domingo, 15 de setembro de 2013

O dragão na minha garagem

“O dragão na minha garagem” é o título do capítulo 10 de O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia das Letras, 1996, editada posteriormente pela Companhia de Bolso), de Carl Sagan, um clássico do pensamento cético e um dos livros de divulgação científica mais importantes das últimas décadas. A ideia geral do capítulo (retomada por Sagan em vários outros pontos do livro) é: por que eu deveria acreditar em alguma coisa, especialmente se ela é extraordinária, como unicórnios ou o monstro do Lago Ness? Se não há boas evidências de que algo exista, é razoável tomar isso como verdade? E, considerando tudo aquilo em que acreditamos, temos boas razões para sustentar nossas crenças? Estabelecemos critérios mínimos para aceitar algo, ou acreditamos naquilo que nos parece melhor e mais confortável? Mais: temos disposição e atitude crítica para analisar argumentos e evidências que são contrárias (e, talvez, mais fortes e convincentes) a nossas tão estimadas verdades?
Abaixo, um trecho de “O dragão na minha garagem”, do excelente livro de Sagan:


– Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.
Suponhamos (estou seguindo uma abordagem de terapia de grupo proposta pelo psicólogo Richard Franklin) que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
– Mostre-me – você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.
– Onde está o dragão? – você pergunta.
– Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.
Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão.
– Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar.
Então você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
– Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você quer borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.
– Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar.
Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que estou pedindo a você é tão-somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O caminho da ciência

Agora, mais do que nunca, nós precisamos reconhecer que a alfabetização científica e o pensamento crítico não são somente ferramentas para os cientistas profissionais; eles são habilidades vitais básicas, tão vitais para nosso crescimento pessoal e intelectual quanto a leitura, a escrita e a aritmética. E, contrariamente à crença popular, os fundamentos da atividade científica e do pensamento crítico são conceitos que podem ser bem assimilados pelo intelecto médio

... E mesmo assim, apesar das montanhas de evidências que atestam o poder sem-igual do método científico em separar fato de fantasia, a ideia de que a ciência possa oferecer a descrição mais precisa da condição humana, e assim prover a melhor medida de nossas obrigações morais, é uma noção que muitas poucas pessoas estão preparadas para sequer considerar, muito menos aceitar

... E, pior de tudo, nossa incapacidade de promover as capacidades de pensamento crítico desde as primeiras séries escolares mina nossa habilidade, enquanto seres humanos racionais, de examinar velhas suposições à luz de novas evidências, e de ajustar nosso pensamento de acordo com isso, aspectos que tornam o progresso intelectual e moral possível

Considere a teoria atômica, por exemplo. Mesmo que ninguém tenha realmente visto um átomo, este conceito recebe aceitação universal não somente por causa de seu impressionante registro empírico mas, mais importante, porque muitas poucas pessoas consideram a existência de átomos e quarks pessoalmente ofensiva.
        ...Ainda assim, milhões de americanos sentem-se perfeitamente justificados ao ignorar a evolução, como se eles estivessem escolhendo em um menu de teorias científicas e descartando aquelas que eles pessoalmente consideram desagradáveis... Essa atitude à la carte com relação às ciências em geral, e a evolução, em particular, é inquietantemente comum, e quase que certamente deriva de vieses culturais antigos, que dispensavam o exame crítico em uma população mal informada

Trechos de The way of science: finding truth and meaning in a scientific worldview (O caminho da ciência: encontrando verdade e significado em uma visão de mundo científica, ainda não lançado no Brasil), escrito pelo biomédico Dennis Trumble e publicado pela Prometheus Books em 2013.