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terça-feira, 10 de julho de 2012

O Livro da Minha Vida (7) - Dom Quixote


Por Uili Bergamin*

O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha
(Miguel de Cervantes Saavedra – várias edições – mais ou menos 600 páginas)


Esta obra não me formou apenas como escritor, mas principalmente como leitor e ser humano. O impacto que me causou foi tamanho, que dediquei duas de minha obras a ela, como testemunho, como tributo e por gratidão. São elas "Cela de Papel", cujo personagem o poeta Leandro Angonese chamou de "Dom Quixote Bergaminiano" e "A Ilha Mágica", espécie de releitura cervantina. Pesquisei a fundo criatura e criador, sendo que hoje ministro palestras sobre Dom Quixote em todo o estado.
        Eleito em 2002 por uma comissão de críticos literários como o melhor romance de todos os tempos, “Dom Quixote” é também o livro de ficção mais lido do planeta, perdendo apenas para a Bíblia no ranking geral. Publicado em duas partes, a primeira em 1605 e a segunda dez anos depois, as aventuras do “cavaleiro da triste figura” influenciaram escritores, pintores, cineastas, dramaturgos, músicos e escultores de diferentes épocas.
        A história do fidalgo enlouquecido pelos romances de cavalaria (a que o autor satiriza) e de seu fiel escudeiro, Sancho Pança, que saem pelo mundo em busca de aventuras, inflama até hoje a imaginação de leitores de todas as idades, promovendo debates sobre loucura e sanidade, sonho e realidade, física e metafísica. Com humor cético e às vezes melancólico, Cervantes faz seu personagem jogar-se contra moinhos de vento pensando ser gigantes, tratar prostitutas e lavadeiras como se fossem damas da sociedade e muitas outras hilaridades.
        Obra absolutamente imprescindível para quem aprecia a alta literatura.

*Uili Bergamin é um talentoso escritor nascido em Bento Gonçalves e radicado em Caxias do Sul. Autor de cinco livros, ele também recebeu diversos prêmios por seus trabalhos literários. Uili mantém um blog, http://www.uilibergamin.blogspot.com.br/, onde escreve sobre livros e outros temas relacionados a eles.


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quarta-feira, 9 de maio de 2012

O Livro da Minha Vida (6) - Dom Quixote

Por Valdemir Guzzo*

Escolher um livro, um único, é como escolher uma música, um filme, uma viagem... Penso que o momento também é importante: ele faz a leitura, a música ou um passeio interessantes. Mas um livro? Vou voltar aos anos sessenta e trazer um pouco da minha juventude e adolescência. Tínhamos muito a fazer, como hoje ainda fazemos muito todos os dias. Apenas as situações eram diferentes e toda a novidade nos atraía. Lembro do cinema Dom Vital, lá na praça XV com algumas sessões intermináveis de bons filmes, quase sempre. As pessoas eram atraídas pelo novo, pelo inusitado. Uma tarde, em meio a semana, um avião ‘enorme’ desceu na pista do aeroclube da cidade. Dá para pensar o que aconteceu: uma verdadeira romaria para ver o avião que, em pane, encontrou a pista de Veranópolis. Hoje sei que aquele avião era da antiga Sadia e trazia perto de 30 passageiros mais tripulantes e que atraíram a atenção de boa parte da cidade, inclusive a minha. As coisas eram assim e por isso passávamos horas com os livros, que também nos permitiam viagens imaginárias.
      Mas um livro, e este provavelmente tenha desencadeado meu gosto pela leitura, foi Dom Quixote. Na escola líamos muito. Líamos em parte por cumprir normas e em parte pelo gosto que essa rigidez pelo livro acabou nos proporcionando. O engenhoso Fidalgo de La Mancha me fez rir muito com as peripécias do Cavaleiro e de seu fiel escudeiro Sancho. Moinhos e demônios não me assustaram.
        Hoje, se adolescente, talvez eu desse preferência aos muitos autores regionais. Temos editoras em Caxias do Sul que têm trabalhado muito escritores emergentes e bons escritores. Só nos falta ler seus livros e valorizar seus escritos.

*Valdemir Guzzo é professor

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Livro da Minha Vida (5) - Kafka e Proust: duas obras, dois modos de ler

Por Luciano Mallmann*

Em uma conferência, Jorge Luis Borges afirma que a poesia é anterior ao livro, sendo este apenas uma ocasião para que ela se manifeste. Acredito que isso possa ser aplicado sem perda alguma à literatura como um todo, e dessa equação resultamos nós e os livros. Dessa maneira, o que temos é a literatura, e uma obra específica é apenas parte dela. Sendo assim, a expressão “O livro de minha vida”, no singular, me traz uma dificuldade: muito me perguntei como seria partir em pedaços algo que, mesmo surgido por meio de um encadeamento, soma apenas uma coisa, ou seja, os livros que lemos. Contudo, e aos meus olhos seria talvez esse o espírito dessa série, existem livros que, pelas circunstâncias em que nos encontrávamos ao lê-los, transcenderam em muito o seu papel, que em si já não é pequeno, de nos fazer enxergar o mundo sob outro viés e, por meio desse modo de ver, nos levar a uma evolução. Creio, a partir disso, serem esses os livros de nossas vidas: obras que refletem em detalhes determinados momentos que vivenciamos, conferindo-lhes um sentido que, por mais que nos esforçássemos, só logramos compreender por intermédio de uma leitura que apenas o acaso determina se ocorrerá ou não. Desse modo, a leitura de certos livros não pode ser avaliada fora do contexto em que os lemos pela primeira vez, pois, por seu caráter universal, suas histórias se tornaram elas próprias matéria-prima de nossa existência, ou, em outras palavras, parte de nossa biografia. Talvez nisso resida uma das maiores riquezas dos grandes livros: a capacidade, mesmo tendo sido escritos em alguns casos há séculos, de se mesclarem perfeitamente, trazendo sua luz, à realidade que nos cerca. Para este texto, escolhi dois exemplos que, antes de consistirem duas obras, significam também duas maneiras de ler.
        É muito famosa a frase de John Donne segundo a qual nenhum homem dorme na carreta que o leva da prisão ao patíbulo; apesar disso, todos dormimos desde o nascimento até a sepultura, ou não estamos inteiramente despertos. Essa seria, segundo o poeta inglês, a função da alta literatura: despertar o homem que é conduzido ao patíbulo. Aos dezesseis anos, experimentei toda a verdade contida nessa afirmação. Sob vários aspectos, foi um período difícil, repleto de questionamentos, como costuma ser para muitos nessa faixa etária. Talvez pelo fato de ter tido uma rígida criação católica, as dificuldades mais comuns pareciam tomar a forma de uma punição sem causa. Todavia, aqueles dias teriam sido ainda mais tortuosos se um determinado escritor não houvesse surgido, como que por acaso, com a finalidade de, por assim dizer, explicar com rara exatidão o funcionamento da vida: Franz Kafka. O nome da obra: O processo. O enredo é bastante conhecido: nesse romance, deparamo-nos com Joseph K., um bancário que, por razões que permanecem desconhecidas tanto para o personagem como para o leitor, é detido numa manhã por dois policiais. É difícil não ceder à tentação de interpretar essa obra, examinando-a sob a ótica da biografia do autor, sua origem judaica, entre diversos outros aspectos. Esses modos de interpretação são sem dúvida muito válidos, mas sempre manifestei minha preferência por privilegiar, na visão de certas obras, simplesmente aquilo que elas se revelam capazes de despertar em nós; no caso em questão, o maior assombro. Diante da situação do personagem, somos levados a pensar que houve algum erro, uma falha humana, mas somos informados por Tintorelli, o pintor, que “quando acusa alguém, a Corte não pode ser arredada dessa convicção”. Ou seja: não há engano algum. Pusemo-nos então a imaginar que espécie de transgressão Joseph teria cometido, o que, por permanecer na esfera da subjetividade, também se revela inútil: nada poderia ser mais contrário a Kafka. Temos de contentar-nos então com os dados que o narrador nos fornece e questionar-nos a respeito da natureza da Justiça que move o processo contra Joseph K., na qual nos surpreende sobretudo a inacessibilidade dos magistrados, distância também presente em O castelo. Creio mesmo que, se nos puséssemos a imaginar a vida pregressa do personagem, não seríamos capazes de encontrar nada além de uma existência irrepreensível em todos os sentidos. A despeito disso, somos informados, através de um personagem, que “jamais se pode duvidar da culpa”. Nesse momento, tomamos conhecimento de que a transgressão de Joseph K. diz respeito também a nós, embora, para entendê-la, não possamos fazer mais que aventar hipóteses: existiria porventura culpa por se estar vivo, ou por viver neste mundo? Ou seria simplesmente algo como uma completa falta de lógica desse mesmo mundo em que vivemos? Seja como for, essas respostas repercutem em nossas mentes ao longo dos anos que se sucedem à leitura sem que tenhamos jamais noção, mais especificamente, de respostas plausíveis. Voltando à obra: por mais que o personagem seja realmente culpado, do que duvidamos sempre, estamos certos de que, no máximo, o veredicto lhe reservará não mais que alguns anos de prisão. Pensar desse modo, porém, só é possível para quem não conhece Franz Kafka, o que era o meu caso. Não sei se é nisso que reside a força da obra e, principalmente, do final, daquele final: a  morte violenta, “como um cachorro”, nas mãos de dois executores. E a observação do narrador parece explicitar ainda mais a suposta infâmia do personagem: “era como se a vergonha fosse sobrevivê-lo”. Tendo em nossas mãos a página aberta nessa cena, o que nos resta é a mais completa perplexidade. Creio que seja por momentos semelhantes que Fabrício Carpinejar afirmou que a literatura nasce do silêncio e provoca silêncio, do que não há como discordar. E O processo, em qualquer momento em que seja lido, será sempre um ritual de iniciação marcado sobretudo por um silêncio de estupefação.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Livro da Minha Vida (4)

Por Marcos Fernando Kirst*

Vários foram os livros que me marcaram ao longo de minha decana trajetória de leitor. O mais recente a ter me causado aquela sensação rara de prazer de degustar algo sublime foi “Se um Viajante numa Noite de Inverno”, do italiano Ítalo Calvino (1923 – 1985). Nesse romance, Calvino transforma o próprio leitor em personagem principal da narrativa, ao longo da qual vai debatendo temas concernentes ao universo da leitura e dos livros. A intertextualidade é a tônica da obra, em que acompanhamos as agruras do personagem que deseja evitar cruzar a tentadora linha que separa o simples leitor do fazedor de literatura, bem como os dilemas que assolam a dupla formada pelo escritor produtivo e o escritor atormentado, vizinhos que se monitoram um ao outro durante a produção de suas obras.
Tudo isso conduzido com o gênio narrativo de Calvino, que nos apresenta aqui o ápice de seu estilo erudito e irônico, sem ser pedante. Na verdade, descobri em “Se um Viajante...” a profundidade do humor com que Calvino trabalha seus livros, todos eles eminentemente alegóricos. Li o livro em 2003 e, a partir dali, mergulhei em uma caça sistemática a toda a obra do autor publicada no Brasil (que é vasta, mas ainda não completa) e devorei tudo. Ler Calvino é um prazer imenso, e consta em meus planos futuros empreender uma releitura geral.

*Marcos Fernando Kirst é jornalista e escritor. Foi o patrono da Feira do Livro de Caxias do Sul de 2010. Informações sobre suas obras, e os textos que Marcos escreve semanalmente para diversos jornais e revistas, podem ser acessados em seu blog Futilidades Literais.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Livro da Minha Vida (3)

Por Tales Armiliato*    

     Contar a vida real através de testemunhos de uma profissão, a de jornalista, por vezes parece muito simples, mas não é. Escrever e publicar o cotidiano dos fatos, os acontecimentos envolvendo pessoas, representa demonstrar o que a vida também tem de ruim e de sofrimento. No dia a dia são inúmeros os exemplos: a falta de segurança, as mortes nas favelas, a briga pela liderança no tráfico de drogas e a corrupção em meio à política e aos próprios órgãos de segurança. Muitas vezes, aqueles que deveriam proteger ficam à margem da situação. Por isso, entre as leituras que marcaram a minha vida, seguindo a paixão pelo jornalismo e sua verdadeira função social, recordo do livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, do jornalista Caco Barcellos. Gaúcho e repórter da Rede Globo de Televisão, Caco é reconhecido pelo estilo marcante de suas reportagens. Em Rota 66, é apresentado ao leitor o verdadeiro mundo do crime com suas mais organizadas facções, infelizmente até na polícia. Sem escrúpulos. A vida real. A mais pura verdade, nua e crua, de uma sociedade brasileira que por vezes tenta esconder que a realidade de fatos possui consequências que se estendem pelos anos e na memória de muitas pessoas. A obra trata do triste episódio do assassinato de um grupo de jovens de classe média de São Paulo por uma incorreta ação de uma unidade da conhecida Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). O rumo da história começa a partir deste fato. O problema é que muitos outros assassinatos acontecem sem motivo, realizados pela polícia militar, que atira antes mesmo de perguntar. No livro-reportagem, Caco Barcellos também traz um pouco do dia a dia do repórter policial e investigativo. Ele relata suas experiências jornalísticas e aonde vai para conseguir o relato de suas fontes. O jornalista chega a lugares evitados até pela própria polícia e levanta um verdadeiro arquivo com dados e informações reveladoras sobre vítimas de tiroteios com a polícia militar. O livro Rota 66 se divide em três partes e prende a atenção do leitor como uma espécie de prisão ou filme de verdadeira ação cinematográfica. Fascinante! Os detalhes da obra chamam a atenção já no parágrafo inicial do livro, capítulo 1 – A perseguição:

"A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15 segundos: a sirene parece o ruído de um monstro enfurecido. Os faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio, com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos três homens do Fusca azul. Eles estão na Maestro Chiafarelli e têm à frente uma parede de automóveis à espera do sinal verde para o cruzamento da avenida Brasil".


      Rota 66 - A História da Polícia que Mata, representa um belo incentivo aos profissionais da área e amantes da escrita. Um verdadeiro estímulo ao aperfeiçoamento de novas habilidades. Lembrar de Caco Barcellos é falar de um de nossos melhores jornalistas brasileiros na atualidade. Um homem de cabelos grisalhos e de meia estatura, conhecido pela crítica jornalística do centro do país como a “voz da minoria e das vítimas da violência”. Lembro que esta também é uma bela caracterização que ele mesmo gosta de acrescentar, sempre, durante suas palestras pelo Brasil e principalmente aos futuros jornalistas. Diz ele: “eu sou assim, e por que mudar?”    

* Tales Armiliato é jornalista e repórter da Rádio São Francisco SAT – Caxias do Sul – RS.

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Livro da Minha Vida (2)

Por Natália

      Eu poderia indicar, para cada fase de minha vida, várias obras marcantes. Para a pré-adolescência, livros policiais de autores como Agatha Christie, Conan Doyle e Marcos Rey. Para a adolescência, O Mágico de Oz (recentemente resenhado) e O Dia do Curinga, de Jostein Gaarder. Para a época da graduação, os clássicos de Machado de Assis, os romances policiais de P.D.James e obras da Literatura Ocidental em geral (como O Morro dos Ventos Uivantes e Drácula). Recentemente, fui presenteada por uma professora muito querida, Prof. Flávia Saretta, com um livro escrito por volta de 1940 e publicado mais de 60 anos depois. Sua autora, Irène Némirovsky, é um dos maiores nomes da literatura do século passado. E essa obra, Suite Française, é um dos retratos mais impressionantes sobre a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial.
      Ao contrário de outras obras sobre a II Guerra, Suite Française não descreve os grandes conflitos nem as aflições dos soldados no campo de batalha. Os personagens da obra são pessoas comuns, mais ou menos afortunadas, que procuram fugir de Paris nos dias anteriores à invasão alemã. São apresentados, portanto, não indivíduos heroicos ou cidadãos com forte sentimento patriótico; o que a obra traz a seus leitores são famílias, casais e jovens que, temendo por sua vida e zelando pelo próprio conforto, são capazes tanto de ajudar como de prejudicar as pessoas que estão em situação semelhante à sua.
      Na primeira parte da obra, quando Paris está prestes a ser ocupada, alguns episódios chamam a atenção. Em meio a bombardeios, a mãe de uma família aristocrática aconselha seus filhos a compartilharem seus doces com crianças mais pobres. Quando percebe que todas as mercearias estão fechadas e que, se a distribuição de guloseimas continuar, os próprios filhos ficarão sem doces, ela proíbe-os de prosseguir com tal gesto de boa-vontade. Mais tarde, na tentativa de fugir de outros ataques, essa mesma família abandona um abrigo no meio da madrugada, levando consigo o gato da família e se esquecendo do avô, que sofria de uma doença degenerativa.
      Já na segunda parte da obra, com a ocupação alemã estendendo-se também pela região ao sul da capital francesa, observamos como a rotina de um vilarejo se altera por causa da presença de soldados nazistas. Os homens da localidade dirigem aos invasores um ódio quase violento, pois temem que o charme dos combatentes faça-os perder suas mulheres. E, enquanto as mulheres mais novas de fato suspiram pelos soldados, uma vez que veem neles uma oportunidade para desviarem-se de sua maçante rotina rural, as mais velhas culpam-nos pelo desaparecimento de seus filhos durante o conflito. É nessa parte da obra que, entre uma francesa e um oficial alemão, criam-se laços quase que fraternais: os dois sabem que o destino de suas nações e de suas famílias foi enormemente modificado por causa da guerra.
      O mais surpreendente de Suite Française (Vintage International, 2006) é a maneira como Némirovsky consegue construir, a partir de pequenos episódios, uma grande narrativa. Além disso, é interessante perceber que, ao contrário da maioria das obras (literárias ou não) sobre a Segunda Guerra Mundial, Suite Française é imparcial, sem defender os franceses e atacar os alemães. Em vez de fazer isso, a obra mostra o quanto o conflito é doloroso, independentemente da nacionalidade dos envolvidos. Vale destacar, porém, que Némirovsky adota essa postura neutra apesar de sua situação na França. Nascida em Kiev, na Ucrânia, e oriunda de uma família judaica, Irène Nemiróvsky muda-se para Paris em 1918, para fugir da Revolução Russa. Na França, converte-se ao Catolicismo e casa-se com um banqueiro, Michel Epstein, também um judeu convertido. Irène e a família viviam em Paris quando a ocupação alemã ocorreu, e foi nessa ocasião que ela começou a redigir Suite Française, atualmente sua obra mais reconhecida. Porém, o romance não foi finalizado porque a autora e seu marido foram presos e deportados a Auschwitz. Michel Epstein foi imediatamente mandado à câmara de gás. Irène morreu pouco tempo depois, de tifo. Suite Française permaneceu escondida por muito tempo até que, há menos de uma década, foi publicada. Ainda que inacabada, é uma obra de arte de brilhantismo e grandeza incalculáveis.

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Livro da Minha Vida (1)

Por Guilherme

            Para qualquer pessoa que goste de ler, escolher uma obra para dizer que é "o" livro de sua vida é uma tarefa muito difícil. Não sou um grande leitor de romances, prefiro livros de filosofia popular e divulgação científica e, assim, o livro que marcou minha vida foge um pouco dos padrões. Escolheria Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, de Robert Pirsig, que me trouxe grandes ideias e sempre me proporciona paz de espírito em momentos complicados. Mas como já escrevi sobre Zen em outro post, decidi falar de outra obra à qual frequentemente recorro quando estou em busca de pensamentos inspiradores: Walden, do americano Henry David Thoreau (1817-1862).
            Conheci os escritos de Thoreau por curiosidade, pois queria saber mais sobre a história de um cara que havia sido preso por não pagar impostos (que financiavam conflitos com o México e a escravidão nos EUA), e teria escrito seu principal manifesto (A Desobediência Civil) na cadeia. Depois, descobri que o autor era considerado um dos pais do pensamento anárquico, embora hoje em dia muitas pessoas se inspirem nele quando pregam a presença mínima do Estado na sociedade. Também soube que Thoreau foi o mentor intelectual de muitas revoluções silenciosas, como a de Gandhi na Índia. Como se isso não bastasse, o autor passou dois anos afastado (não completamente isolado, como se pensa), vivendo em uma cabana construída por ele próprio nas proximidades do lago Walden, no estado americano de Massachusetts. Essa experiência de fuga da civilização é relatada em Walden, publicado em 1854.
            Walden é uma homenagem à natureza e à simplicidade. Thoreau era um grande crítico do modo de vida de seus contemporâneos, que se preocupavam excessivamente com as aparências e o acúmulo de capital, deixando de lado virtudes como a constante busca pelo conhecimento (de si mesmo e do mundo) e o aprimoramento pessoal. Aliás, aprimoramento pessoal é uma ideia sempre presente nos escritos do autor. O americano não admitia que pudéssemos nos portar tão mal em relação às outras pessoas e à natureza. Para ele, cada um de nós tinha poder suficiente para, conscientemente, agir cada vez melhor, elevando moralmente sua própria vida e influenciando positivamente a de outros. Essa é, para mim, a ideia mais nobre em Walden.
            Admiro a obra de Thoreau porque nela encontrei o meu próprio pensamento sobre a conduta dos seres humanos. Custo a entender como algumas pessoas podem ser tão negligentes com as suas vidas, ou como não fazem a mínima questão de aprimorar-se, de buscar algo a mais. Para aqueles que imaginam que pode haver epitáfios diferentes de “Fulano de Tal, torcedor fanático do Pradense, que dirigia aos sábados à noite com o som explodindo e gostava de beber e jogar as garrafas de cerveja nas calçadas”, Walden é um sopro de esperança.


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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Livro da Minha Vida

A partir do dia 20/10, o blog Página Virada iniciará o projeto "O Livro da Minha Vida". O blog publicará todas as quartas-feiras um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Se você quiser participar do projeto, envie um texto para nosso e-mail (paginaviradablog@yahoo.com.br) com seu nome completo, contando por que esse livro é importante para você.