A
discussão sobre como os comportamentos relacionados à moralidade aparecem nos
seres humanos é antiga. Muitos filósofos do século XVII, especialmente John
Locke, adotavam a ideia de seres humanos como “tabulas rasas”, ou seja, a
concepção de que as pessoas nasciam sem qualquer conhecimento ou tendência
comportamental, e que as suas experiências com outras pessoas e com o restante
do mundo seriam os aspectos que determinariam como os indivíduos iriam agir. Nessa
visão, os seres humanos seriam papéis em branco prontos para serem escritos
pelo meio social. Em épocas posteriores, em especial nos séculos XIX e XX,
ganhou força entre alguns estudiosos do comportamento humano a ideia de que a
maior parte de nossa conduta é inata, predeterminada biologicamente, e assim o
ambiente teria pouca ou nenhuma influência sobre como nos comportamos.
Estudos recentes sugerem que não somos
geneticamente bons ou maus, e tampouco somos folhas em branco à espera de
preenchimento. O psicólogo canadense Paul Bloom, em O que nos faz bons ou maus (Editora BestSeller, 2014, R$ 30,00)
sugere que nós já temos um senso moral quando bebês, mas isso não significa
dizer que temos um impulso inato para fazer coisas boas ou ruins. O senso moral
ao qual o autor se refere é uma capacidade de fazer apreciações morais, de
entender quando alguém agiu bem ou mal em determinada situação. Por exemplo,
existem estudos que indicam que bebês de menos de um ano de idade preferem
interagir com pessoas que se comportaram “bem” (pessoas que não estragaram uma
brincadeira, ou que não roubaram objetos de outras – tudo isso parte de
experimentos conduzidos por psicólogos, e observados pelos bebês) a aquelas que
tiveram um comportamento que se pode considerar inadequado (receber uma bola em
uma brincadeira e, ao invés de devolvê-la a quem a jogou, fugir com ela, por
exemplo).
O senso moral que temos quando somos bebês,
afirma Bloom, vai sendo refinado ao longo de nossas vidas. A “moralidade
aprimorada” é uma característica dos seres humanos, que podem pensar a respeito
das mais diversas questões morais e, racionalmente, encontrar o curso de ação
mais sensato quando confrontados com uma dessas questões. Por exemplo, Bloom
afirma que muitas pessoas – inclusive crianças – que decidiram se tornar
vegetarianas assim o fizeram porque entenderam que existiam boas razões morais para
isso (como o sofrimento dos animais durante o processo de criação e abate).
Assim, a ideia de que a razão é “escrava das paixões” não é sempre verdadeira.
Creio que a mensagem mais importante do
livro de Bloom é a de que podemos usar nossa capacidade mental para reconsiderar
a maneira com que nos relacionamos com outras pessoas e animais para, assim,
agir e pensar melhor. Há pouco mais de um século, muitas sociedades toleravam
pessoas brancas “possuírem” escravos negros; homens e mulheres eram queimados
em fogueiras por serem considerados feiticeiros; pessoas eram punidas com a extirpação
de partes do corpo, ou com a morte, por causa de adultério. Evoluímos
culturalmente porque pensamos melhor a respeito dessas e de outras questões, e
mudamos nossas ações como consequência disso. E podemos também supor que
teremos uma sociedade cada vez melhor se continuarmos tendo a razão como guia.
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