segunda-feira, 30 de julho de 2012

Trabalhos eternos

Por Guilherme

Irvin Yalom, em seu ótimo De Frente Para o Sol (Agir, 2008), afirmou que podemos viver eternamente através de nosso legado, ou seja, nossa essência continua naquilo que fizemos de melhor e de mais valoroso. Não considero legado como algo necessariamente grandioso, pois creio que muito daquilo que tratamos como pequeno (nossos gestos, bons exemplos e boas atitudes) sobrevive a nós em nossos amigos e familiares. É algo parecido com o que o filósofo Mark Rowlands escreveu sobre memória e lembranças:

É em nossas vidas, e não, fundamentalmente, em nossas experiências conscientes, que encontramos as lembranças dos que se foram. Nossa consciência é instável, não é digna do trabalho de se lembrar. O modo mais importante de se lembrar de alguém é ser a pessoa em que este alguém nos transformou – pelo menos em parte – e viver a vida que ele nos ajudou a moldar. Às vezes, ele não merece ser lembrado. Neste caso, nossa tarefa existencial mais importante é removê-lo da narrativa de nossas vidas. Mas, quando ele merece ser lembrado, levarmos uma vida que ele ajudou a moldar não é apenas um modo de nos lembrarmos dele; é como honrarmos sua memória.

Inovar, pesquisar, desenvolver grandes ideias, resolver problemas e apontar caminhos são também um legado dos mais importantes. Dos autores que costumo ler, três foram pessoas além de seu tempo: Charles Darwin, Ralph Emerson e Henry Thoreau. Seus trabalhos nos permitiram observar e entender os seres humanos como não havíamos feito antes. Darwin, com suas ideias de seleção natural e ancestralidade comum, colocou o homem em seu devido lugar, no meio dos demais animais. Emerson e Thoreau, ao refletirem sobre a vida humana, mostraram que podemos ser muito mais do que costumamos ser, e que a busca do desenvolvimento intelectual e moral deve ser uma meta em nossa vida, não um luxo ou uma superficialidade.
Tenho quase todas as obras de Darwin, Emerson e Thoreau em minha biblioteca. Ainda fico impressionado com a qualidade dos escritos desses autores. Creio que o legado deixado por eles será apreciado por muitas gerações que estão por vir. Na verdade, torço por isso.

Pode parecer estranho, mas pensei na questão do legado ao assistir ao cantor Ritchie interpretar, em um programa de TV, All you have to do is dream, sucesso na versão dos Everly Brothers. A música foi feita em 1958, e contrasta com o que temos ouvido na última década, pelo menos aqui no Brasil. Ouvi a música, pensei naquilo que faz sucesso hoje, e tive certeza que o clássico dos Everly Brothers vai perdurar, e torço para que seja do mesmo jeito que as obras de Darwin, Emerson e Thoreau.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Paranormalidade, por Richard Wiseman


Por Guilherme

Casas mal assombradas, pessoas que falam com os mortos, outras que têm o poder de ler a mente de quem está próximo, ou mesmo prever acontecimentos futuros, animais que sabem quando seus donos estão retornando para casa, sonhos premonitórios. Nada disso, para o psicólogo britânico Richard Wiseman, pode ser considerado como um evento paranormal. Pelo contrário, o estudo de como nos comportamos e como vemos e sentimos as coisas pode explicar, naturalmente, circunstâncias aparentemente muito estranhas.
    Em Paranormality: why we see what isn’t there (Macmillan, 2011 – Paranormalidade: por que vemos o que não está lá, em uma tradução livre, já que o livro ainda não foi publicado no Brasil), Wiseman aborda temas distintos, considerados inexplicáveis para muitos, acomodados em sete capítulos: adivinhando o futuro, experiências extra-corporais, a mente e a matéria, falando com os mortos, caçando fantasmas, controle mental e profecias.
    Durante a obra, o autor joga luz sobre diversos mitos e lendas urbanas, mostrando que muitas coisas não são exatamente como pensamos que são. Por exemplo, as famosas histórias em que Abraham Lincoln teria sonhado com a própria morte e que os gurus indianos têm poderes sobrenaturais podem ser muito bem explicadas com um pouco de conhecimento em psicologia, em ideias científicas pouco conhecidas pelo grande público, como a lei dos grandes números, e por coincidências.
        É difícil selecionar os aspectos mais interessantes de uma ótima obra como a de Wiseman (existem poucas obras tão boas sobre o assunto e, por isso, torço para que o livro seja publicado em breve por aqui). No entanto, escrevo abaixo sobre duas histórias incríveis (e tristes) que mostram como podemos ser enganados facilmente e sem que percebamos. Aliás, uma das premissas de Wiseman é justamente essa: fomos feitos para sermos enganados, e por isso é importante desconfiar de alegações extraordinárias e pedir boas evidências quando somos apresentados a algo fora do comum.

- No início da década de 1980, um sujeito estranho chamou a atenção da mídia americana. Trajado como um praticante de artes marciais orientais e fundador do chamado “Institute of Shaolin Gung Fu”, James Hydrick dizia estar pronto para ajudar outras pessoas a se desenvolverem na arte do “Gung Fu Shaolin” e, principalmente, em habilidades psicocinéticas. Hydrick demonstrava suas habilidades mentais extraordinárias movendo objetos e virando a página de guias telefônicos. Fazendo isso, foi apresentado em vários programas de auditório americanos. E, para sua infelicidade, também chamou a atenção do mágico James Randi, o famoso sujeito que oferece um milhão de dólares a quem provar possuir algum poder paranormal (até hoje ninguém conseguiu).
Finalmente, em 1981, Randi e Hydrick se encontraram no palco do programa That’s my line. Na primeira parte do programa, Hydrick realizou as suas demonstrações, e depois Randi entrou em cena para explicar a fonte do “poder” de Hydrick. Clique aqui e aqui e acompanhe o final da história (apesar de as legendas não estarem muito boas).

- Jim Jones era considerado um eloquente pastor americano que conseguia passar mensagens positivas para pessoas de diferentes etnias em uma época de segregação racial nos Estados Unidos. Além disso, era bem considerado por ajudar drogados, viciados em álcool e pobres. Em 1965, Jones afirmou ter tido uma visão extraordinária, na qual o meio oeste americano seria alvo de um ataque nuclear. Com medo (e com uma grande habilidade oratória), ele convenceu seus seguidores a irem até a Califórnia, onde estariam a salvo. Nada aconteceu, mas na década de 1970, a pressão de diversos setores da sociedade americana sobre ele e seu grupo estava aumentando. Jones queria que seus seguidores se comprometessem mais com sua causa, de modo que teriam que abandonar suas comunidades, e até suas famílias.
Ao convencer seus fiéis de que eles teriam o caminho do paraíso se o acompanhassem, Jones acabou levando-os ao inferno. Em 1974, o grupo foi à Guiana, e lá se assentou. O resto da história é bastante conhecido (você pode ler mais sobre o assunto clicando aqui). Infelizmente, a saga de Jim Jones e de seu séquito de fanáticos é um dos maiores exemplos do poder da lavagem cerebral e controle mental na história recente. As mais de novecentas mortes em “Jonestown” são também um lembrete de quão importante é pensarmos por conta própria e com clareza, buscando argumentos sólidos para embasar nossas decisões e fugindo da manipulação, que oculta interesses muitas vezes contrários aos nossos.

domingo, 22 de julho de 2012

Boas leituras para o começo da semana


Por Guilherme

Abaixo, boas dicas de leitura para o começo da semana:

- Gilmar Marcílio, em seu blog “Mar de Ideias”, publica um texto que apareceu no caderno “Almanaque”, do Jornal Pioneiro do último final de semana. O artigo é intitulado A natureza do mal, e pode ser lido aqui.

- Marcos Kirst escreveu recentemente dois ótimos textos sobre os livros e a leitura. Eles podem ser lidos aqui e aqui.

- Luciano Mallmann postou em seu blog um grande texto sobre o legado de nossos antepassados. Você pode acessá-lo clicando aqui.


- Ter uma cultura literária qualquer dá, pelo menos, a possibilidade de termos assunto para falar com os amigos. É o que afirma o cantor Zeca Baleiro em um texto publicado no site da IstoÉ, e que pode ser lido aqui.

sábado, 21 de julho de 2012

Mais de "O Livro dos Livros"


Por Guilherme

Trecho da seção “Carta ao Leitor”, de O Livro dos Livros: uma Bíblia humanista, obra do filósofo inglês A. C. Grayling:

Pois nós vivemos de feitos, não de anos; de pensamentos, não de fôlegos; e o nosso tempo deve ser contado pelo pulsar dos nossos corações enquanto amamos e ajudamos, aprendemos e lutamos, e enquanto fazemos o que estiver ao nosso alcance para aumentar a quantidade de bem no mundo.
   Deixar brilhar a luz sobre a ignorância e a falsidade é um serviço que se presta ao entendimento humano; serviço ainda maior é mostrar o caminho para um patamar mais elevado no qual a vista da vida é mais clara.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Rápido, em direção ao abismo

Por Guilherme

Sempre ouvimos que uma grande nação se faz com pessoas educadas e instruídas. Não é coincidência que países como a Noruega, Finlândia, Dinamarca, Canadá, Austrália e Nova Zelândia tenham índices de desenvolvimento humano e econômico muito melhores do que os de lugares como o Brasil. Estamos longe de ser um país desenvolvido como as nações citadas acima, e isso acontece porque não damos o mínimo valor à educação e ao desenvolvimento pessoal.
        Ontem, alguns dos principais jornais brasileiros divulgaram resultados assustadores de uma pesquisa sobre alfabetismo: cerca de 38% dos estudantes universitários brasileiros têm grandes dificuldades de entendimento das coisas que leem. Analfabetos funcionais, essas pessoas, estudantes do Ensino Superior brasileiro, são incapazes de entender e interpretar um texto.
        Várias coisas podem ser inferidas a partir desses dados: a) muitos estudantes saem do Ensino Básico praticamente analfabetos, e assim continuam a vida inteira; b) o ingresso no Ensino Superior é muito fácil, de modo que qualquer aluno, mesmo que semi-letrado, consegue entrar para uma faculdade; c) a qualidade de muitas instituições de Ensino Superior brasileiras é precaríssima: como pode um aluno que mal sabe ler conseguir um diploma universitário?; d) que tipo de profissionais estão (e estarão) no mercado de trabalho?
        Que ninguém fique surpreso com isso. Creio que a fragilidade de nosso sistema educacional é histórica, mas poucos têm feito algo para melhorar a estrutura da educação no país em tempos recentes. Pelo contrário: nossos últimos ministros da educação têm aberto o caminho para as infames “fábricas de diplomas”, instituições sem o mínimo de estrutura e políticas educacionais decentes, mas que faturam milhões de reais anualmente, fazendo da educação um negócio extremamente lucrativo no Brasil. Há também a questão do descaso com os professores, que recebem parcos salários e têm condições de trabalho abaixo do desejado, carregando sozinhos a tarefa de educar aqueles que sequer recebem atenção dos próprios pais. E o Ensino Básico, desde sempre, abandonado.
        Também não posso deixar de mencionar a falta de valorização da educação e da cultura no Brasil. Hoje, a falta de estudo e o desinteresse pela busca do conhecimento se tornaram virtudes. Se você quiser ser político um dia, arme um discurso do tipo “venci na vida sem ter estudado e sem querer aprender nada de novo, e isso nunca me fez falta”, e o seu sucesso estará encaminhado, pode ter certeza disso. Afinal, em um país no qual seus principais líderes fazem questão de afirmar que ler “dá azia” ou que têm “uma preguiça disgramada de ler”, você também poderá ser aclamado um herói.

Clique aqui e leia a matéria do Estadão sobre a pesquisa citada no texto.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre educação

Por Guilherme

- Na revista Seleções do mês de julho há uma reportagem sobre as escolas na Finlândia, uma das nações com melhor nível educacional do mundo. Salas de aula com poucos alunos, professores qualificados e bem remunerados, escolas públicas administradas por professores (e não empresários, nem políticos) e um interesse genuíno do povo e do governo pela educação são alguns dos segredos do sucesso finlandês. Creio que a tudo isso também é possível acrescentar um povo bastante culto, que realmente entende o papel da educação e da cultura na manutenção de uma sociedade organizada e avançada. Para ler a reportagem completa, clique aqui.

- O jornal britânico The Guardian divulgou, no último dia 12, os resultados de uma pesquisa que relacionou os investimentos em educação e qualificação pessoal feitos há um século com os índices econômicos de diversas cidades atualmente. Como se podia imaginar, locais nos quais havia uma política educacional forte há mais de um século são hoje cidades economicamente robustas. Do mesmo modo, cidades economicamente vulneráveis hoje são aquelas nas quais não houve investimento forte em educação. A mensagem é clara: lugares nos quais a educação e a cultura são valorizadas tendem a se tornar lugares melhores para se viver no futuro, pois têm uma população mais esclarecida e com um senso mais apurado de cidadania. Para ler a matéria do The Guardian (em inglês), clique aqui.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O efeito do centésimo macaco, e do segundo cachorro

Por Guilherme

As duas donzelas abaixo são minhas companheiras caninas, Linda e Nana. Linda é a figura na frente, de cor caramelo, um labrador “genérico”, e a Nana, legítima representante daquilo que chamamos de vira-lata, está lá atrás. Antes de prosseguir com elas, vamos mudar a conversa e falar de macacos.

        Entre as décadas de 1940 e 1950, na ilha japonesa de Koshima, estudiosos do comportamento animal observaram inovações na conduta dos macacos-japoneses lá residentes. Uma fêmea, de nome Imo, pegava as batatas jogadas pelos pesquisadores e as carregava até a água, onde as lavava. O comportamento, até então inexistente entre os animais daquela ilha, começou a se espalhar, e em alguns anos muitos macacos faziam o mesmo. Um detalhe importante é que machos adultos eram os mais resistentes ao novo comportamento, e geralmente fêmeas novas eram as mais propensas a lavar as batatas.
Algum tempo depois, Imo foi novamente a inovadora: ela coletava trigo no chão e levava o vegetal até o mar, onde ele flutuava e os grãos de areia, que sujavam seu alimento, desciam. Depois de conseguir limpar o alimento, Imo o consumia tranquilamente. Mais uma vez, o novo comportamento foi transmitido em pouco tempo para outros animais da ilha.
        Uma das questões levantadas pelos pesquisadores foi: como o comportamento iniciado por um animal pode chegar aos outros? Um autor sul africano afirmou que a ilha estava presenciando um fenômeno batizado de “o efeito do centésimo macaco”. Determinado comportamento, quando atingia um número determinado de animais (cem, por exemplo), espalhava-se miraculosamente para animais de outros locais, através de “ressonância mórfica” (se é que isso realmente significa alguma coisa).
        Bom, alguns zoólogos revisitaram as informações sobre o “efeito do centésimo macaco”, procurando saber se era algo verdadeiro ou não passava de má interpretação dos fatos. E, como era de se esperar, a explicação para o comportamento dos macacos era muito mais simples do que supunham os propagadores de ideia da “ressonância mórfica”. Os animais estavam aprendendo por observação, nada mais do que isso. Imo foi uma inovadora, apresentando um comportamento que lhe conferia alguma vantagem (pelo menos o conforto na hora de se alimentar). Outros animais a observaram e passaram a fazer o mesmo. Como se sabe, animais mais velhos têm uma menor tendência a incorporar novos comportamentos ao seu repertório, quando comparados a animais mais jovens. Por isso a lavagem de batatas pelos macacos era geralmente realizada por animais mais novos (especialmente as fêmeas).
        Lembrei da questão do centésimo macaco ao observar minhas duas amigas caninas. A Linda vive em minha casa há cerca de nove anos, e a Nana chegou aqui há mais ou menos um ano e meio. A Nana, no entanto, tem um comportamento bastante curioso, e até certo ponto bizarro. Quando estamos passeando, ela para em qualquer lugar no qual seja possível encontrar gramíneas altas e finas para mastigar. Até folhas de bambu ela já tentou comer, parando no meio da rua e me fazendo passar vergonha por estar acompanhado de animal tão tosco. Cães às vezes comem capim para regular a função digestiva, mas a Linda nunca havia feito isso durante os passeios, ela que caminha há nove anos pelas ruas de Antônio Prado. Quando viu a colega pastar, não demorou muito a fazer o mesmo, e fez isso não porque a Nana tem poderes paranormais e criou um “campo mórfico” ao redor dela. Fez porque é capaz de aprender prestando alguma atenção na amiga mais nova.
        De fato, Linda e Nana são animais incríveis, como todos os demais mamíferos, aves e outras espécies capazes de aprendizado por observação. Nesse caso em especial, também vale a lembrança da famosa navalha de Ockham, ou o princípio da parcimônia: considerando as explicações oferecidas a determinado evento, geralmente a mais simples é a melhor.

Mais informações sobre o “efeito do centésimo macaco” podem ser encontradas no ótimo livro de Michael Shermer, Por que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas? (Editora JSN, 2011). Para saber mais sobre como os animais aprendem, e sobre suas vidas cognitivas, recomendo os livros de Frans de Waal, Marc Bekoff, Temple Grandin, Jane Goodall e Alexandra Horowitz, autores que já tiveram obras editadas aqui no Brasil.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Livro da Minha Vida (7) - Dom Quixote


Por Uili Bergamin*

O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha
(Miguel de Cervantes Saavedra – várias edições – mais ou menos 600 páginas)


Esta obra não me formou apenas como escritor, mas principalmente como leitor e ser humano. O impacto que me causou foi tamanho, que dediquei duas de minha obras a ela, como testemunho, como tributo e por gratidão. São elas "Cela de Papel", cujo personagem o poeta Leandro Angonese chamou de "Dom Quixote Bergaminiano" e "A Ilha Mágica", espécie de releitura cervantina. Pesquisei a fundo criatura e criador, sendo que hoje ministro palestras sobre Dom Quixote em todo o estado.
        Eleito em 2002 por uma comissão de críticos literários como o melhor romance de todos os tempos, “Dom Quixote” é também o livro de ficção mais lido do planeta, perdendo apenas para a Bíblia no ranking geral. Publicado em duas partes, a primeira em 1605 e a segunda dez anos depois, as aventuras do “cavaleiro da triste figura” influenciaram escritores, pintores, cineastas, dramaturgos, músicos e escultores de diferentes épocas.
        A história do fidalgo enlouquecido pelos romances de cavalaria (a que o autor satiriza) e de seu fiel escudeiro, Sancho Pança, que saem pelo mundo em busca de aventuras, inflama até hoje a imaginação de leitores de todas as idades, promovendo debates sobre loucura e sanidade, sonho e realidade, física e metafísica. Com humor cético e às vezes melancólico, Cervantes faz seu personagem jogar-se contra moinhos de vento pensando ser gigantes, tratar prostitutas e lavadeiras como se fossem damas da sociedade e muitas outras hilaridades.
        Obra absolutamente imprescindível para quem aprecia a alta literatura.

*Uili Bergamin é um talentoso escritor nascido em Bento Gonçalves e radicado em Caxias do Sul. Autor de cinco livros, ele também recebeu diversos prêmios por seus trabalhos literários. Uili mantém um blog, http://www.uilibergamin.blogspot.com.br/, onde escreve sobre livros e outros temas relacionados a eles.


"O Livro da Minha Vida" é um projeto do Blog Página Virada. O blog publicará regularmente um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Para participar, mande seu texto para paginaviradablog@yahoo.com.br

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os 50 Maiores Mitos Populares da Psicologia

Por Guilherme

A psicologia é um dos campos de conhecimento humano com maior apelo entre as pessoas. É comum trocarmos ideias com amigos sobre o comportamento humano, principalmente sobre as suas facetas mais curiosas e surpreendentes. Assim, muitos já ouviram histórias sobre assuntos como as memórias reprimidas que aparecem de uma hora para outra, a crise de meia idade que afeta (ou afetará) a todos, a precisão de um detector de mentiras em apontar quem está faltando com a verdade, a percepção extra-sensorial, entre outros. Também muitos já nos disseram que, quando estamos fazendo um teste com questões de múltipla escolha, e temos dúvida em uma questão específica, é bom deixar marcada a primeira alternativa que escolhemos, pois ela quase sempre está certa. É do conhecimento de todos, também, que as mensagens subliminares podem nos fazer comprar determinados produtos, e que, quando estamos nervosos com alguém, é melhor expressar nossos sentimentos raivosos ao invés de segurá-los. Ah, não é preciso mencionar aquela velha história de que, quando se fala em romance, os opostos se atraem.        
Pois bem, tudo o que eu escrevi acima pode estar errado, ou pode não ser exatamente assim. Boa parte das crenças populares acerca do comportamento humano não passa pelo escrutínio científico, e é isso que mostram Scott Lilienfeld, Steven Jay Lynn, John Ruscio e Barry Beyerstein em Os 50 Maiores Mitos Populares da Psicologia (Editora Gente, 2010). Através da análise de trabalhos publicados nas últimas décadas, os autores desvendam muitas histórias interessantes sobre o comportamento humano, e mostram que os fatos, na maioria das vezes, são bem mais curiosos que os mitos sobre nossa conduta.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Tetraedro

Por Guilherme


Fui ontem ao lançamento do livro Tetraedro (Editora do Maneco, 2012), de Lúcio Saretta, Marcos Kirst, Tiago Marcon e Uili Bergamin, e saí de lá com meu exemplar autografado.
        Já comecei a ler o livro (e tenho mais duas leituras em andamento), escolhendo aleatoriamente alguns textos dos quatro autores, todos muito bons, por sinal. Gosto muito de crônicas pela facilidade com que elas transmitem as ideias para o leitor e pela informalidade, que as faz semelhantes a boas conversas com um amigo. Quando você lê textos escritos por mentes engenhosas, como as dos autores de Tetraedro, a sensação é de querer continuar a leitura até a última página do livro, sem parar.
        Também tenho grande apreço pelas crônicas por serem textos diretos, que trazem ideias com as quais você logo se identifica. Esse é um dos benefícios da leitura, como já disse o filósofo Julian Baggini aqui para o blog: é importante pensar por conta própria, mas não exatamente por conta própria. Por isso, é essencial ter contato com ideias vindas de outras pessoas, especialmente quando elas são inteligentes, bem articuladas e possuem habilidade para argumentar.
        Lendo uma crônica de Uili Bergamin, A Festa, sobre a importância das feiras do livro e da leitura, tive de imediato essa sensação de identificação, ainda mais por se tratar de um assunto sobre o qual já escrevi nesse espaço, e creio que a ele ainda não se dá a importância devida. O trecho abaixo é da crônica de Bergamin, mas poderia ter sido de um texto aqui do blog (se eu tivesse a habilidade dele para escrever, obviamente):


Quem sabe um dia não nos igualemos aos países de primeiro mundo em termos de leitura. E, tenho certeza, assim que isso acontecer, em pouquíssimo tempo seremos país de primeiro mundo em todos os sentidos.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Livro dos Livros

Por Guilherme

O livro mais vendido da história, a Bíblia, é a versão religiosa de diferentes aspectos da vida, desde a sua criação até os princípios éticos da convivência humana. Vários cientistas e filósofos ofereceram uma visão secular (ou seja, não religiosa) das mesmas coisas, falando da evolução das espécies por seleção natural e da moralidade com o rigor do pensamento racional e da argumentação bem estruturada. Sobre evolução, vale a pena consultar o trabalho de Ernst Mayr e Richard Dawkins, e há ótimos livros desses autores publicados aqui no Brasil. Sobre ética e moralidade, apesar de eu não ser filósofo, indico as obras de Colin McGinn, John Rawls, Peter Singer, Simon Blackburn, Mark Rowlands e A.C. Grayling, embora não seja tão fácil encontrar os livros de alguns deles em português.
        Uma ótima iniciativa de juntar questões históricas e morais sob uma perspectiva secular está em O Livro dos Livros: uma Bíblia humanista, do filósofo inglês A.C. Grayling (O título original é The Good Book: a humanist Bible. A versão em português foi publicada em Portugal pela Editora Lua de Papel em 2011, mas a obra ainda não foi editada no Brasil). O Livro dos Livros está organizado nos moldes da Bíblia, com capítulos e versículos em catorze livros: Génesis, Sabedoria, Parábolas, Concórdia, Lamentações, Consolações, Sábios, Canções, Histórias, Provérbios, O Legislador, Actos, Espístolas e O Bem, a última parte do livro, dedicada, como o próprio nome deixa transparecer, à moralidade.
        Estou com o livro em mãos, pronto para percorrer as suas quase 700 páginas. Como todo leitor curioso, passei rapidamente pelos capítulos da obra, e me detive em alguns de especial interesse. Transcrevo abaixo um trecho da parte que encerra o livro. As ideias expostas nesse trecho mostram que, independentemente de termos ou não algum tipo de crença religiosa, nossas vidas devem ser guiadas por alguns princípios universais de conduta que incorporem o respeito aos outros, a boa intencionalidade das ações e a abertura para o diálogo e o entendimento.

Devemos perguntar quais os mandamentos a seguir / Ou faríamos melhor em perguntar, a cada um de nós: / Que tipo de pessoa devo ser? / A primeira pergunta assume que existe uma resposta certa / A segunda assume que há várias respostas certas / Se perguntarmos como responder à segunda pergunta, a resposta apresenta-se com outras perguntas: / O que devemos fazer quando vemos outra pessoa a sofrer, a passar necessidades, com medo ou fome? / Quais são as causas justas, que mundo idealizamos para os nossos filhos, para brincarem na rua com segurança? / Há muitas perguntas do género, algumas que dispensam resposta, outras a que não temos como responder / Mas quando todas as respostas a todas as perguntas são condensadas, ninguém ouve menos do que isto: / Ama bem, procura o bem em todas as coisas, não faças mal a ninguém, pensa pela tua própria cabeça, sê responsável, respeita a natureza, dá o teu melhor, informa-te, sê amável, sê corajoso: pelo menos, faz um esforço sincero / E a estas dez obrigações, junta mais uma: meus amigos, que sejamos sempre fiéis a nós mesmos e ao melhor das coisas, para que possamos ser sempre fiéis uns aos outros.