domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Amor a Solidão


De acordo com o filósofo francês André Comte-Sponville, amor e solidão andam juntos, “são reflexos de uma mesma luz, que é viver”. Em O Amor a Solidão (Martins Fontes, 2006), Comte-Sponville responde a perguntas de jornalistas sobre as questões de filosofia costumeiramente tratadas por ele. Mas não espere um tratado acadêmico de filosofia. Muito diferente disso, O Amor a Solidão é como uma conversa informal, na qual filósofo e seus interlocutores discutem o amor, a solidão, a sabedoria e o desespero (que na filosofia do francês não possui o sentido negativo que geralmente empregamos para o termo – Comte-Sponville afirma que devemos viver focados no presente, sem nutrir esperanças em relação a qualquer coisa).
   Li boa parte das obras de Comte-Sponville e gosto muito de suas ideias, especialmente por buscar nas próprias pessoas, e no tempo presente, os caminhos para a solução de nossos conflitos e angústias. De acordo com Sponville, devemos pensar melhor para viver melhor, e por isso a ênfase na razão como linha mestra de nossas vidas.

   No trecho abaixo, extraído de O Amor a Solidão, Comte-Sponville fala de filosofia e sabedoria:

“Isso nos traz de volta ao nosso começo. O que é filosofar? É aprender a viver e, se possível, antes que seja tarde demais! Mas estou me exprimindo mal. É sempre tarde demais, em certo sentido, o poeta tem razão, e no entanto nunca é nem cedo demais, nem tarde demais, como dizia Epicuro: a vida não para de se ensinar a si mesma, de se inventar a si mesma, até o fim, e a filosofia é apenas uma das formas, no homem, desse aprendizado ou dessa invenção. Portanto é a vida que vale. A filosofia só tem importância na medida em que se põe a serviço dela: é a vida pensada em ação e em verdade.

E a sabedoria?

É a vida vivida, aqui e agora, em ação e em verdade! Em outras palavras, é nossa vida real, tal como ela é: a verdadeira vida, a vida verdadeira... Mas dela estamos separados quase sempre, por nossos discursos sobre ela (e principalmente nossos discursos filosóficos!), por nossas esperanças, por nossos sonhos, por nossas frustrações, por nossas angústias, por nossas decepções... É o que seria preciso atravessar, ultrapassar, dissipar. A sabedoria não é outra vida, que seria preciso alcançar: é a própria vida, a vida simples e difícil, a vida trágica e doce, eterna e fugidia... Já estamos nela: só resta vivê-la.”

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Fahrenheit 451


Uma sociedade futurista – que pode ser a atual, considerando a época em que foi escrita a obra –, desumanizada, fortemente influenciada pela mídia e pela tecnologia, e na qual os bombeiros não apagam incêndios, mas os iniciam para manter a ordem social: este é o panorama descrito pelo americano Ray Bradbury em seu clássico Fahrenheit 451 (Globo, 2009).
   O protagonista da obra, Guy Montag, é um bombeiro comum. Diariamente, vai atender a denúncias de pessoas que cometeram o crime de possuir livros em suas casas, e de lê-los. Ele e seus companheiros, então, têm o trabalho de incinerar as obras e impedir que a leitura possa provocar algum tipo de influência nas pessoas. De fato, o medo que as pessoas mudem por causa daquilo que leem não é o motivo oficial para a queima dos livros. O chefe de Montag, Beatty, explica:

...Pelo menos uma vez na carreira, todo bombeiro sente uma coceira. O que será que os livros dizem, ele se pergunta. Aquela vontade de coçar aquele ponto, não é mesmo? Bem, Montag, pode acreditar, no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo: os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa acreditar. Quando é ficção, é sobre pessoas inexistentes, invenções da imaginação. Caso contrário, é pior: um professor chamando outro de idiota, um filósofo gritando mais alto que seu adversário. Todos eles correndo, apagando as estrelas e extinguindo o sol. Você fica perdido.

   Anestesiado pela familiaridade com o trabalho e pelas circunstâncias sociais, Montag é incapaz de questionar a validade daquilo que faz até encontrar Clarisse, uma jovem inconformada com a sociedade e com a perseguição a quem ousa pensar e buscar novas informações. As conversas com a jovem fazem com que Montag passe a desconfiar da necessidade de seu ofício, e ele também começa a questionar o status quo de sua sociedade.
   Em Fahrenheit 451, Bradbdury narra a trajetória do bombeiro Montag que começa com a inquietação a respeito de sua real função na sociedade, até a sua ruptura com o sistema, uma luta que vai trazer pesadas consequências pessoais a ele.
   Bradbury escreveu Fahrenheit 451 na década de 1950, criando uma espécie de distopia, uma “anti-utopia”, na qual a tecnologia tem o domínio da sociedade e a relação entre as pessoas é reduzida a interações com mídias virtuais. As conversas pessoais, quando existem, são rasas, e os sujeitos, imediatistas. Em sua obra, também, o autor parece ter antecipado algumas das características de nossa sociedade do início do século XXI:

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Novos livros de divulgação científica


O final do ano passado e o início de 2013 têm trazido ótimas opções de leitura para quem gosta de livros de divulgação científica. Veja alguns deles:

- O Efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más, de Philip Zimbardo (Record, 2012)
- Diversidade da Vida, de Edward O. Wilson (Companhia de Bolso, 2012) – esta obra estava fora de catálogo desde a metade da década de 1990, e agora chega em edição de bolso, com um bom preço.
- O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano, de António Damásio (Companhia das Letras, 2012) – edição econômica da obra mais famosa do neurologista português, que havia sido lançada no Brasil há alguns anos.
- A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade, de Dan Ariely (Campus, 2012)
- A Conquista Social da Terra, de Edward O. Wilson (Companhia das Letras, 2013) – último lançamento de Wilson, que trata de dois dos temas prediletos do autor: a sociobiologia e a ecologia.
- Os Anjos Bons da Nossa Natureza, de Steven Pinker (Companhia das Letras, 2013) – obra na qual o psicólogo canadense afirma que, ao contrário do que podemos pensar, a violência tem diminuído nas sociedades humanas.
- Os Cães Sonham?, de Stanley Coren (Editora Paralela, 2013) – obra no formato “perguntas e respostas” a respeito do comportamento canino, escrito por um expert no assunto.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Arranhões e Outras Feridas


Sempre que assisto a bons filmes de suspense, como os baseados nos contos de Stephen King, tenho uma mistura de sentimentos que é difícil de descrever. Se, por um lado, o enredo e as reviravoltas da história me surpreendem, por outro fico desconcertado com a crueza com que ela geralmente termina. Você precisa estar com o espírito preparado antes de enfrentar algo assim, especialmente se você for do tipo que adora narrativas que terminem com protagonistas felizes.
   Fui tomado por uma sensação parecida quando li, pela primeira vez, a obra de estreia do professor e escritor gaúcho Cassionei Niches Petry, Arranhões e Outras Feridas (Editora Multifoco, 2012). O título do livro é, em si mesmo, um aviso: não há amenidades nos contos de Cassionei. Vidas que podem se cruzar em situações trágicas, como em Ônibus, mal-entendidos que geram desastres pessoais, como em Lenira, e personagens envolvidos em circunstâncias misteriosas similares àquelas dos contos de King, como em Lá em cima e Casarão – tudo é exposto pelo autor, de maneira bem direta. Sensação de alívio e algumas risadas somente me ocorreram no último conto, Questão de talento, que me pareceu uma referência ao famoso episódio em que uma banda de metal invadiu a rádio Atlântida e, com um sujeito de revólver em punho, exigiu que os programadores trocassem a programação usual pelas canções do CD que a banda havia produzido – um grosseiro protesto, apesar da válida crítica contra o “jabá”, que é, em muitos casos, o que define quem é tocado e quem fica longe das rádios.
   Terminei a segunda leitura de Arranhões recentemente, e senti novamente uma sensação estranha, que alguns chamariam visceral, provocada pela desesperança de algumas histórias. Para mim, esse é um dos grandes méritos do autor, que consegue transmitir com habilidade a atmosfera intranquila de seus contos a quem os lê.
   Recomendo Arranhões e Outras Feridas não somente a quem gosta de contos e está habituado a lê-los. A obra é também indicada a quem gosta de boas leituras, daquelas em que você precisa parar para pensar e absorver o que leu logo depois de terminar a história. Cassionei deve lançar seu segundo livro, Os Óculos de Paula, ainda este ano. A julgar pela qualidade dos contos de Arranhões, a expectativa é grande pela sua próxima obra.

Arranhões e Outras Feridas pode ser adquirido através do site da Livraria Cultura.