O
filósofo Massimo Pigliucci escreve que, certa vez, foi convidado por um
programa de rádio americano para falar sobre a questão da evolução biológica e do
criacionismo como explicações para a evolução da vida no planeta, um assunto
bastante discutido em certas partes dos Estados Unidos, especialmente na região
central do país. O outro convidado era o também cético Michael Shermer.
Pigliucci afirma que o locutor do programa do qual estavam participando ficou
intrigado ao perceber que os dois convidados pareciam pessoas bastante
amigáveis, que sorriam e eram cordiais, ou seja, eram pessoas muito felizes
para “serem céticos”.
A
visão do radialista americano sobre o que é um cético é compartilhada por muita
gente. Há poucos dias, a revista UFO, no Brasil, publicou em sua página do
Facebook um manifesto contra os “céticos” que não aceitam que as marcas
surgidas em uma plantação no interior de Santa Catarina no começo do mês sejam
obras de alienígenas. O comunicado diz:
“Amigos, deixando de lado estas discussões
com céticos tolos, que há anos se repetem em sua incredulidade e perdem grandes
chances de abrirem suas mentes para aquilo que não conseguem entender, vamos
prosseguir com a conversa de maneira construtiva. Até porque, em mais de três
décadas dedicadas à Ufologia, encontrei todo tipo de cético pela frente, menos
um: O CÉTICO INTELIGENTE! Esse não existe, porque, quando há inteligência, não
pode haver ceticismo.
Todos os céticos que conheci,
infelizmente, são de uma pobreza mental de dar dó. Ultrapassados, limitados,
ignorantes (no sentido de não buscarem informações que desafiem o que
conhecem), ranzinzas e chatos. Deixemos os caras de lado, mas não sem antes relembrarmos
a eles: moçada, Ipuaçu fica em Santa Catarina, não em Katmandu. Para se chegar
lá e ver as coisas pessoalmente, há estradas e o local não é inacessível.
Pode-se ir até lá por inúmeras rodovias, ok? Então, help yourself, senhores
céticos!”
De
acordo com o texto da revista, ceticismo e inteligência são características
incompatíveis. Um cético é um sujeito de mente fechada e que, por isso, não percebe
quantas coisas está deixando de saber. A mente fechada é um sinal de pobreza
intelectual, segue o comunicado da revista, e os céticos são também ignorantes por
não buscarem informações diferentes daquelas com as quais estão familiarizados.
E, obviamente, céticos são “ranzinzas e chatos”.
Uma
das melhores definições a respeito do que significa ser um cético vem de
Massimo Pigliucci (aqui, o autor se refere ao uso contemporâneo do termo, e não
ao ceticismo radical, uma posição filosófica que sustenta que não é possível
ter conhecimento do mundo): “Ser cético
significa nutrir reservas razoáveis a respeito de certas afirmações. Significa
querer mais evidências antes de chegar a alguma conclusão. Mais importante,
significa manter uma atitude de abertura para calibrar as crenças de alguém de
acordo com as evidências disponíveis”.
Contrariamente
às visões comuns sobre o ceticismo, ser cético não significa ser chato, e
também não significa uma obsessão por tentar mostrar que qualquer afirmativa é
falsa. Significa, simplesmente, ter padrões de exigências mais refinados para
aceitar alguma ideia como provavelmente verdadeira. Assim, se alguém diz que a
falta de marcas aparentes de ação humana é suficiente para que se acredite que
um desenho em uma lavoura de trigo foi feito por alienígenas, então, de fato,
esse sujeito não é um cético, pois sua conclusão parte de evidências bastante
frouxas, da aceitação de falácias filosóficas (como o apelo à ignorância) e,
basicamente, de suposições fantasiosas que não recebem nenhum endosso da
ciência (ex: aliens inteligentes nos visitam).
A
falta de ceticismo é um dos maiores males do mundo contemporâneo, afirma o
jornalista americano Guy Harrison em seu recém lançado Think: why we should question everything (Pense: por que nós deveríamos questionar tudo, publicado pela
Prometheus Books nos Estados Unidos, e ainda sem edição brasileira). Tendemos a
acreditar em tudo sem demandar boas razões para isso. Aceitamos tranquilamente
o que um político diz somente porque ele pertence ao partido de nossa preferência.
Tomamos um “complexo vitamínico” porque o anúncio que vimos na TV é bem feito,
com pessoas bonitas, e a empresa afirma que irá devolver nosso dinheiro se o
produto não funcionar. Acreditamos que alienígenas viajaram por distâncias
inimagináveis, chegaram à Terra e aqui nos deixaram alguma mensagem (que nunca
conseguimos decifrar) em plantações de trigo, e chegamos a essa conclusão
porque “isso não pode ter sido feito por seres humanos.” A aceitação de ideias
que provavelmente são falsas nos leva a perder dinheiro, a arriscar nossa
saúde, ou simplesmente a perder tempo procurando por coisas que provavelmente
nunca encontraremos, como aliens fazendo desenhos em plantações.
Harrison
afirma que devemos ter uma “dose saudável de dúvida” e usarmos a razão para
discernirmos entre aquilo que é provavelmente real e aquilo que não é. Isso significa
não assumir que conhecemos alguma coisa sem ter boas razões que a sustentem. Essa
postura cética, quando aplicada às mais diversas situações que vivenciamos,
pode mudar o mundo para melhor, conclui o autor.
Parte
das ideias de Harrison em Think pode
ser encontrada nesse texto do autor, publicado no blog da revista Psychology Today.
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