sábado, 15 de fevereiro de 2014

A escola não é assassina

Atentem para a seguinte declaração do escritor Ferréz, autor de Capão pecado e Manual prático do ódio, dada no programa Provocações da TV Cultura: “os professores tinham que ser treinados para ter amor pela literatura, porque a escola é uma assassina de leitores, quando ela manda resumir um livro em 20 dias ela assassina qualquer tipo de leitor futuro.”
        Essa afirmação é de um total desconhecimento tanto de educação quanto de formação do leitor. Primeiro porque não é papel da escola fazer com que o aluno goste de literatura, mas sim mostrar a ele tudo que se fez de importante na história da humanidade em matéria de cultura, arte, pensamento. Aí se inserem as obras literárias. Geralmente, é um mundo do qual o educando tenta se afastar de qualquer forma, afinal há outras prioridades na sua vida que ficam a quilômetros de distância do conhecimento. O que é normal. Não é por isso que o professor vai deixar de, pelo menos, dar a oportunidade do jovem conhecer esse mundo. Se não o fizesse, estaria sonegando o acesso ao saber.
        Não é a escola que assassina o leitor. Eu até pensava dessa forma e escrevi um artigo, intitulado “Crônica de uma literatura assassinada”, em que me culpava por supostamente afastar os alunos dos livros. Penso um pouco diferente hoje. Claro que há muitos professores que dão aulas de língua portuguesa e não gostam de literatura. Esses são perigosos. Muitos, porém, como eu, são apaixonados por ela, mas se veem obrigados a solicitar trabalhos porque os alunos não leem de forma nenhuma, a não ser por pressão. E aí vem o segundo ponto, a formação do leitor. Simplesmente há aqueles que têm mais aptidão para gostar de ler e outros não. É o caso do próprio Ferréz. Despertado por leituras de Hermann Hesse, ele acabou buscando outros autores e livros, criando sua rede de escritores preferidos. Nenhuma escola o tirou essa paixão, nenhuma influência de outras pessoas o fez mudar de caminho. Se há assassinos da literatura, elas são os diversos tipos de entretenimento que são mais interessantes do que um livro. O jovem até poderia conciliá-los, mas não o faz, por diversos motivos, entre os quais ouvir pessoas dizerem que cumprir tarefas não é prazeroso e, por isso, não deve ser feito.
        Quando um escritor vem a público fazer uma crítica sem fundamento à escola, mais alunos vão ver nela uma inimiga. Ferréz faz um grande desserviço, ele que é uma espécie de porta-voz da periferia, dos desassistidos da sociedade, até porque também milita na cultura Hip Hop. Ele deveria dizer "molecada, vamos estudar e ler. Se é chato ou não, não importa, o importante é construir conhecimento. Os professores não são inimigos. Se eles pedem para resumir ou falar para a turma sobre um livro chato, é porque esse livro, em algum momento, disse alguma coisa para humanidade e continua dizendo, caso contrário, como muito outras obras, já teria caído no esquecimento. Se vocês não lerem, outros lerão, e terão mais conhecimento do que vocês.”
        Agora, se o conhecimento não é importante, não há nada a fazer. E viva a burrice!

Cassionei Niches Petry – professor e escritor

e-mail: cassio.nei@hotmail.com  blog: http://cassionei.blogspot.com

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Qual é a sua teoria da conspiração preferida?

No dia 21 de julho de 1969, os astronautas Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins entraram para a história como os primeiros seres humanos a chegarem à superfície da Lua. Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua (e lá proferiu a lendária sentença “um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”), seguido por Aldrin, enquanto Collins não saiu do módulo lunar da Apollo 11. Depois de Armstrong e Aldrin, outros dez astronautas caminharam na Lua, em outras missões Apollo. No total, 24 pessoas viajaram até nosso satélite natural, em operações muito bem documentadas, registradas em áudio e vídeo, e que envolveram um grande número de pessoas. Os astronautas também trouxeram amostras de rochas e de solo lunares, e parte desse material está exposto em museus de diversos países do mundo.
        O grande volume de evidências de que fomos até a Lua, no entanto, não parece ter sido suficiente para convencer algumas pessoas da veracidade desse fato. De acordo com uma pesquisa feita em 2001 pelo Instituto Gallup, 6% dos americanos – o que corresponderia a cerca de 20 milhões de habitantes dos EUA – afirmaram que a ida do homem à Lua não passa de uma fraude. Em outros países, a desconfiança é ainda maior. Essas pessoas sustentam a ideia de que houve uma conspiração tramada pelo governo americano em parceria com estúdios e diretores de cinema para enganar a população, que ingenuamente acreditou que os vídeos transmitidos pela NASA tinham sido feitos pelos astronautas na Lua, quando na verdade eles foram filmados em um estúdio no deserto americano.
        As teorias da conspiração fazem parte do imaginário humano há muito tempo. No século XX, por exemplo, acompanhamos uma infinidade de ideias “alternativas” que tomaram forma, e fizeram muitas pessoas acreditarem que governos e sociedades secretas sempre tentavam manipular as informações que chegavam até a população. Assim, muita gente foi levada a crer que o governo americano esconde alienígenas em bases aéreas secretas, que Lee Harvey Oswald não matou Kennedy, que a AIDS foi uma doença criada por laboratórios farmacêuticos para matar pessoas na África, e que Obama nasceu no Quênia e, por isso, não poderia ser presidente dos EUA (é necessário que a pessoa tenha nascido nos Estados Unidos para ser presidente deste país). E, claro, muitos também acreditam que o homem não foi à Lua.
        No Brasil, algumas teorias da conspiração ganharam espaço nos últimos dois anos. Durante os protestos que sacudiram nosso país em junho e julho de 2013 surgiram, nas redes sociais, ideias mirabolantes que indicavam que as manifestações populares abririam espaço para um golpe militar aos moldes do de 1964. Obviamente, entre os manifestantes existiam aqueles que clamavam pela volta dos militares, mas esses eram a minoria, e não representavam os desejos da esmagadora maioria das pessoas que saíram às ruas de todo o Brasil, uma maioria composta por cidadãos comuns cansados de tantos problemas nas áreas da saúde, educação, transporte público, segurança, etc.
        Esse ano, um novo tipo de conspiracionista apareceu, e ele se opõe ideologicamente ao conspiracionista de 2013. O novo conspiracionista é aquele que imagina que ocorrerá um “golpe comunista” no Brasil em 2014. Quais são as evidências disso? Nenhuma, somente um amontoado de ideias soltas, que tentam ser amarradas para que o sujeito consiga apresentar algumas razões para sustentar sua pré-concebida conclusão.
        Obviamente, governos escondem muitas informações do público, e existem, sim, grupos e empresas que têm grande influência sobre as sociedades humanas. E, claro, nem toda teoria aparentemente conspiratória se mostra uma fraude (o caso Watergate, na década de 1970, é um bom exemplo disso). No entanto, não é razoável abraçar uma ideia quando não existem boas evidências para ela ou, ainda, quando existe um bom volume de evidências contrárias. Dizer que o Brasil esteve próximo de um golpe militar em 2013, e que caminha para um golpe comunista em 2014, é ser guiado por preferências ideológicas no lugar da razão e do bom senso. E é assim que as ideias conspiratórias se mantêm: o indivíduo estabelece uma conclusão, busca algumas ideias para fundamentá-la, e descarta tudo aquilo que contradiz o seu pensamento.
        O que temos que temer quando somos inundados por ideias conspiratórias não é o conteúdo delas em si, mas a falta de pensamento crítico em uma sociedade que as deixa florescer. Pensar com mais clareza – e estar atento às evidências – nos protege de uma série de armadilhas e de problemas, como aceitar teorias conspiratórias e outras tantas ideias que são potencialmente prejudiciais a nós.