segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Significado das Coisas

Por Guilherme

Estou iniciando a leitura de The Meaning of Things: applying philosophy to life (O Significado das Coisas: aplicando a filosofia à vida, ainda não publicado no Brasil), do filósofo e escritor britânico A.C. Grayling, obra estruturada em três capítulos nos quais é possível apreciar o conteúdo filosófico separado em verbetes.
Li alguns trabalhos de Grayling, e esse me atraiu pela habilidade do autor em escrever trechos curtos com grande conteúdo. Um dos primeiros verbetes do livro é “civilidade”, e o autor aponta algo que estamos demorando demais para perceber, e que creio ser a origem de grande parte das desordens das sociedades de hoje:

Apesar das aparências, o mundo ocidental não está passando por uma nova era imoral. Ele está sofrendo de um fenômeno diferente: a perda de civilidade, um déficit de boas maneiras...
... o que tem acontecido é uma queda naquilo que mantém a máquina social funcionando – a quebra da tolerância mútua e do respeito que permitem a convivência em uma sociedade complexa e plural para que os indivíduos possam viver suas próprias vidas em paz.


Grayling prossegue:

Pessoas que têm maus modos são geralmente assim porque elas estimam falsamente o seu próprio valor, e pensam que um garçom (que é provavelmente um estudante de medicina ganhando um dinheiro extra) ou um motorista de ônibus (que provavelmente está escrevendo o próximo romance premiado em seu tempo livre) devam ser valorizados pela sua ocupação – ou, mais precisamente, pela sua renda, que nesses casos assume-se que seja modesta – mais do que por sua humanidade. Aí começa a impertinência: transforme uma pessoa em um rótulo, ou em uma soma de dinheiro, e ela se torna não um fim em si mesma, mas um instrumento; e tratar alguém assim, como argumentou Kant, não é apenas a suprema descortesia, mas o supremo erro."

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Maldição do Tigre

Por Natália

A fim de juntar um dinheiro para começar a faculdade, a adolescente órfã Kelsey Hayes vai trabalhar em um circo que está em temporada em sua cidade. A garota logo se encanta por uma das principais atrações, um majestoso tigre branco chamado Ren. Atraída pela beleza do animal e comovida pela solidão que ela enxerga em seus olhos, Kelsey passa todo o seu tempo livre em sua companhia e acaba estabelecendo um vínculo com o felino, que parece simpatizar com ela.
        Ren, entretanto, será levado de volta à Índia, onde viverá numa reserva, e Kelsey é contratada para acompanhá-lo nessa jornada. O que a garota ainda não sabe é que o tigre não está destinado a uma reserva e que ela não irá ajudá-lo a readaptar-se ao mundo selvagem, mas a quebrar uma maldição que há séculos o atormenta. Ren, na verdade, é um príncipe indiano que há trezentos anos foi amaldiçoado, junto com o irmão, por um feiticeiro. Para quebrar o encanto, Kelsey e Ren, que pode voltar à forma humana por apenas 24 minutos a cada 24 horas, devem desvendar uma profecia e interpretar pequenos sinais que lhes são enviados por deuses hindus. Ao conviver com o homem-tigre, Kelsey acaba se apaixonando por ele.
        A Maldição do Tigre (Editora Arqueiro, 2011), de Colleen Houck, é uma história de fantasia temperada com boas doses de aventura e de romance. A trama desenrola-se principalmente em torno da profecia que Kelsey e Ren precisam desvendar e da crescente paixão que arrebata os dois jovens. É uma obra interessante, que segue na esteira dos romances em que um ser humano e outro não tão humano se apaixonam, embora tentem se convencer do contrário. Para quem espera muitos trechos com descrições de paisagens, costumes ou lugares indianos, o livro pode decepcionar um pouco. No entanto, a história é agradável, e o leitor certamente ficará esperando pelos próximos volumes da série (que ainda não foram lançados no Brasil).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

E a educação no Brasil?

Por Guilherme

O ano letivo já começou em alguns estados brasileiros, e em breve os alunos e professores gaúchos retornarão às salas de aula. Pelo visto, os antigos problemas no ensino brasileiro persistem, e não há perspectiva de que isso mude em breve. Dê uma olhada aqui, aqui e, principalmente, aqui, e você vai ter a sensação de já ter lido isso antes.

OBS: Para que não falemos só das mazelas da educação no Brasil, há uma ótima notícia relacionada a um professor famoso em nosso país. Clique aqui para saber mais sobre o assunto.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Que tipo de pessoa você quer ser?

Por Guilherme

O trecho abaixo é do livro Scifi = Scifilo – a filosofia explicada pelos filmes de ficção científica (Relume, 2005), de Mark Rowlands. Para quem já leu a obra mais famosa de Rowlands, O Filósofo e o Lobo, a ideia vai parecer familiar. Mesmo assim, é interessante dedicar um tempo para tentar entender (quem sabe incorporar?) o recado do filósofo galês.

“A escolha de deixar a vida ser guiada por razões morais ou de interesse próprio é, a meu ver, fundamentalmente arracional. A escolha é, enfim, autodefinidora: é uma escolha guiada não por razões, mas pela sua imagem do tipo de pessoa que você quer ser. Não seria esta imagem uma razão? Não fundamentalmente, porque o desejo de ser um tipo particular de pessoa em vez de outro não é, em si, baseado em razões.
        Um dos aforismos de Nietzsche é mais ou menos assim: ‘O que diz a sua consciência? Torne-se aquilo que você é.’ E escolher viver sua vida de uma certa maneira, uma onde as considerações morais tenham um peso maior que aquelas de interesse próprio, ou onde as razões de interesse próprio pesem mais que as morais, ou onde ambas estão constantemente competindo para ser mais importante que a outra é, de fato, uma questão de tornar-se o que você é. Pode não existir uma razão fundamental para ser ou tornar-se um tipo de pessoa ao invés da outra. É algo que simplesmente fazemos. É a nossa ação – ao invés de nossa razão – que se encontra na raiz do jogo da auto-definição. O começo da moralidade é a questão ‘Por que ser moral?’. E no começo jaz o ato."


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Quebra de Confiança

Por Natália

Myron Bolitar é um empresário de atletas iniciante no ramo. Ele vê em Christian Steele, um jovem jogador de futebol americano, a oportunidade para se lançar no mercado e conquistar outros atletas para sua agência. Christian, um rapaz bonito, talentoso e simpático, tem tudo para dar certo – mas sua carreira começa a ser ameaçada por um mistério perturbador.
        Há um ano e meio, a noiva de Christian, Kathy Culver, desapareceu do campus da universidade sem deixar muitas pistas. Agora, com o caso já arquivado e caindo no esquecimento do público, Christian recebe uma revista pornográfica que traz uma foto de Kathy num anúncio de tele-sexo e atende uma ligação que parece ter sido feita por ela. Para completar o caso, três dias antes o pai de Kathy foi assassinado no que parece ter sido uma tentativa de assalto.
        Preocupado com seu promissor atleta, Myron Bolitar decide investigar o caso e passa a conversar com pessoas que conheciam Kathy e podem tê-la visto pouco antes de seu desaparecimento. Além disso, segue pequenas pistas deixadas nos locais onde ela foi vista antes de sumir. Com a ajuda de seu amigo Win, um ricaço treinado nas artes marciais, e de sua ex-namorada, a irmã de Kathy, Myron começa a pensar que o sumiço da jovem e o assassinato de seu pai podem estar ligados – e que muita gente está envolvida de alguma forma nesse mistério.
Quebra de Confiança (Arqueiro, 2011), de Harlan Coben, é um romance policial cheio de reviravoltas e de pequenos mistérios – daqueles que aparecem no final de cada capítulo e não deixam o leitor largar a obra. A cada nova descoberta do “detetive” Myron, muitas delas de impressionar, o leitor vai sendo transportado para uma trama complexa, em que a quebra de confiança é, ainda, o menor dos crimes cometidos. Sem dúvida, é uma história que não pode ser ignorada por fãs do gênero policial ou de suspense, assim como as demais obras de Coben (uma delas, Cilada, já foi resenhada pelo blog – veja aqui). Quebra de Confiança é um livro tão instigante que faz com que o leitor se esqueça de outras tarefas para continuar a lê-lo. Não costumo usar primeira pessoa aqui no blog, mas este livro me fez ficar acordada até as 4 horas da madrugada, lutando com bravura contra o sono, e terminar de lê-lo em menos de um dia. É certamente uma grande obra policial contemporânea.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Livro da Minha Vida (5) - Kafka e Proust: duas obras, dois modos de ler

Por Luciano Mallmann*

Em uma conferência, Jorge Luis Borges afirma que a poesia é anterior ao livro, sendo este apenas uma ocasião para que ela se manifeste. Acredito que isso possa ser aplicado sem perda alguma à literatura como um todo, e dessa equação resultamos nós e os livros. Dessa maneira, o que temos é a literatura, e uma obra específica é apenas parte dela. Sendo assim, a expressão “O livro de minha vida”, no singular, me traz uma dificuldade: muito me perguntei como seria partir em pedaços algo que, mesmo surgido por meio de um encadeamento, soma apenas uma coisa, ou seja, os livros que lemos. Contudo, e aos meus olhos seria talvez esse o espírito dessa série, existem livros que, pelas circunstâncias em que nos encontrávamos ao lê-los, transcenderam em muito o seu papel, que em si já não é pequeno, de nos fazer enxergar o mundo sob outro viés e, por meio desse modo de ver, nos levar a uma evolução. Creio, a partir disso, serem esses os livros de nossas vidas: obras que refletem em detalhes determinados momentos que vivenciamos, conferindo-lhes um sentido que, por mais que nos esforçássemos, só logramos compreender por intermédio de uma leitura que apenas o acaso determina se ocorrerá ou não. Desse modo, a leitura de certos livros não pode ser avaliada fora do contexto em que os lemos pela primeira vez, pois, por seu caráter universal, suas histórias se tornaram elas próprias matéria-prima de nossa existência, ou, em outras palavras, parte de nossa biografia. Talvez nisso resida uma das maiores riquezas dos grandes livros: a capacidade, mesmo tendo sido escritos em alguns casos há séculos, de se mesclarem perfeitamente, trazendo sua luz, à realidade que nos cerca. Para este texto, escolhi dois exemplos que, antes de consistirem duas obras, significam também duas maneiras de ler.
        É muito famosa a frase de John Donne segundo a qual nenhum homem dorme na carreta que o leva da prisão ao patíbulo; apesar disso, todos dormimos desde o nascimento até a sepultura, ou não estamos inteiramente despertos. Essa seria, segundo o poeta inglês, a função da alta literatura: despertar o homem que é conduzido ao patíbulo. Aos dezesseis anos, experimentei toda a verdade contida nessa afirmação. Sob vários aspectos, foi um período difícil, repleto de questionamentos, como costuma ser para muitos nessa faixa etária. Talvez pelo fato de ter tido uma rígida criação católica, as dificuldades mais comuns pareciam tomar a forma de uma punição sem causa. Todavia, aqueles dias teriam sido ainda mais tortuosos se um determinado escritor não houvesse surgido, como que por acaso, com a finalidade de, por assim dizer, explicar com rara exatidão o funcionamento da vida: Franz Kafka. O nome da obra: O processo. O enredo é bastante conhecido: nesse romance, deparamo-nos com Joseph K., um bancário que, por razões que permanecem desconhecidas tanto para o personagem como para o leitor, é detido numa manhã por dois policiais. É difícil não ceder à tentação de interpretar essa obra, examinando-a sob a ótica da biografia do autor, sua origem judaica, entre diversos outros aspectos. Esses modos de interpretação são sem dúvida muito válidos, mas sempre manifestei minha preferência por privilegiar, na visão de certas obras, simplesmente aquilo que elas se revelam capazes de despertar em nós; no caso em questão, o maior assombro. Diante da situação do personagem, somos levados a pensar que houve algum erro, uma falha humana, mas somos informados por Tintorelli, o pintor, que “quando acusa alguém, a Corte não pode ser arredada dessa convicção”. Ou seja: não há engano algum. Pusemo-nos então a imaginar que espécie de transgressão Joseph teria cometido, o que, por permanecer na esfera da subjetividade, também se revela inútil: nada poderia ser mais contrário a Kafka. Temos de contentar-nos então com os dados que o narrador nos fornece e questionar-nos a respeito da natureza da Justiça que move o processo contra Joseph K., na qual nos surpreende sobretudo a inacessibilidade dos magistrados, distância também presente em O castelo. Creio mesmo que, se nos puséssemos a imaginar a vida pregressa do personagem, não seríamos capazes de encontrar nada além de uma existência irrepreensível em todos os sentidos. A despeito disso, somos informados, através de um personagem, que “jamais se pode duvidar da culpa”. Nesse momento, tomamos conhecimento de que a transgressão de Joseph K. diz respeito também a nós, embora, para entendê-la, não possamos fazer mais que aventar hipóteses: existiria porventura culpa por se estar vivo, ou por viver neste mundo? Ou seria simplesmente algo como uma completa falta de lógica desse mesmo mundo em que vivemos? Seja como for, essas respostas repercutem em nossas mentes ao longo dos anos que se sucedem à leitura sem que tenhamos jamais noção, mais especificamente, de respostas plausíveis. Voltando à obra: por mais que o personagem seja realmente culpado, do que duvidamos sempre, estamos certos de que, no máximo, o veredicto lhe reservará não mais que alguns anos de prisão. Pensar desse modo, porém, só é possível para quem não conhece Franz Kafka, o que era o meu caso. Não sei se é nisso que reside a força da obra e, principalmente, do final, daquele final: a  morte violenta, “como um cachorro”, nas mãos de dois executores. E a observação do narrador parece explicitar ainda mais a suposta infâmia do personagem: “era como se a vergonha fosse sobrevivê-lo”. Tendo em nossas mãos a página aberta nessa cena, o que nos resta é a mais completa perplexidade. Creio que seja por momentos semelhantes que Fabrício Carpinejar afirmou que a literatura nasce do silêncio e provoca silêncio, do que não há como discordar. E O processo, em qualquer momento em que seja lido, será sempre um ritual de iniciação marcado sobretudo por um silêncio de estupefação.