A maior parte de nós, gaúchos, não
perde um churrasco no domingo. O que comemos, mas não gostamos de dizer
claramente, são pedaços daquilo que há pouco fora uma vaca, um porco ou uma
galinha. Pedaços de corpos de animais que morreram por nossa causa, para
agradar nosso paladar. Quando questionados a respeito da ética de se confinar
animais para o abate, e de todo o sofrimento que esse processo envolve, muitas
vezes respondemos que bois, porcos e galinhas são “feitos” para isso mesmo.
Opinião semelhante nós ouviríamos de um asiático que se alimenta de carne de
cães ou gatos, de um europeu que se alimenta de cavalos, ou de um africano ou
sul-americano que se alimenta de macacos. Nosso critério para selecionar aquilo
que comemos, e aquilo que evitamos comer, parece ser somente o de simpatia por
uma espécie, e não por outra. Um péssimo critério, obviamente, mas que acabou
moldando nossa cultura alimentar.
Em 1975, o filósofo australiano Peter Singer publicou a obra que seria
um marco mundial na discussão a respeito dos direitos dos animais não-humanos,
“Libertação Animal” (editado no
Brasil pela Martins Fontes). Para Singer, nossa relação com as demais espécies
animais deve estar pautada na atenção e no respeito ao fato de que eles, da
mesma maneira que nós, são capazes de sofrer. Nesse aspecto, Singer ecoa as
palavras do filósofo Jeremy Bentham: “A questão não é ‘eles podem raciocinar?’
e nem ‘eles podem falar?’, mas sim ‘eles podem sofrer?’” Se a resposta para a
última pergunta for “sim”, então nós precisamos mudar nossas ideias e atitudes
em relação aos outros animais, argumenta Singer.
“Libertação Animal” traz as
ideias de Singer a respeito daquilo que temos feito aos animais de outras
espécies, e apresenta argumentos muito bons sobre uma necessária mudança em
nossa visão, e consideração, do restante do mundo vivo, especialmente dos
animais sujeitos a situações de sofrimento físico ou psicológico. As situações
de sofrimento descritas pelo autor envolvem animais criados para abate, animais
utilizados em experimentos biomédicos e animais utilizados para entretenimento
(como em circos), e são chocantes as informações sobre as condições em que os
animais são mantidos e tratados. Crueldade, brutalidade e sadismo fazem parte
da história de vida de muitos animais, do nascimento até a morte, e é
vergonhoso para nós, humanos, saber que ainda os tratamos assim.
De acordo com o pastor anglicano William Inge, “temos escravizado o
resto da criação animal e tratado nossos distantes primos de peles e penas de
forma tão malvada que, se eles fossem capazes de formular uma religião, sem
dúvida descreveriam o diabo com a forma humana.” Seguimos sendo, sem dúvida, os
propagadores daquilo que podemos chamar de “holocausto” para aqueles que não
pertencem a nossa espécie. Livros como o de Peter Singer podem nos ajudar a
corrigir nossos rumos e a ter uma relação melhor com as outras espécies que
dividem o planeta conosco. Se isso ocorrer, os animais nos agradecerão
eternamente.
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