sábado, 10 de agosto de 2013

Conversando com Massimo Pigliucci

O biólogo e filósofo ítalo-americano Massimo Pigliucci é um sujeito de múltiplos interesses. Professor na City University of New York, Pigliucci realiza pesquisas e escreve sobre genética, biologia evolutiva e filosofia da ciência e, além da carreira acadêmica, escreve para o público geral em seu blog, Rationally Speaking, e em sua página na internet, Plato’s Footnote (uma fonte riquíssima em recursos – há artigos, palestras e textos do autor disponíveis para download). Pigliucci é também autor de excelentes livros sobre ciência e filosofia, entre os quais Answers for Aristotle: how science and philosphy can lead us to a more meaningful life, Denying evolution: creationism, scientism, and the nature of science, Tales of the rational: skeptical essays about nature and science, e Nonsense on stilts: how to tell science from the bunk (nenhuma das obras foi publicada no Brasil). O autor, que é também um grande defensor da educação científica contra a superstição e as pseudociências, gentilmente aceitou o convite do blog para falar sobre alguns temas comumente presentes em seus escritos.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Massimo Pigliucci: Hitler’s Philosophers, de Yvonne Sherratt (obra ainda não lançada no Brasil), um olhar fascinante a respeito de como os nazistas faziam mau uso da filosofia (por exemplo, de Kant e Nietzsche), mas também sobre como filósofos estavam explicitamente envolvidos com a máquina de propaganda nazista (p. ex., Heidegger). Há muitas boas lições, tanto de história quanto do papel da filosofia, para serem aprendidas neste livro.

PV: Que livros o influenciaram?
MP: Muitos, certamente. Mas acima da maioria estão a Autobiografia de Bertrand Russell, que me introduziu à filosofia quando eu era um adolescente; O Mundo Assombrado Pelos Demônios de Carl Sagan, ainda hoje um dos melhores trabalhos populares sobre pseudociência e pensamento crítico; Investigação Sobre o Entendimento Humano, de David Hume, certamente um dos melhores e mais acessíveis trabalhos de filosofia; Eutífron de Platão, um diálogo curto deliciosamente escrito sobre a relação entre religião e moralidade; Advice to a Young Scientist, de Peter Medawar (obra não lançada no Brasil), que eu li antes de ir à universidade; e um grande número de livros de Stephen Jay Gould, que foi meu modelo intelectual durante os primeiros anos de minha carreira como biólogo evolucionista.

PV: Como o ato de ler pode ser importante para a vida de alguém?
MP: E como não seria? Através da leitura, nós entramos em uma conversa com algumas das melhores mentes que a humanidade produziu através de toda a história registrada. Não há simplesmente nada semelhante a esse tipo de experiência.

PV: Pessoas como Deepak Chopra e Fritjof Capra têm escrito livros sobre ciência e espiritualidade, mas a visão deles a respeito de muitas questões difere em muito do consenso da comunidade científica em diversas áreas. Em sua opinião, o trabalho de autores como Chopra e Capra contribui para disseminar a ciência para o público, ou faz o oposto, confundindo as pessoas e criando uma falsa ideia sobre o que a ciência é?
MP: Não consigo falar coisas ruins o suficiente a respeito de Chopra. Ele é um charlatão que presta um desserviço ao público. Quanto à Capra, não posso fazer melhor que Victor Stenger, quando caracterizou o seu trabalho (e o de Chopra) como “charlatanismo quântico” (quantum quackery) na Skeptical Inquirer.

PV: Algumas pessoas acreditam que há uma razão ou um propósito para tudo o que acontece conosco, e essas razões e propósitos estão ligados a algum tipo de “desejo divino” ou a um “plano espiritual”. Muitas dessas pessoas não podem sequer conceber a ideia de que talvez não exista um deus ou uma recompensa após a morte. Se não existir um deus ou um plano espiritual, alguns deles dizem, não há razão para estarmos aqui, e nossas vidas não têm sentido. O que um filósofo tem a dizer sobre isso?
MP: Creio que essas pessoas cedem ao mais profundo tipo de orgulho: esperar que o próprio universo (ou Deus) deveria se preocupar com o que acontece com eles, senão nada tem valor! Sentido na vida – como eu argumentei em meu Answers for Aristotle (obra ainda não publicada no Brasil, e que será discutida em breve aqui no blog) – vem de dentro, não de fora. Nós construímos sentido a partir de nossos projetos de vida, incluindo nossas relações com outros seres humanos. Por que razão isso não seria suficiente?

PV: Aqui no Brasil, as pessoas frequentemente reclamam da qualidade dos políticos. Sempre lemos a respeito de corrupção, mau uso de recursos públicos, incompetência, administradores que são analfabetos, outros que trabalham para as pessoas de seus partidos políticos, e assim por diante. É possível que os eleitores enfrentem esses problemas pensando criticamente? Como?
MP: Ah, não é só no Brasil. Acredito que esse seja um esporte internacional, e infelizmente os políticos do mundo todo continuam nos dando várias razões para pensar assim. Sim, claro, a educação e o pensamento crítico são ferramentas cruciais para se navegar em um mundo complexo, incluindo o mundo da política. Infelizmente, nós raramente ensinamos o pensamento crítico, e ele não vem naturalmente aos seres humanos. O que você me pergunta é uma questão complexa, e não há uma simples resposta, mas eu aconselharia os seus leitores para que continuem lendo, ampla e criticamente, sem deixarem-se cair em um cinismo auto-destrutivo. É um balanço difícil de manter.

PV: Para aqueles que querem ler boas obras de ciência e filosofia, mas não conhecem muito bem essas áreas, que autores ou livros você recomendaria?
MP: Bem, praticamente os mesmos que eu mencionei na resposta à sua primeira questão, creio. Nós vivemos em uma época em que bons livros a respeito de todo o tipo de assunto estão disponíveis ao pressionar de uma tecla (pelo menos para aqueles de nós que são sortudos o suficiente para serem alfabetizados, terem um conexão com a internet e dinheiro suficiente para investir – o que deixa a maior parte da população mundial de fora!). Então, que usemos essa sorte e a espalhemos: maior grau de instrução no mundo inteiro é um fator importante para enfrentar a pobreza, a violência e a superstição.

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