Uma
sociedade futurista – que pode ser a atual, considerando a época em que foi
escrita a obra –, desumanizada, fortemente influenciada pela mídia e pela
tecnologia, e na qual os bombeiros não apagam incêndios, mas os iniciam para
manter a ordem social: este é o panorama descrito pelo americano Ray Bradbury
em seu clássico Fahrenheit 451
(Globo, 2009).
O
protagonista da obra, Guy Montag, é um bombeiro comum. Diariamente, vai atender
a denúncias de pessoas que cometeram o crime de possuir livros em suas casas, e
de lê-los. Ele e seus companheiros, então, têm o trabalho de incinerar as obras
e impedir que a leitura possa provocar algum tipo de influência nas pessoas. De
fato, o medo que as pessoas mudem por causa daquilo que leem não é o motivo oficial
para a queima dos livros. O chefe de Montag, Beatty, explica:
“...Pelo menos uma vez na carreira, todo
bombeiro sente uma coceira. O que será que os livros dizem, ele se pergunta.
Aquela vontade de coçar aquele ponto, não é mesmo? Bem, Montag, pode acreditar,
no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo:
os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa
acreditar. Quando é ficção, é sobre pessoas inexistentes, invenções da
imaginação. Caso contrário, é pior: um professor chamando outro de idiota, um
filósofo gritando mais alto que seu adversário. Todos eles correndo, apagando
as estrelas e extinguindo o sol. Você fica perdido.”
Anestesiado
pela familiaridade com o trabalho e pelas circunstâncias sociais, Montag é
incapaz de questionar a validade daquilo que faz até encontrar Clarisse, uma
jovem inconformada com a sociedade e com a perseguição a quem ousa pensar e
buscar novas informações. As conversas com a jovem fazem com que Montag passe a
desconfiar da necessidade de seu ofício, e ele também começa a questionar o
status quo de sua sociedade.
Em Fahrenheit 451, Bradbdury narra
a trajetória do bombeiro Montag que começa com a inquietação a respeito de sua
real função na sociedade, até a sua ruptura com o sistema, uma luta que vai
trazer pesadas consequências pessoais a ele.
Bradbury escreveu Fahrenheit 451 na década de 1950,
criando uma espécie de distopia, uma “anti-utopia”, na qual a tecnologia tem o
domínio da sociedade e a relação entre as pessoas é reduzida a interações com
mídias virtuais. As conversas pessoais, quando existem, são rasas, e os
sujeitos, imediatistas. Em sua obra, também, o autor parece ter antecipado algumas das características
de nossa sociedade do início do século XXI:
“A escolaridade é abreviada, a disciplina
relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e
ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas.
A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois
do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar
interruptores, ajustar parafusos e porcas?”
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