sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Conversando com Stephen Law


O inglês Stephen Law trabalhava como carteiro até que seu interesse pela filosofia o fez procurar a universidade. Hoje doutor em filosofia e professor universitário, Law é um aclamado escritor de trabalhos que trazem a filosofia ao cotidiano, popularizando a disciplina entre o grande público. Law é o autor daquele que considero o mais interessante livro de introdução à filosofia disponível no Brasil, o Guia Ilustrado Zahar de Filosofia (Jorge Zahar, 2008). Outra obra de destaque do autor, e que também pode ser encontrada nas livrarias brasileiras, é Os Arquivos Filosóficos (Martins Fontes, 2010), um livro voltado para o público jovem – mas ótimo para qualquer pessoa que goste de filosofia e não tenha muita intimidade com seus temas – que trata daquilo que Law chama de “grandes questões”, como a ética envolvida na nossa alimentação, a distinção entre o que é real e o que não é, e a existência de Deus, entre outros.
   Entrei em contato com o autor para saber suas opiniões a respeito dos livros e de leitura. Law aceitou o convite do blog, e suas instigantes reflexões se encontram abaixo.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Stephen Law: Não leio um trabalho de ficção há anos. Eu tendo a ler livros de filosofia. Atualmente, estou lendo o último livro de Richard Carrier, Proving History: Bayes Theorem and the quest for the historical Jesus (obs: obra não publicada no Brasil).

PV: Que livros o influenciaram?
SL: Entre os livros que não são de filosofia, eu diria que O Terceiro Tira, de Flann O’Brien (L&PM, 2006) está no topo da lista. É uma imagem surreal e assustadora do inferno, com muitas reviravoltas estranhas no enredo. Todos os nomes dos personagens de meu livro The Phylosophy Gym (obs: obra não publicada no Brasil) foram tiradas desse romance.

PV: Por que você considera que é importante ler?
SL: Você assume que eu penso que é importante ler. Eu realmente penso que a leitura de obras de ficção é um tanto superestimada, como é a própria ficção. Ela pode ser divertida, sem dúvida. Mas autores de ficção são geralmente louvados como possuidores de grandes insights sobre a condição humana, sobre filosofia, etc. Em minha opinião, muitos deles têm pouco mais do que pose e aparência, e são vazios. O que não significa dizer que não possamos encontrar jóias entre eles, como Philip Pullman ou George Orwell. Mas a habilidade para contar uma boa história não se traduz automaticamente em habilidade filosófica ou insight.
   Frequentemente se diz que nós aprendemos muito com os romances. Mas o que aprendemos, exatamente? Que tipo de “verdade” os romances têm? Entendo que se eu ler uma história sobre um serial killer, sobre como ele se tornou um assassino, de um modo que eu possa ver que eu também poderia terminar como ele, então eu teria aprendido algo valioso. Eu também entendo que poderia ler sobre alguma preocupação que alguém tem em uma história, com a qual eu compartilhe, mas pensava ser exclusivamente minha, então eu percebo que não estou sozinho em ter tais pensamentos e sentimentos. Também entendo que eu possa ter um sentimento que considere difícil de articular, e em um romance eu encontro a perfeita expressão dele. “Sim”, eu poderia pensar, “é assim que eu me sinto”. Romances podem também nos provocar para pensar sobre coisas que de outra maneira não teríamos considerado. Essas são algumas maneiras pelas quais eu poderia aprender algo, ganhar algum insight.
   Por outro lado, romances são histórias. E histórias podem ser propaganda ideológica e política, mesmo que propaganda inconsciente. A literatura pode ser usada para contar mentiras sobre a condição humana. Um escritor habilidoso pode, ao pressionar nossos botões emocionais, nos fazer sentir simpatia por uma causa que nós deveríamos rejeitar, ou fazer algo errado parecer certo ou normal, por exemplo.
   A literatura é uma boa história com um começo, um meio e um fim, um personagem forte que se desenvolve, e assim por diante. A vida real raramente tem essas características. As pessoas raramente mudam, e quando o fazem raramente mudam da maneira que uma boa história requer. As explicações reais sobre o porquê as pessoas fazem as coisas raramente são tão dramaticamente satisfatórias e organizadas como aquelas encontradas para personagens fictícios. Quando as pessoas escrevem biografias ou relatos dramatizados de eventos da vida real, a vida real tem que ser fortemente editada e polida nas convenções da literatura para que nós possamos ter uma boa história. Ou então o autor deve procurar muito por episódios incomuns ou vidas que realmente preencham os requisitos da boa literatura.
   Assim, a literatura não é, de muitas maneiras, profundamente enganosa, nos dando a ilusão de que a vida real tem uma estrutura narrativa clara, um enredo, uma moral, é dirigida por princípios psicológicos, etc..., que são aspectos realmente raros, se é que podem estar presentes, em uma vida real?
   A “psicologia” que ela apresenta não é frequentemente mítica, ao invés de verdadeira, refletindo o que um indivíduo falível, o autor, pensa sobre o que faz as pessoas tocarem suas vidas, ao invés do que verdadeiramente as faz continuar suas vidas?
   De fato, nós somos eternamente apresentados ao mesmo estoque de enredos e personagens típicos, que funcionam como símbolos culturais para nós: “Oh, é uma história sobre uma busca, e X é um herói com defeitos, e ele aprende esse tipo de lição à medida que ele avança em sua busca...” Mesmo quando uma história se desvia desses tipos, isso não acontece precisamente por ela deliberadamente desprezar eles – por ela se revelar como um outro tipo de história, ao invés daquilo que ela inicialmente aparentava ser (o enredo com uma “virada”)?
   Outras pessoas se dirigem a figuras literárias em busca de profundidade. Fico frequentemente desapontado por aquilo que elas têm a dizer. Muito disso pode ser considerado como pseudo-profundidade. Veja o link:  http://stephenlaw.blogspot.co.uk/2011/06/pseudo-profundity-from-believing.html

PV: É possível fazer com que as pessoas leiam mais? Como se pode fazer isso?
SL: Como eu disse, a leitura de ficção pode ser uma atividade superestimada. Certamente, ler ficção é algo superestimado de muitas maneiras (o que não significa negar que isso possa ser maravilhoso – mas não vamos nos deixar levar e supor que a boa ficção seja mais do que ela realmente é).

PV: Você é um filósofo acadêmico que escreve livros para o público geral. Qual é o papel da filosofia na vida de uma pessoa comum?
SL: Nós todos somos filósofos. Nós só não percebemos isso. Espero que meus livros pelo menos façam as pessoas perceberem o quanto a filosofia está impregnada em seu sistema de crença. E parte disso é má filosofia.

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