Há
séculos, nossos sistemas de percepção do mundo têm sido enganados de forma
proposital por artistas talentosos. Os grandes mestres da pintura sabem como
utilizar tonalidades distintas de cores, entre outros recursos, para nos dar a
sensação de que estamos vendo uma paisagem em profundidade quando olhamos para
uma tela. Produções de cinema usam sons, combinações de luzes, efeitos
tridimensionais e animações computadorizadas para dar um ar especial a seus
filmes, o que faz com que fiquemos assombrados com a qualidade daquilo que
vemos, um espetáculo para nossos olhos e ouvidos. Na verdade, qualquer pessoa
que liga um aparelho televisor vai ficar imersa em uma combinação de imagens e
sons que irão estimular de tal modo seus sentidos que muitos detalhes passarão
despercebidos, como os comuns erros de continuidade em filmes (personagens cujas
roupas mudam de cor subitamente, mudanças em objetos no cenário, etc.).
O francês Ernest Ostrowsky, sua mulher e
seu filho também são mestres na arte de enganar nossos sentidos, mas não
através de pinturas ou da televisão. A família Ostrowsky é composta por
mágicos, e seu mais famoso número, chamado “Omar Pasha”, é uma das
apresentações mais impressionantes que eu já vi. “Omar Pasha” é um número de
teatro negro, ou seja, um número encenado em um palco totalmente negro,
iluminado com luzes negras. No palco, um homem (Omar Pasha) vestido com uma
roupa branca, capa vermelha e com um turbante aparece ao som do Bolero de
Maurice Ravel. Pasha começa, então, a interagir com o cenário, “desenhando” um
grande candelabro com velas vermelhas, usando para isso uma caneta que ele tira
do turbante. Para espanto do público, o candelabro de Pasha se transforma em um
objeto real, e o homem o levanta, leva para outro lado do cenário e ainda
acende as três velas que estão na parte superior do objeto. O truque do
candelabro é o primeiro de uma sequência inacreditável, que inclui o surgimento
e desaparecimento de objetos grandes como cadeiras, a aparição de pessoas, e
até uma decapitação. A primeira pergunta que a maioria das pessoas deve se
fazer depois de assistir à apresentação de Omar Pasha é: “como ele faz isso?” E
como o público não percebe os truques?
Famosos mágicos contemporâneos, como os
da família Ostrowsky, Penn & Teller, David Copperfield, David Blaine e
Criss Angel seguem a tradição dos mestres da magia, como Harry “O Grande”
Houdini, um dos maiores da história nessa arte. E, da mesma maneira que
Houdini, os melhores mágicos de hoje não podem contar apenas com habilidade
manual, rapidez e perspicácia, embora esses sejam requisitos básicos de um
grande mágico. Mestres da magia também precisam conhecer como as pessoas reagem
aos truques, e de que forma seus sistemas de percepção podem ser ludibriados. Omar
Pasha apela a um grande número de estímulos visuais, e a escuridão do cenário é
o ponto crucial de toda sua apresentação. Talvez as pessoas que assistem ao
número até desconfiem de como ele é realizado, mas os truques se desenrolam com
tamanha naturalidade e em um ritmo elaborado de modo a impossibilitar aos
espectadores que descubram os segredos de Pasha.
Os neurologistas Stephen Macknik e
Susana Martinez-Conde têm acompanhado os números de mágica há algum tempo, pois
pensam que eles podem revelar muito a respeito de como pensamos e vemos o mundo
– e de como podemos ser enganados por nossas próprias percepções. As ideias de
Macknik e Martinez-Conde sobre a relação entre a mágica e as nossas percepções
estão no ótimo Truques da Mente: o que a
mágica revela sobre o nosso cérebro (Editora Zahar, 2011). “O que você vê,
ouve, sente e pensa se baseia no que espera ver, ouvir, sentir e pensar”,
escrevem os autores. E é bom estarmos cientes disso, pois não são somente os
mágicos que lucram com nossas fraquezas de percepção.
O teatro de Omar Pasha
O truque do avarento
Um bom acervo de vídeos sobre mágica e neurociência está disponível no site dos autores de Truques da Mente. Para acessá-lo, clique aqui.