O
filósofo Mark Rowlands escreve a respeito da morte em Scifi = scifilo, e discute se ela pode ser ruim por nos privar de
algo que almejamos boa parte de nossa vida, e de coisas para as quais dedicamos
muitos de nossos esforços. Alguém que tem uma vida orientada para o futuro,
argumenta Rowlands, tem o que ele chama de um “futuro forte”. Um sujeito que
não investe em seu futuro, e não se preocupa com ele, tem, por sua vez, um
“futuro fraco”. Rowlands usa os dois termos para apresentar algumas de suas
ideias sobre a morte. O autor, em O
Filósofo e o Lobo, obra escrita posteriormente à Scifi = scifilo, descarta boa parte das coisas que escreveu sobre
os futuros fraco e forte. A convivência com o lobo Brenin parece ter feito
Rowlands reconsiderar a ideia de que a morte não é, por si só, ruim para os
animais, indivíduos que ele imaginava possuírem um futuro fraco. O trecho
abaixo foi extraído do livro Scifi =
scifilo:
A morte é uma coisa ruim porque nos
priva de um futuro. Todavia, vemos agora que é possível ter um futuro de duas
maneiras diferentes, uma forte e outra fraca. Isto faz diferença para o caráter
danoso ou ruim da morte? Seria a morte pior para alguém que possui um futuro
forte que para alguém que só tem um futuro fraco?
Acredito
que sim. Alguém que possui um futuro forte, orientando muito de seu
comportamento presente e disciplinando muitos de seus desejos presentes rumo a
uma concepção de como esta pessoa quer que seu futuro seja, é mais fortemente
ligado ao seu futuro que alguém que tem apenas um futuro fraco. Logo, uma
pessoa que tem um futuro forte tem mais a perder, ao perder um futuro, que uma
pessoa que possui apenas um futuro fraco.
Se
isto não ficou claro, considere o exemplo seguinte: duas pessoas vão às
Olimpíadas competir no triatlo. Uma delas treinou por anos, orientou sua vida,
organizou seu comportamento e disciplinou seus desejos para atingir esse
objetivo. A outra é uma atleta preguiçosa e incapaz que chegou aos jogos
olímpicos, vamos supor, através de um erro de identificação. Nenhuma das duas
ganha uma medalha. Às vezes falamos que alguém “perdeu” a medalha. Se isto é
realmente uma perda, então aparentemente a perda maior é sofrida pela primeira
atleta, já que ela organizou sua vida ao redor desta meta. Muito de sua vida
foi vivida por causa deste objetivo futuro, que ela não atingiu. Ela tinha
claramente mais dela mesma investido em conseguir a medalha que a outra atleta.
Logo, sua perda é maior.
Estou
argumentando de maneira semelhante ao prejuízo envolvido em perder um futuro.
Quanto mais você tiver investido no futuro, julgando em termos de organização,
orientação, disciplinamento e arregimentação de seu comportamento e desejos
presentes, mais você perde quando perde tal futuro. Se você tem um futuro num
sentido conceitual, ou forte, então, quando você morre você perde mais do que
se você possuísse um futuro apenas no sentido fraco, não-conceitual. A morte é
um prejuízo maior para aqueles que têm um futuro forte, pois na morte eles
perdem mais que aqueles que possuem um futuro apenas fraco.
Extraído
de ROWLANDS, M. Scifi = scifilo: a
filosofia explicada pelos filmes de ficção científica. Rio de Janeiro: Relume,
2005.
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