tratar. Além disso, mesmo as disciplinas consideradas mais técnicas são consideradas apenas como um meio para se ter sucesso em testes como o vestibular ou o Enem, e não como fontes de conceitos e habilidades que devemos incorporar para o uso em situações cotidianas.
   Em The Meaning of Things (ainda sem edição no Brasil), o filósofo A. C. Grayling fala exatamente disso, no verbete “Educação”:

Por educação liberal entende-se uma educação que inclua a literatura, a história e a apreciação das artes, e dê a elas um peso igual ao dado a temas científicos e práticos. A educação nessas disciplinas nos abre a possibilidade de viver de modo mais reflexivo e informado, especialmente no que diz respeito à amplitude da experiência e sentimentos humanos... Isso, por sua vez, nos faz entender melhor os interesses, necessidades e desejos dos outros, para que possamos tratá-los com respeito e simpatia, não importa quão diferentes sejam as escolhas que eles fazem ou as experiências que moldaram as suas vidas.

... pois o objetivo da educação liberal é produzir pessoas que continuem a aprender depois que sua educação formal terminou; pessoas que pensem,  questionem, e saibam encontrar respostas quando precisarem delas.

Aristóteles disse que educamos a nós mesmos para que possamos fazer nobre uso do nosso lazer; essa é uma visão diretamente oposta à crença contemporânea que nós nos educamos para conseguir um emprego. Assim, a visão contemporânea distorce o propósito da educação escolar ao ter como objetivo não o desenvolvimento dos indivíduos como um fim em si mesmo, mas como um instrumento no processo econômico.

Acima de tudo, a educação envolve refinar as capacidades para o julgamento e a avaliação; Heráclito comentava que a aprendizagem é somente um meio para um objetivo, que é o entendimento – e entendimento é o valor supremo em educação.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Para Que Serve Tudo Isso?


Para Que Serve Tudo Isso? A filosofia e o sentido da vida, de Platão a Monty Phyton (Jorge Zahar, 2008), de Julian Baggini, é uma obra que discute os possíveis significados de nossa existência com um raciocínio racionalista e humanista, típico das obras de Baggini: “racionalista no sentido de que sua mola mestra é a razão – e não a intuição, a revelação, o argumento de autoridade ou a superstição. É humanista no sentido de que afirma que a vida humana contém a fonte e a medida de seu próprio valor”.

O livro já foi tema de um post aqui no blog, e volto a ele para transcrever algumas de suas passagens. Para quem não conhece a obra, mas se interessa pelo tema, é uma leitura recomendada.

Para reconhecer a importância de nossa forma de encarar as coisas, contudo, é necessário aceitar que somos capazes de reduzir o nosso nível de descontentamento. Sartre diz que nós temos medo desse tipo de liberdade e que tentamos negar que ela de fato exista. Não gostamos de pensar que tudo depende de nós, pois não teríamos a quem culpar quando as coisas dão errado. Assim, preferimos pensar, de má-fé, que a culpa não é nossa, mas das circunstâncias.
Outro motivo para acharmos que só estaremos felizes quando todos os fatores externos estiverem em seus devidos lugares é a dificuldade que temos em aceitar as imperfeições da vida. Mais uma vez, Sartre tem algo a dizer sobre o assunto. Ele expõe a necessidade de aceitarmos a ‘facticidade’ da existência: o mundo existe de uma certa maneira, quer gostemos ou não.

...Então, em vez de aceitar a facticidade do mundo – ou seja, aceitar essas imperfeições –, nós imaginamos que vamos alcançar nossa vida ideal em algum momento futuro.
Contudo, para sermos honestos e coerentes, precisamos evitar esses erros. Se acharmos que vamos ter uma vida sem dificuldades e preocupações em algum ponto no futuro, estamos errados. Precisamos reconhecer a inconstância da sorte e a impermanência das coisas. Mas será que temos coragem e honestidade suficientes para aceitar a vida como ela é e tentar tirar o máximo disso? Ou será que temos medo de que isso seja uma decepção?

... Contudo, Horácio parece compreender melhor do que o filósofo de botequim e do que o hedonista o motivo pelo qual devemos aproveitar o dia. Precisamos aproveitar esse dia ao máximo porque a vida é curta e esse dia é um dos poucos que temos, não porque hoje é o único dia que temos ou porque deveríamos esquecer do amanhã. Devemos restringir as nossas esperanças a algo que possamos realizar em nossas vidas, sempre pensando que nada está garantido em relação à sua duração. Sendo assim, o ditado ‘viva cada dia como se fosse o último’ deveria ser readaptado e tornar-se ‘viva cada dia como se pudesse ser o último, mas ele poderia muito bem também ser só mais um dia da sua curta vida’. Também temos que lembrar que a maior probabilidade é de que o amanhã venha, sim. A urgência de aproveitarmos o dia de hoje ao máximo não tem como premissa o fato de que é improvável que o amanhã venha, mas a possibilidade de que o amanhã possa não vir e a certeza de que pelo menos um amanhã não virá.

A história de Abraão é uma parábola geral sobre a fé. Ela mostra que a fé não é um meio através do qual transmitimos a responsabilidade da busca de sentido da vida para Deus. Se você delega responsabilidades, também é responsável pelo que a pessoa a quem você as delegou faz. Se a sua escolha for desistir da busca pelo sentido da vida acreditando que Deus resolverá o problema, você também é responsável pelas consequências disso.
Isso justifica ainda mais o argumento de que ter fé na existência de um plano transcendental não dá sentido à vida. Primeiro, como vimos, colocar nossa fé em Deus é desistir da busca pelo sentido da vida e simplesmente confiar na divindade. Essa confiança na fé não é sustentada pela razão, mas por meios não confiáveis – ou seja, convicções pessoais e o testemunho dos outros. A fé não nos exime da responsabilidade pela busca de sentido da vida ou pelas ações que decorrem do sentido que escolhemos.
Isso coloca as pessoas de fé em uma situação um tanto delicada, pois a ideia que têm de que Deus cuidará delas pode levá-las a desistir da busca pelo sentido de suas vidas. Contudo, essa pode ser a única vida que temos. Se há uma vida após a morte, o ateu, pelo menos, pode ter uma segunda chance – presumindo que Deus não seja o ser vil e vingativo como é frequentemente retratado, punindo as pessoas por simplesmente não acreditarem nele. Quem acredita na religião e arrisca tudo na existência de uma vida após a morte, porém, não terá uma segunda chance caso esteja errado.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas


Já escrevi algumas vezes a respeito de Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas: uma investigação sobre os valores, de Robert Pirsig, aqui no blog. E creio que a passagem que transcrevo abaixo já deve ter aparecido no Página Virada uma ou outra vez. Mas vamos de novo com Pirsig.
   Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas é o relato romanceado de uma viagem de moto feita pelo autor e seu filho Chris, em companhia de um casal de amigos, por vários estados americanos em 1968. No livro, Pirsig trata de filosofia, ciência, motocicletas (mas nem tanto quanto o título da obra nos faz supor), sanidade e loucura, entre outros temas. Confesso que discordo de praticamente tudo o que Pirsig afirma sobre o que é fazer ciência, mas Zen é uma de minhas leituras prediletas, especialmente pelo conteúdo humano e pelas lições de Pirsig ao seu filho, às vezes confusas, considerando que Pirsig é esquizofrênico e um sujeito com forte tendência à misantropia.
   Também considero o desfecho da obra um dos melhores que já li. Quase ao final dos 17 dias de viagem, Chris estava cansado da vida na estrada e queria voltar para casa. O desgaste da jornada, o calor, a aparente falta de sentido naquilo que faziam, tudo favorecia a exaltação dos ânimos entre pai e filho. Com os problemas resolvidos, Pirsig e seu filho decidiram pela volta. Feliz, aliviado, e entendendo o valor do momento, Pirsig arrematou:

Naturalmente, os problemas jamais deixarão de existir. A infelicidade e o infortúnio fatalmente ocorrerão em nossas vidas, mas agora sinto algo que antes não sentia, que não se localiza apenas na superfície das coisas, mas as permeia até a medula: nós vencemos. Agora tudo vai melhorar. A gente pode até garantir.

   Pirsig tinha razão ao afirmar que a infelicidade e o infortúnio estão batendo à nossa porta, e podem nos surpreender a qualquer momento. Chris foi morto 11 anos depois da viagem, ao ser abordado por um ladrão e atingido por ele com um golpe de faca, experiência relatada pelo autor em um posfácio publicado nas últimas edições de Zen. Dois anos depois da morte de Chris, Pirsig teve uma filha, Nell. Em 1991, Pirsig escreveu Lila: uma investigação sobre a moral, seu segundo e último livro. O autor está com 84 anos, recluso em sua casa no Maine, nordeste dos Estados Unidos.

domingo, 18 de novembro de 2012

Philip Zimbardo e o "Efeito Lúcifer"

O professor Philip Zimbardo foi o organizador de um dos mais famosos e importantes experimentos em psicologia do século XX. Em agosto de 1971, 24 estudantes foram selecionados para atuarem nos papeis de carcereiros ou prisioneiros, em uma simulação do que seria uma prisão, em local construído no departamento de psicologia da Universidade de Stanford. O experimento teve que ser interrompido antes do previsto, pois Zimbardo e seus colegas perceberam que o grau de realismo empregado pelos estudantes-atores estava além do que consideravam aceitável. As torturas psicológicas empregadas pelos “guardas” e a grande passividade apresentada pelos “prisioneiros” – todos eles estudantes considerados psicologicamente estáveis em testes preliminares – desconcertaram os organizadores do experimento.
   Desde então, Zimbardo tem estudado o comportamento violento em seres humanos, especialmente em situações delicadas, como nas prisões ou em conflitos. Segundo o autor, o limiar entre pessoas “boas” e “más” é muito mais permeável do que imaginamos. Em determinadas condições, pessoas consideradas boas podem cometer atrocidades inimagináveis, e os abusos cometidos por soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib são um exemplo recente disso.
   O Paradoxo do Tempo (Editora Fontanar, 2009) é uma das poucas obras de Zimbardo publicadas no Brasil. O livro mais famoso do autor, The Lucifer Effect ainda não foi editado por aqui, mas é altamente recomendado para quem quer entender mais sobre o comportamento violento nos seres humanos.


No vídeo abaixo é possível assistir a uma curta palestra de Zimbardo sobre o tema de The Lucifer Effect, ilustrada por fotos tiradas em Abu Ghraib:

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mia Couto encerra Fronteiras do Pensamento

Na última segunda-feira, dia 12, o escritor moçambicano Mia Couto esteve no Salão de Atos da UFRGS para realizar a última – e mais divertida – conferência do programa Fronteiras do Pensamento. Demonstrando simpatia desde o início de sua apresentação, Couto falou, entre outros temas, da capacidade de nosso pensamento superar distintas fronteiras, como o medo, o preconceito e a ignorância.
   Em relação ao preconceito, ou às ideias preconcebidas, o escritor afirmou que não existe um brasileiro “típico”, pois cada um dos habitantes do país representa um Brasil à sua maneira. Nosso país, aliás, é um destino frequente do moçambicano, que se mostrou entusiasmado com a maneira pela qual tem sido recebido em diversos estados brasileiros, mesmo tendo enfrentado pequenos problemas com o significado de algumas palavras também usadas em seu país, só que em outro contexto. “Bala”, por exemplo, é um termo bastante traumático para habitantes de um país que foi palco de recentes guerras, como Moçambique, e por isso Couto se assustou quando um taxista perguntou se ele “queria uma balinha”, ao oferecer ao africano o doce mais famoso do Brasil, mas que não é conhecido em Moçambique por esse nome.
   Mia Couto é também biólogo, e em uma saída a campo no norte de seu país ele ouviu relatos de pessoas que estavam sendo atacadas e mortas por leões. Precisando dormir em uma barraca próxima à região dos ataques, Couto refletiu sobre as fronteiras que separam os humanos dos outros animais. Na ocasião, os tradicionais papeis de caçador e caçado haviam se invertido, e os humanos temiam encontrar os grandes felinos e acabarem devorados por eles. A amedrontadora experiência inspirou Mia a escrever A Confissão da Leoa (Companhia das Letras, 2012), sua mais recente obra.
   O escritor terminou a sua conferência com a história de um menino que conheceu em Moçambique. Couto disse que voltava para sua casa à noite quando percebeu um menino encostado em um muro, com uma mão atrás das costas. O garoto foi até ele e entregou-lhe um livro de autoria de Mia, que tinha uma foto do autor na capa. “Esse livro é seu”, disse o menino. Mia queria saber como o menino havia conseguido o livro, e ouviu algo como “Vi esse livro com uma moça, reconheci a sua foto na capa e perguntei se o livro era do Mia Couto. Ela disse que sim, eu tirei o livro dela e vim até aqui devolvê-lo ao senhor.” Mia deixou que o menino, analfabeto, ficasse com o livro. Anos depois, o garoto foi ao escritório do autor para devolver o livro que, para a surpresa de Mia, estava com alguns versos anotados em suas páginas. Versos criados pelo garoto, que havia aprendido a ler e a escrever incentivado pelo trabalho do escritor.
   Ainda não li nenhuma obra de Mia Couto – A Confissão da Leoa será a primeira –, mas saí de sua conferência com a sensação de que seu status como um dos grandes contadores de histórias em língua portuguesa no mundo contemporâneo é merecido. Creio que as outras pessoas que acompanharam a conferência, e aplaudiram Mia Couto de pé ao seu final, concordam com isso.

sábado, 10 de novembro de 2012

Michael Shermer e seu kit de detecção de mentiras

Que tipo de perguntas devemos nos fazer antes de aceitar determinado argumento como verdadeiro? Como saber se algo é real ou não? É possível detectar quando alguém está apresentando informações falsas a respeito de algum assunto?
Michael Shermer, psicólogo e historiador da ciência, aborda os temas acima a partir de seu “kit de detecção de mentiras”, baseado em parte no que Carl Sagan escreveu sobre ciência. O kit de Shermer é formado por dez pontos:
1. Quão confiável é a fonte da afirmação?
2. A fonte faz outras afirmações semelhantes?
3. As afirmações foram verificadas por terceiros?
4. Isso se enquadra no modo de funcionamento do mundo?
5. Alguém já tentou refutar a afirmação?
6. Em que sentido a preponderância das evidências aponta?
7. Aquele que defende a afirmação o faz a partir das regras da ciência?
8. A pessoa que faz a afirmação fornece evidências positivas para ela?
9. A nova teoria leva em consideração tantos fenômenos quanto a antiga?
10. A afirmação está sendo guiada por crenças pessoais?

No vídeo abaixo, apresentado pelo próprio Shermer, você vai conhecer melhor as estratégias para detectar mentiras e falácias para, quem sabe, poder aplicá-las em sua vida cotidiana:

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Comte-Sponville, sobre a fidelidade


“Fidelidade à verdade, antes de mais nada! É nisso que a fidelidade se distingue da fé e, a fortiori, do fanatismo. Ser fiel, para o pensamento, não é recusar-se a mudar de ideia (dogmatismo), nem submeter suas ideias a outra coisa que não a elas mesmas (fé), nem considerá-las como absolutos (fanatismo); é recusar-se a mudar de ideia sem boas e fortes razões e – já que não se pode examinar sempre – é dar por verdadeiro, até novo exame, o que uma vez foi clara e solidamente julgado. Nem dogmatismo, pois, nem inconstância. Tem-se o direito de mudar de ideia, mas apenas quando é um dever. Fidelidade à verdade, antes de mais nada, depois à lembrança da verdade (à verdade conservada): este é o pensamento fiel, isto é, o pensamento.”

André Comte-Sponville, sobre a fidelidade, em O Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (Martins Fontes, 2007)

domingo, 4 de novembro de 2012

Por que é importante ler?

Mantemos em nosso blog uma seção chamada “Conversando com...”, na qual entrevistamos destacados pensadores contemporâneos a respeito do que pensam sobre a leitura e o papel dos livros em nossas vidas. Até aqui, conversamos com os filósofos Julian Baggini e Simon Blackburn, com o psicólogo e historiador da ciência Michael Shermer, e com a escritora Nikki Stern. As ideias abaixo são uma síntese do que esses autores pensam sobre a importância da leitura:

- Ler nos estimula a pensar por conta própria, mas com uma ajuda das ideias e insights de pessoas com grande conhecimento sobre determinado tema;
- A leitura expande nossa mente e nos expõe a novas ideias, conhecimentos, lugares e pessoas, além de treinar nossa mente para assumir a perspectiva de outros indivíduos, levando à empatia, uma parte importante da moralidade;
- A leitura fomenta a curiosidade, faz com que as pessoas busquem mais conhecimento. Enquanto formos curiosos, estaremos interessados em aprender sempre novas coisas a respeito da vida;
- Diferentemente do que ocorre quando vemos um filme ou assistimos a algum programa de TV, quando estamos lendo podemos determinar nosso próprio ritmo, parar para refletir sobre aquilo que acabamos de ler ou para deixar nossa imaginação voar. A leitura liberta nossa mente, nos ilumina, nos influencia e é capaz de nos entreter;
- A leitura também é uma terapia. Através da vida de um personagem, nas páginas de um livro, podemos reconhecer nossos sofrimentos, angústias e alegrias, o que pode nos ajudar a entender e a enfrentar momentos difíceis;
- Ler nos ajuda a escrever melhor, a articular melhor as ideias, e nos dá argumentos para participar ativamente de discussões.

Obviamente, há inúmeros outros aspectos positivos da leitura. Tenho afirmado que a leitura é um componente essencial para a formação dos cidadãos e para o exercício da cidadania. Quanto mais sabemos sobre as coisas, menos manipuláveis ficamos, e passamos a entender melhor nosso papel na sociedade. “Leia mais, seja mais”, é o lema de uma campanha recente do Ministério da Cultura. De fato, ler mais é um bom caminho para sermos pessoas cada vez melhores.

Texto publicado no jornal Folha de Sananduva do dia 01 de novembro de 2012

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Animais não-humanos podem ser criaturas morais?

Sim, segundo filósofo Mark Rowlands. Em um texto escrito para a nova revista eletrônica Aeon, Rowlands afirma que outros animais podem exibir comportamentos que consideraríamos “morais” se fossem praticados por nossa espécie, apesar de que animais não-humanos não podem ser agentes morais como nós por não serem responsáveis por seus atos (os humanos sempre são?).
    Rowlands traz alguns exemplos instigantes, que permitem pensarmos se o que os animais fazem não é algo além daquilo que se considera comportamento instintivo ou uma resposta a estímulos básicos, como a dor. Um caso é o da gorila Binti Jua, que carregou um menino que havia caído em seu recinto até um local onde a criança pudesse ser tirada de lá pelos tratadores do zoológico. Outro é de um cão que tentou resgatar um companheiro atropelado em uma movimentada rodovia chilena.
    O tema da moralidade nos animais é objeto do novo livro de Rowlands, Can Animals Be Moral?, recentemente lançado nos Estados Unidos, e que ainda não tem edição brasileira.

sábado, 27 de outubro de 2012

"A lucidez de Lucélia", por Marcos Kirst

“A lucidez de Lucélia” é o título do texto publicado pelo amigo Marcos Kirst na edição da última sexta-feira do jornal Pioneiro. Kirst assistia à entrevista de Lucélia Santos no programa Roda Viva, na TV Brasil, quando ouviu da atriz algo que chamou a sua atenção:

Que espécie de sociedade de consumo desejamos, afinal? Os brasileiros, travestidos de consumidores, estão virando cidadãos acéfalos, burros, aculturados, superficiais, ocos. Deveríamos estimular e incentivar o surgimento de uma classe consumidora de cultura. O que eu desejo para as pessoas é isso: mais cultura, mais arte, mais leitura, mais natureza.

Simpatizo com a ideia da atriz, e também ecoo as palavras de Kirst, a respeito das coisas que os cidadãos de nosso país têm valorizado, que formam uma espécie de espelho daquilo que nós, brasileiros, somos em essência:

Mas ao mesmo tempo em que gastam e consomem, os integrantes dessa estrondosa maioria de cidadãos (acompanhados pelas demais classes sociais brasileiras) se afastam dos processos de edificação pessoal só possíveis de serem conquistados por meio da educação, da cultura e da arte.

Somos um reflexo da histórica negligência governamental (e social)  com a educação e o aprimoramento pessoal. Hoje, o que faz as manchetes dos jornais é o desempenho positivo da economia brasileira, o que, por si só, é muito bom. Péssimo é saber que, apesar de nos desenvolvermos economicamente, ainda não conseguimos sair do lamaçal da ignorância e da má-educação, e há poucos indícios de que sairemos dele em breve. Diferentemente disso, creio que há boas chances de as coisas se tornarem ainda piores - isso se realmente for possível vermos algo mais triste que isso ou isso.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Zona Quente: uma história terrível e real


Era o primeiro dia do ano de 1980, e um francês de 56 anos passeava pela região do Monte Elgon, um vulcão não-ativo localizado na fronteira entre Uganda e o Quênia. Charles Monet – como o francês foi posteriormente chamado pelo jornalista Richard Preston – estava acompanhado por uma jovem africana, e havia combinado com ela de passar alguns dias no local, apreciando suas incríveis paisagens e vendo animais selvagens. Manadas de elefantes costumam entrar na caverna Kitum, localizada no Parque Nacional do Monte Elgon, para que os animais raspem suas presas de marfim nas paredes da caverna e depois ingiram o sal liberado no processo. A caverna serve também como local de passagem para hienas, antílopes e búfalos, e é residência de morcegos, pequenos roedores e insetos. E este foi o local onde Monet provavelmente foi infectado por um agente mortal.
    Uma semana depois da viagem ao Parque, Monet estava de volta à sua cabana no Quênia, pronto para retomar sua rotina como encarregado do maquinário que bombeava água para plantações de cana de açúcar. No entanto, não se sentia bem. Inicialmente, teve dor nos olhos e nas costas, além de desconforto muscular. Três dias depois, estava vomitando e sentindo náuseas. Sua pele mudara de cor, seu semblante estava diferente, e Monet parecia terrivelmente doente. Encontrado por colegas de trabalho no chão de sua cabana, Monet foi encaminhado a um hospital de Nairóbi, a capital queniana. Sua situação havia piorado muito: seus olhos estavam avermelhados, sua face parecia rígida, e ele vomitava sangue em grande quantidade.
    No hospital em Nairóbi, o francês entrou em colapso. Alguns de seus órgãos internos estavam se esfacelando, e o francês morreria em breve. Antes disso, foi atendido por um jovem médico queniano. Na maca, Monet não parava de vomitar, e o sangue expelido por sua boca atingiu o rosto do médico. Era o fim para o francês, e poderia ser o início do fim para o médico que o atendeu.
    Shem Musoke, o médico queniano, começou a apresentar os mesmos sintomas iniciais de Monet cerca de uma semana depois de ter tido contato com o sangue de seu paciente. Ele continuava trabalhando e não sabia exatamente com o que tinha sido infectado. Imaginava que pudesse ser malária ou febre tifóide. Uma equipe enviou o sangue do médico para exames nos Estados Unidos. Resultado: ele havia sido contaminado pelo Marburg, um filovírus semelhante e com sintomas indistinguíveis aos do Ebola. Felizmente, o corpo de Musoke se recuperou da infecção, e o médico sobreviveu ao ataque de um dos vírus mais mortais do planeta.
    As origens dos mortais Marburg e Ebola, assim como a luta de pesquisadores para conter os vírus durante surtos na África, e em um laboratório americano, são a base de Zona Quente: uma história terrível e real (Rocco, 1995), de Richard Preston. O autor entrevistou cientistas, militares e médicos, além de pacientes atingidos pelos chamados “vírus quentes”, agentes altamente infecciosos e letais. O panorama apresentado por Preston é preocupante: vírus altamente transmissíveis estão acomodados em hospedeiros assintomáticos (supõe-se que o Ebola multiplique-se dentro do organismo de morcegos), nas florestas tropicais do planeta. A infecção de um único ser humano pode ser o gatilho para uma tragédia de grandes proporções, e a África tem sido testemunha disso. No momento em que escrevo este post, já se confirmou a infecção de 40 pessoas por Ebola S, a forma menos letal do vírus, em um novo surto em Uganda. Dessas, 31 morreram. Pensar no que o Ebola faz com o organismo de um ser humano, a facilidade com que pode ser transmitido de uma pessoa a outra, e a possibilidade de ser levado a diferentes países dentro do corpo de alguém é algo preocupante. E é o que faz o livro de Preston ser mais assustador do que as sombrias obras de ficção.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Se pecados existem de fato, eis um deles

Por Guilherme

Política, no Brasil, sempre teve um apelo semelhante ao do futebol. Você é seguidor do partido A, então vota nele mesmo que ponham uma pedra como seu candidato. Se você milita pelo partido B ou C, faz o mesmo.
    Ultimamente, a paixão pela política me parece ter maior impacto nas pessoas. Você, que sempre militou pelo partido A porque defendia determinadas causas (alianças políticas entre partidos com programas semelhantes, ou então o combate à corrupção em todas as esferas do poder, por exemplo), começa a dissimular e inventar explicações absurdas quando seu partido, A, vence as eleições e age de maneira exatamente oposta ao que sempre pregava em suas campanhas e em suas cartilhas. Você, bom cordeirinho, passa a ser extremamente seletivo, e peneira as coisas que dizia antigamente até que seu novo discurso seja minimamente condizente com sua prática. Mas não pense que o processo ocorre sem qualquer dor: você também precisa racionalizar e organizar seus mecanismos comportamentais de defesa para explicar, ou pelo menos tentar, como largou de mão aquilo que o caracterizava antes. Explicações como “todo mundo faz”, “é intriga da imprensa”, “é golpe da oposição”, etc., que você sempre execrou em seus adversários, agora são usadas por você. Ah, e também vai precisar negar ter dito muita coisa. E em relação àqueles a quem você chamava de “ladrões” há pouco tempo? Não há problema algum, pois o tempo cura tudo (e não era bem isso que você queria dizer quando usou esse termo).
    A cabeça de um militante político é um terreno tão fértil à manipulação mental quanto a de um seguidor de uma seita. O que Jim Jones fez na década de 1970 poderia muito bem ser repetido hoje, em nome de um partido, de uma causa ou de um líder. Quem já leu A Revolução dos Bichos, de George Orwell, tem uma ideia razoável de como o processo ocorre, com uma lentidão e uma perversidade impressionantes.
    Estou lendo Verdade: um guia para os perplexos (Civilização Brasileira, 2006), de Simon Blackburn, uma discussão sobre se é possível termos conhecimentos sólidos sobre as coisas, ou se devemos encarar a verdade como algo relativo (Blackburn argumenta a favor da primeira opção). O autor cita o filósofo inglês William Clifford, que viveu no século XIX, e já naquela época era uma das vozes que nos advertia sobre o perigo da fé cega – um pecado contra a humanidade, como ele sabiamente afirmava:

Se um homem, que mantém uma crença que lhe foi ensinada na infância ou imposta mais tarde, rejeita e afasta quaisquer dúvidas que surjam em sua mente sobre ela, propositadamente evita a leitura de livros e a companhia de homens que a questionam ou discutem e encara como ímpias as perguntas que irão perturbá-la – a vida desse homem é um grande pecado contra a humanidade.

domingo, 14 de outubro de 2012

A Desobediência Civil

Por Guilherme

Em 1846, o americano Henry David Thoreau foi preso por uma noite por recusar-se a pagar os impostos que devia ao governo americano. O motivo da recusa era que Thoreau pensava que seu dinheiro ajudaria a financiar a guerra que os Estados Unidos travavam com o México, além da manutenção de escravos em fazendas americanas. Em relação ao governo, Thoreau era adepto da máxima “o melhor governo é o que menos governa”, que levaria a “o melhor governo é o que absolutamente não governa”, considerando que tivéssemos uma sociedade composta por homens de “virtude”, como Thoreau costumava escrever.
    A consciência daquilo que é certo e errado, dizia Thoreau, é a nossa melhor arma contra indivíduos que usam o governo como seu instrumento (qualquer semelhança com o que vemos hoje, no Brasil e em diversos lugares do mundo, não é mera coincidência). Contra as injustiças, afirmava o filósofo, é necessário fazer algo, por menor e menos impactante que possa parecer. A Desobediência Civil, escrita em forma de um curto ensaio, foi a maneira de Thoreau se manifestar, não só contra o governo, mas contra o estilo de vida de sua época, a hipocrisia, o interesse próprio e a complacência de seus contemporâneos em relação a práticas como a corrupção. Nunca li algo tão poderoso e contundente em menos de 40 páginas. E atual também, apesar de escrito em 1849.

Falando em termos práticos, os adversários de uma reforma em Massachusetts não são 100 mil políticos do Sul, mas 100 mil comerciantes e fazendeiros daqui, que estão mais interessados no comércio e na agricultura do que na humanidade, e não estão preparados para fazer justiça aos escravos e ao México, custe o que custar.

Há muitos que, considerando-se filhos de Washington e Franklin, ficam sentados de braços cruzados e dizem não saber o que fazer, e nada fazem; muitos que até mesmo subordinam a questão da liberdade à questão do livre-comércio, e que lêem tranquilamente, depois do jantar, as cotações do dia junto com as notícias vindas do México, e possivelmente adormecem sobre ambas. Quanto vale um homem honesto e patriota nos dias de hoje? Eles hesitam, lamentam e às vezes reivindicam; mas não fazem nada a sério e para valer. Esperarão, com boa vontade, que outros curem o mal, para que eles não mais tenham que lastimá-lo. Na melhor das hipóteses, eles se limitarão a dar um voto fácil, um débil apoio e um desejo de boa sorte aos corretos, quando a ocasião se apresentar.

Não é obrigação de um homem, evidentemente, dedicar-se à erradicação de um mal qualquer, nem mesmo do maior que exista; ele pode muito bem ter outras preocupações que o absorvam. Mas é seu dever, pelo menos, manter as mãos limpas e, mesmo sem pensar no assunto, recusar o apoio prático ao que é errado. Se eu me dedico a outros planos e atividades, devo antes de mais nada garantir, no mínimo, que para realizá-los não estarei pisando nos ombros de outro homem. Devo sair de cima dele para que também ele possa perseguir seus objetivos.

    Recomendo a leitura da última edição brasileira de A Desobediência Civil, lançada em 2012 pela Companhia das Letras – Penguin. Além do manifesto A desobediência civil, a obra conta com outros quatro textos, entre eles o ótimo Vida sem princípios, ensaio no qual Thoreau crítica a ideia de que o trabalho deve ser uma finalidade em nossas vidas, e elogia a vida contemplativa e mentalmente sã.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Coisas de um Brasil brasileiro

Por Guilherme

- “O povo não está preocupado com isso (o mensalão). O povo está preocupado é se o Palmeiras vai cair e se o Fernando Haddad vai ganhar a eleição.Do ex-presidente Lula, sintetizando com perfeição como o brasileiro pensa e o tipo de coisa que valoriza.

- Chico Xavier foi eleito o “Maior brasileiro de todos os tempos”, recebendo mais de 71% dos votos em uma pesquisa popular. Não discuto os méritos de Xavier, mas para um país que teve pessoas como Carlos Chagas e Santos Dumont, a grande votação de Chico Xavier pode ser um sinal de quanto desconhecemos outros grandes heróis do país.

- Mais de 20% da população brasileira é composta por analfabetos funcionais, ou seja, indivíduos que não conseguem entender direito o que leem. Em números, são mais de 30 milhões de pessoas nessa condição. Muitas delas estão nas universidades.

Tudo se relaciona”, escreveu Robert Pirsig em Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, ao afirmar que a conduta das pessoas em diferentes circunstâncias do cotidiano era um indicativo de seu caráter e do tipo de pessoa que cada um de nós é. A ideia de Pirsig se aplica, perfeitamente, também à sociedade. Tudo, de fato, se relaciona.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Em Silêncios

Por Guilherme

No último sábado, dia 06, estive na Feira do Livro de Caxias do Sul para o lançamento de Em Silêncios, 12° livro do escritor e jornalista – e amigo – Marcos Kirst.
    Vencedor do Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, promovido pela Biblioteca Pública Municipal Dr. Demétrio Niederauer, Em Silêncios é também o primeiro livro de poemas de Kirst. E sua estreia em um novo gênero literário não poderia ser melhor: a obra traz ideias primorosas em forma de curtos poemas, que versam sobre aquilo que o silêncio pode nos dizer, ensinar ou esconder de nós. Silêncio, aqui, deve ser entendido não somente como a ausência de som, mas também como “um átimo de ensimesmamento originado por algum estímulo exterior ou por alguma súbita epifania da alma” – algo que os livros são pródigos em nos proporcionar.
    Em Silêncios é uma obra de leitura muito agradável, recomendada não somente a quem aprecia o gênero poético, mas também a quem busca nos livros ideias inspiradoras, daquelas que nos fazem interromper a leitura, baixar o livro e pensar sobre o que acabamos de descobrir. Em um mundo no qual a correria e o constante barulho são tão comuns a ponto de estranharmos a quietude e a tranquilidade, refletir sobre o silêncio e aprender com ele representa uma oportunidade de ouro.

Uma pequena amostra do talento de Kirst está em Perda, um dos meus poemas favoritos de Em Silêncios:

Engoliu em seco
e disse “sim”.
Olhou com ódio
as costas do outro.

Mataria.

Antes,
morreu algo
dentro de si.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Tony Bellotto e os kits “ateu” e “morte”

Por Guilherme

No Blog da Companhia das Letras, o Titã Tony Belloto escreveu um post sobre seu ateísmo discretamente militante e sua ideia de criar um “kit ateu” literário para presentear amigos, em uma tentativa de lutar “contra o sectarismo, ofensa à inteligência, abuso da paciência e exploração da ignorância que muitas vezes as religiões promovem.” O kit de Bellotto inclui obras como Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, Deus Não é Grande, de Christopher Hitchens, e Carta a Uma Nação Cristã, de Sam Harris. Bellotto também cita O Mundo Assombrado Pelos Demônios, de Carl Sagan, Aprender a Viver, de Luc Ferry, e Por Que Não Sou Cristão, de Bertrand Russell.
    Após as leituras de Últimas Palavras, de Christopher Hitchens, e Patrimônio, de Philip Roth, Bellotto começou a elaborar o “kit morte”, com obras que trazem reflexões sobre o final de nossas vidas, e sobre o que fizemos delas no decorrer de nossas existências.
    Simpatizei com o texto de Bellotto por também ser ateu e ler com alguma frequência obras que tratem de ateísmo, assim como obras que tenham como tema a morte e a possibilidade de uma boa vida antes dela, aqui mesmo na Terra. Adicionaria ao “kit ateu” as obras O Espírito do Ateísmo, de André Comte-Sponville, e Tratado de Ateologia, de Michel Onfray. Ao “kit morte”, eu acrescentaria O Filósofo e o Lobo, de Mark Rowlands, De Frente Para o Sol, de Irvin Yalom, e recomendaria a leitura de “O cérebro do meu pai”, quarto capítulo de Como Ficar Sozinho, livro de ensaios de Jonathan Franzen.

“A grande diferença entre um ateu e um crente talvez seja que os ateus, ao contrário dos crentes, paradoxalmente acreditam na morte”, afirmou Bellotto no final de seu texto. Eu acrescento: e por acreditar na morte, muitos ateus entendem a profunda importância do verbo viver.

Para ler o texto do Titã, clique aqui.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Conversando com Simon Blackburn

Por Guilherme

Professor na Universidade de Cambridge e na Universidade da Carolina do Norte, o inglês Simon Blackburn é considerado uma das figuras mais importantes na filosofia contemporânea, tanto na área acadêmica quanto na popularização de temas filosóficos entre o público geral. Em suas obras, Blackburn escreve sobre ética, epistemologia, o pensamento crítico, a história da filosofia e a busca da verdade. No Brasil, estão disponíveis A República de Platão (Jorge Zahar, 2008), o Dicionário Oxford de Filosofia (Jorge Zahar, 1997) e Verdade: um guia para os perplexos (Civilização Brasileira, 2006 – escreverei sobre o livro em breve aqui no blog). Blackburn também é autor de uma interessante obra de introdução à ética (Being Good), outra de introdução à filosofia (Think: a compelling introduction to philosophy) e uma sobre as grandes questões da vida (Big Questions: philosophy, que também será tema de um post aqui no Página Virada).
Enviamos algumas perguntas a Blackburn para conhecer mais as suas ideias sobre livros e leitura. O filósofo gentilmente aceitou nosso convite e nos encaminhou suas respostas, que podem ser lidas abaixo.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Simon Blackburn: Eu geralmente leio vários livros ao mesmo tempo. No presente momento, estou lendo os Ensaios de Montaigne, o que eu deveria ter feito há muito tempo. Eles são acalentadores, íntimos, nos fazem divagar, e são frequentemente muito divertidos. Também estou lendo, em contraste, O Talentoso Ripley, o suspense de Patricia Highsmith que foi transformado em um filme bem conhecido. Terminei recentemente Darwinian Populations, de Peter Godfrey-Smith, um livro sobre filosofia da biologia que eu apreciei bastante.

PV: Que livros o influenciaram?
SB: São muitos para mencionar! Profissionalmente, creio que eu deveria indicar Russell e Frege, os dois grandes pioneiros da lógica moderna. Depois, o Tratado de Wittgenstein, com o qual passei muito tempo lutando quando era estudante. Em meus anos de graduação eu li pela primeira vez David Hume, que provavelmente me influenciou mais do que qualquer outro autor.

PV: Por que você pensa que é importante ler?
SB: O grande negócio em relação à leitura, diferentemente de assistir a filmes ou televisão, é que você pode escolher seu próprio passo. Você pode fazer uma pausa para a reflexão, deixar sua imaginação livre, ou pensar um pouco por conta própria. Assim, um livro é o mais polido e modesto das companhias. Penso que filmes, ao contrário, são muito insistentes. Você tem que assisti-los no passo que eles ditam, e eu realmente não gosto de fazer isso. Não é somente o fato de que eu encontro mais prazer nos livros, mas eu penso que eles expandem mais a minha mente. Eles me dão espaço para respirar.

PV: É possível fazer com que as pessoas leiam mais? Como podemos fazer isso?
SB: Nós temos que comunicar o nosso prazer mais efetivamente. Ver jovens mexerem ociosamente em seus Angry Birds ou Donkey Kongs, ou qualquer coisa parecida, me deixa muito triste. É uma maneira pobre, vazia e sem sentido de passar o tempo, considerando que eles poderiam estar perdidos em companhia de Agamenon ou Aquiles, Hamlet ou Dom Quixote, ou mesmo Alice no País das Maravilhas ou Harry Potter. Não penso que importe o que a criança lê, contanto que elas assimilem a ideia de que os livros são prazerosos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ambientes digitais, nossos cérebros e os solitários repletos de "amigos"

Por Guilherme

A neurocientista britânica Susan Greenfield esteve recentemente no Brasil, palestrando no programa Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre e em São Paulo sobre a influência das novas mídias em nossos cérebros. De acordo com ela, o fato de estarmos expostos a uma enorme quantidade de informações na rede pode fazer com que nos tornemos indivíduos “multitarefa”, fazendo muitas coisas em pouco tempo, mas prestando pouca atenção nas tarefas que desempenhamos e sendo superficiais nos assuntos que estudamos. Greenfield afirma que é possível que os escores em testes de QI das futuras gerações aumentem em decorrência do uso dessas novas tecnologias (Michael Shermer afirma a mesma coisa), mas que estamos perdendo muito com o uso excessivo delas.
    Para entender um pouco melhor o ponto de vista da neurocientista, recomendo a leitura de uma entrevista concedida por ela à revista Veja. Também recomendo atenção ao vídeo abaixo, uma apresentação da psicóloga Sherry Turkle, autora de Alone Together: why we expect more from technology and less from each other (algo como Sozinhos Juntos: por que esperamos mais da tecnologia do que uns dos outros, obra ainda não lançada no Brasil, mas que será tema de um post aqui no blog em breve). Turkle afirma que a tecnologia está nos tornando mais distantes dos outros e criando pessoas cheias de “amigos virtuais”, mas sem ninguém para trocar ideias pessoalmente.