Por
Guilherme
“Você me diz que o Pé-Grande existe, e eu
digo: ‘legal, onde está o corpo?’; você me diz que descobriu a cura para a
AIDS, e eu te pergunto: ‘ótimo, mostre-me seus resultados’; você me diz que foi
abduzido por alienígenas, e eu digo: ‘legal, posso ver o que você trouxe da nave?’”
O
espírito cético esteve presente na conferência apresentada pelo psicólogo e
historiador da ciência Michael Shermer no Fronteiras
do Pensamento. Espírito no sentido de “ideia, essência”, claro, pois o
espírito tradicionalmente concebido pelas pessoas é, na opinião de Shermer, o
próprio cérebro.
Com um grande senso de humor e um
raciocínio claro, Shermer apresentou suas ideias sobre como as pessoas formam
seu sistema de crenças, assunto que o autor trata em seu último livro publicado
aqui no Brasil, Cérebro & Crença: de
fantasmas e deuses à política e às conspirações – como nosso cérebro constrói
nossas crenças e as transforma em verdades (JSN, 2012). Baseando-se em
estudos de psicologia e neurociência, Shermer argumentou que nosso cérebro é
moldado para gerar crenças, juntando fatos e informações sensoriais desconexos,
que resultam no absurdo de aceitar bobagens como a clarividência. Depois que
começamos a acreditar em algo, elaboramos explicações para justificar isso, e
assim mantemos nossa convicção em determinadas ideias.
Ser cético, ao contrário do que muita
gente pensa, não é negar a possibilidade do conhecimento e ser contrário a qualquer
ideia. O ceticismo exige embasamento, evidência e argumentação sólida para que
se aceite o novo conhecimento. Assim, se você pensa que fantasmas devem existir
por causa das milhares de fotos borradas que circulam pela internet, talvez
seja uma boa ideia refinar seu senso crítico.
Um exemplo interessante de como se pode
testar uma ideia foi o trabalho de Emily Rosa sobre o toque terapêutico,
resumido por Shermer na conferência. O toque terapêutico é uma prática que tem
por base os “chacras” corporais, locais por onde se afirma que nossa energia
flui. Consequentemente, se estamos com dores em algum ponto do corpo, ou temos
outros problemas mais graves, isso se deve à falta de fluxo da energia, que
pode ser resolvida quando um “especialista” posiciona a mão acima do ponto onde
se localiza o chacra, e faz a energia fluir, sem encostar no paciente, como se
fosse uma “massagem à distância”. A ideia foi testada cientificamente por
Emily, uma aluna da quarta série do Ensino Fundamental, através de um
experimento muito bem elaborado, no qual foram submetidos 21 praticantes do
toque terapêutico. Sem qualquer surpresa, os “especialistas” se saíram muito
mal, e a menina, então com 11 anos, teve seu trabalho publicado em um dos mais
importantes jornais da área médica. (clique aqui para saber mais sobre o
experimento de Emily Rosa, e aqui para ver como a menina cresceu, uma
sólida evidência contra qualquer cético que afirme não existir beleza na
ciência)
Shermer citou os trabalhos de Daniel Simons
sobre a cegueira por desatenção (para quem não sabe do que se trata, clique aqui e veja o vídeo original da pesquisa de Simons), de Bruce Hood, sobre a
essência em objetos (você vestiria a camisa que foi usada por um serial killer no dia em
que ele cometeu um crime?), e de Peter Brugger, sobre a influência da dopamina
em nossas percepções sensoriais.
No final de sua apresentação, Shermer
respondeu a questões da platéia sobre religião, educação, Fritjof Capra e o
poder da intuição como forma de adquirir conhecimento. Sobre o último tema, o
conferencista afirmou que não podemos confiar plenamente em nossa intuição,
porque muitas vezes ela está errada, carregada de preconceitos e más concepções
sobre o mundo ao nosso redor.
Em que acreditar, então? Em Cérebro & Crença, Shermer nos
mostra o caminho mais seguro:
“Eu
também acredito que a verdade está lá fora, mas ela raramente é óbvia e quase
nunca é infalível. Aquilo em que quero acreditar com base nas emoções e aquilo
em que devo acreditar com base em evidências nem sempre coincidem. Sou cético
não porque não queira acreditar, mas porque quero saber. Como saber a
diferença entre o que gostaríamos que fosse verdade e o que é de fato verdade?.
A resposta é: ciência. Vivemos na era da ciência, na qual se
espera que as crenças sejam fundamentadas em sólidas evidências e dados
empíricos.”