Na
década de 1920, o filósofo alemão Moritz Schlick escreveu um artigo intitulado “On
the meaning of life” (“Sobre o sentido da vida”). A grande preocupação de
Schlick era a de que, para muitas pessoas, o sentido da vida se encontrava no
trabalho, e que não havia muito valor fora dele. O que o filósofo alemão testemunhava,
na década de 1920, era uma verdadeira idolatria ao trabalho, e tal adoração
persiste até os dias atuais, marcadamente em países como os Estados Unidos, mas
também em regiões de colonização européia, como na serra gaúcha.
Segundo Mark Rowlands, filósofo galês e
autor do excelente O filósofo e o lobo
(Objetiva, 2010), o trabalho se constitui em uma atividade que tem valor
instrumental (ou extrínseco): o trabalho é bom porque a partir dele podemos conseguir
outras coisas. Trabalhamos para receber o pagamento pelo trabalho que fizemos,
e com o dinheiro podemos comprar aquilo que quisermos (ou pudermos), podemos
viajar, podemos manter um nível de vida de certo conforto, etc. O valor do
trabalho, por isso, não está nele mesmo, mas naquilo que ele nos possibilita
ter ou fazer. Schlick ia além, e afirmava que o trabalho não é algo
necessariamente remunerado: sempre que faço A para obter B, estou trabalhando.
Passamos a maior parte de nossas vidas
trabalhando, se considerarmos as definições apresentadas por Rowlands e Schlick.
A maior parte das coisas que fazemos em nosso cotidiano vale por aquilo que
elas nos possibilitam. Ligamos o aparelho televisor de nossa sala para esquecer
nossos problemas. Lemos um artigo ou um livro porque temos provas a realizar,
na escola ou na universidade. Caminhamos pelas ruas de nossa cidade porque
queremos perder peso. Obviamente, as razões apresentadas para assistir a algo
na TV, ler ou caminhar são importantes e válidas. Mas, segundo Rowlands, elas
não são as melhores justificativas ou, pelo menos, elas nos afastam do maior
valor que pode existir em uma leitura, ou em uma caminhada.
Consideramos que alguma atividade tem valor
intrínseco quando encontramos valor nela própria, ou seja, quando a atividade é
um fim em si mesma. Mark Rowlands escreve a esse respeito em Running with the pack: thoughts from the road
on meaning and mortality (Granta, 2013, ainda não publicado no Brasil), um
livro que pode ser considerado como uma espécie de continuação de O filósofo e o lobo. Para Rowlands,
correr é uma atividade de valor intrínseco. O autor passou boa parte de sua
vida correndo em companhia de cães (e do lobo Brenin) e, com o tempo, começou a
entender essa atividade como tendo um valor muito maior do que qualquer um normalmente
atribuído a ela. Muitas pessoas correm para perder peso, para aliviar o
estresse, ou para realizar alguma atividade social (quando correm em um grupo
de pessoas – ou com os cães, como faz o filósofo), entre outros motivos. Mas
sempre há um motivo para alguém correr. Rowlands afirma ter aprendido que, mais
do que esses objetivos, correr pode ser algo mais. Correr com o único propósito
de correr é o que tem feito o autor, apesar da dor e do mal estar que uma corrida
algumas vezes causa. E correr por correr – a experiência pela experiência – é o
que confere um grande significado à corrida.
Rowlands escreve: “se queremos encontrar
valor na vida, algo que poderia se apresentar como um possível sentido da vida,
ou um de seus sentidos – então precisamos procurar por coisas que não têm
propósito. Dito de outra maneira: a condição necessária para que alguma coisa
seja realmente importante na vida é que ela não tenha um propósito fora dela
mesma – que ela seja inútil para qualquer outra coisa. A inutilidade – nesse sentido
– é uma condição necessária do valor real. Se o valor de algo fosse uma questão
de sua utilidade para algo mais, então seria esse algo mais o centro do valor”.
Assim, afirma o autor, encontrar
um sentido intrínseco em boa parte das coisas que fazemos (considerando que é
muito difícil, senão impossível, encontrar valor intrínseco em todas) é um dos
caminhos para ter uma vida mais significativa.
Terminei a leitura de Running with the pack e passei a pensar em como minhas atividades
podem ser enquadradas em instrumentais ou de valor intrínseco. Parte
significativa das coisas que faço, admito, tem valor instrumental. As faço
porque preciso delas para outra coisa. Mas tenho aprendido e, principalmente,
sentido, que tantas outras atividades que realizo são boas e valorosas por si
mesmas. É esse o sentimento que tenho durante e depois de uma boa aula (seja eu professor
ou aluno) ou da leitura de um bom livro. É assim que me sinto depois de uma
caminhada com meus cães. É assim também quando converso com alguém sobre algum
tema interessante. É assim quando sento ao lado de minha namorada, ou de meus
pais, para tomar um chimarrão. E, por isso, dou razão a Rowlands quando ele
afirma que a vida passa a ter mais significado quando extraímos mais sentido
das coisas que fazemos.
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