O
biólogo e filósofo ítalo-americano Massimo Pigliucci é um sujeito de múltiplos
interesses. Professor na City University of New York, Pigliucci realiza
pesquisas e escreve sobre genética, biologia evolutiva e filosofia da ciência
e, além da carreira acadêmica, escreve para o público geral em seu blog, Rationally Speaking, e em sua página na
internet, Plato’s Footnote (uma fonte
riquíssima em recursos – há artigos, palestras e textos do autor disponíveis
para download). Pigliucci é também autor de excelentes livros sobre
ciência e filosofia, entre os quais Answers
for Aristotle: how science and philosphy can lead us to a more meaningful life,
Denying evolution: creationism,
scientism, and the nature of science, Tales
of the rational: skeptical essays about nature and science, e Nonsense on stilts: how to tell science from
the bunk (nenhuma das obras foi publicada no Brasil). O autor, que é também um grande
defensor da educação científica contra a superstição e as pseudociências,
gentilmente aceitou o convite do blog para falar sobre alguns temas comumente
presentes em seus escritos.
Página Virada: O que
você está lendo agora?
Massimo Pigliucci: Hitler’s
Philosophers, de Yvonne Sherratt (obra
ainda não lançada no Brasil), um olhar fascinante a respeito de como os
nazistas faziam mau uso da filosofia (por exemplo, de Kant e Nietzsche), mas
também sobre como filósofos estavam explicitamente envolvidos com a máquina de
propaganda nazista (p. ex., Heidegger). Há muitas boas lições, tanto de
história quanto do papel da filosofia, para serem aprendidas neste livro.
PV: Que livros o
influenciaram?
MP: Muitos, certamente. Mas acima da
maioria estão a Autobiografia de
Bertrand Russell, que me introduziu à filosofia quando eu era um adolescente; O Mundo Assombrado Pelos Demônios de
Carl Sagan, ainda hoje um dos melhores trabalhos populares sobre pseudociência
e pensamento crítico; Investigação Sobre
o Entendimento Humano, de David Hume, certamente um dos melhores e mais acessíveis
trabalhos de filosofia; Eutífron de
Platão, um diálogo curto deliciosamente escrito sobre a relação entre religião
e moralidade; Advice to a Young Scientist,
de Peter Medawar (obra não lançada no
Brasil), que eu li antes de ir à universidade; e um grande número de livros
de Stephen Jay Gould, que foi meu modelo intelectual durante os primeiros anos
de minha carreira como biólogo evolucionista.
PV: Como o ato de ler
pode ser importante para a vida de alguém?
MP: E como não seria? Através da
leitura, nós entramos em uma conversa com algumas das melhores mentes que a
humanidade produziu através de toda a história registrada. Não há simplesmente
nada semelhante a esse tipo de experiência.
PV: Pessoas como
Deepak Chopra e Fritjof Capra têm escrito livros sobre ciência e
espiritualidade, mas a visão deles a respeito de muitas questões difere em
muito do consenso da comunidade científica em diversas áreas. Em sua opinião, o
trabalho de autores como Chopra e Capra contribui para disseminar a ciência para
o público, ou faz o oposto, confundindo as pessoas e criando uma falsa ideia
sobre o que a ciência é?
MP: Não consigo falar coisas ruins o
suficiente a respeito de Chopra. Ele é um charlatão que presta um desserviço ao
público. Quanto à Capra, não posso fazer melhor que Victor Stenger, quando
caracterizou o seu trabalho (e o de Chopra) como “charlatanismo quântico” (quantum quackery) na Skeptical Inquirer.
PV: Algumas pessoas
acreditam que há uma razão ou um propósito para tudo o que acontece conosco, e
essas razões e propósitos estão ligados a algum tipo de “desejo divino” ou a um
“plano espiritual”. Muitas dessas pessoas não podem sequer conceber a ideia de
que talvez não exista um deus ou uma recompensa após a morte. Se não existir um
deus ou um plano espiritual, alguns deles dizem, não há razão para estarmos
aqui, e nossas vidas não têm sentido. O que um filósofo tem a dizer sobre isso?
MP: Creio que essas pessoas cedem ao
mais profundo tipo de orgulho: esperar que o próprio universo (ou Deus) deveria
se preocupar com o que acontece com eles, senão nada tem valor! Sentido na vida
– como eu argumentei em meu Answers for
Aristotle (obra ainda não publicada no Brasil, e que será
discutida em breve aqui no blog) – vem de dentro, não de fora. Nós
construímos sentido a partir de nossos projetos de vida, incluindo nossas
relações com outros seres humanos. Por que razão isso não seria suficiente?
PV: Aqui no Brasil, as
pessoas frequentemente reclamam da qualidade dos políticos. Sempre lemos a
respeito de corrupção, mau uso de recursos públicos, incompetência,
administradores que são analfabetos, outros que trabalham para as pessoas de
seus partidos políticos, e assim por diante. É possível que os eleitores
enfrentem esses problemas pensando criticamente? Como?
MP: Ah, não é só no Brasil. Acredito
que esse seja um esporte internacional, e infelizmente os políticos do mundo
todo continuam nos dando várias razões para pensar assim. Sim, claro, a
educação e o pensamento crítico são ferramentas cruciais para se navegar em um
mundo complexo, incluindo o mundo da política. Infelizmente, nós raramente
ensinamos o pensamento crítico, e ele não vem naturalmente aos seres humanos. O
que você me pergunta é uma questão complexa, e não há uma simples resposta, mas
eu aconselharia os seus leitores para que continuem lendo, ampla e
criticamente, sem deixarem-se cair em um cinismo auto-destrutivo. É um balanço
difícil de manter.
PV: Para aqueles que
querem ler boas obras de ciência e filosofia, mas não conhecem muito bem essas
áreas, que autores ou livros você recomendaria?
MP: Bem, praticamente os mesmos que eu
mencionei na resposta à sua primeira questão, creio. Nós vivemos em uma época
em que bons livros a respeito de todo o tipo de assunto estão disponíveis ao
pressionar de uma tecla (pelo menos para aqueles de nós que são sortudos o
suficiente para serem alfabetizados, terem um conexão com a internet e dinheiro
suficiente para investir – o que deixa a maior parte da população mundial de
fora!). Então, que usemos essa sorte e a espalhemos: maior grau de instrução no
mundo inteiro é um fator importante para enfrentar a pobreza, a violência e a
superstição.
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