terça-feira, 27 de dezembro de 2011

As Esganadas

Por Natália

No final da década de 1930, um assassino vem deixando um rastro de pavor no Rio de Janeiro. O perfil de vítima desse criminoso é bem específico: ele mata mulheres jovens, bonitas e obesas. Seu modo de assassinar essas moças também é peculiar: ele as atrai, prometendo-lhes quitutes da culinária portuguesa, e força-lhes comida pela garganta, até que se engasguem ou não suportem mais ingerir coisa alguma. A polícia carioca vê-se desesperada para encontrar o assassino, que, mesmo não sendo tão discreto, consegue cometer uma série de crimes sem deixar pistas.
        Aparentemente, o criminoso consegue enganar muito bem os quatro responsáveis pela investigação do caso: o delegado Mello Noronha, que está sempre às rusgas com seu superior, o auxiliar Valdir Calixto, um sujeito mais esforçado do que propriamente inteligente, o ex-inspetor português Tobias Esteves, que foi afastado da polícia lusitana por um erro imperdoável, e a bela jornalista Diana de Souza, que ocasionalmente presenteia o trio de investigadores com insights muito interessantes. Enquanto os crimes continuam, a polícia se esforça para encontrar o misterioso assassino – que o leitor conhece desde as primeiras páginas.
        As Esganadas (Companhia das Letras, 2011), de Jô Soares, segue a esteira de suas outras obras, como O Xangô de Baker Street e O Homem que Matou Getúlio Vargas, pois mistura uma trama policial a fatos narrados com o humor característico de seu autor. É uma história de leitura rápida que leva o leitor ao Rio de Janeiro do início do Estado Novo de Getúlio Vargas, deixando-o apreensivo enquanto o criminoso comete seus assassinatos e continua impune. Entretanto, ainda que As Esganadas tenha algumas passagens que podem provocar risos no público, talvez esta não seja a obra de Jô Soares mais voltada ao humor. Para os leitores que desejam um equilíbrio maior entre humor e mistério, talvez O Xangô de Baker Street e O Homem que Matou Getúlio Vargas sejam opções mais acertadas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ter sucesso é mais importante do que podemos imaginar

Por Guilherme

Rir muito e com frequência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a beleza; encontrar o melhor nos outros; dar o melhor de si; deixar o mundo um pouco melhor, seja por uma criança saudável, um canteiro de jardim ou por uma condição social redimida; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido sucesso.”
                                   
        A passagem acima, largamente disseminada na internet, é atribuída erroneamente ao filósofo americano Ralph W. Emerson. O texto é uma variação de um poema escrito por Bessie Anderson Stanley, no começo do século XX, cerca de 20 anos depois da morte de Emerson, para um concurso promovido por uma revista americana.
        Gosto de pensar que, se vivo, Emerson endossaria as palavras de Bessie. O filósofo era um homem simples, que considerava as boas realizações da vida de alguém o maior sucesso possível.
        Estamos em época de Natal, muitos se preocupam com os presentes que terão que dar, e anseiam receber outros. Obviamente, isso também é importante, é parte da cultura natalina. Mas poderíamos aproveitar a época e estender nossas reflexões sobre nossa vida, sobre o que podemos fazer dela, e sobre o quanto nosso sucesso (do tipo descrito nas palavras de Bessy Stanley) pode ser importante para nós e para os outros.

Duas verdades sobre nossos alunos

Por Guilherme

Quem é professor, ou tem alguma vivência no meio escolar, certamente vai se identificar com esse post curto, em tom de desabafo, escrito pelo professor gaúcho Cassionei Petry sobre seus alunos. Triste é constatar que a situação não está restrita a Santa Cruz do Sul, onde Petry mora, mas é a regra na maioria das escolas brasileiras (se não em todas). Exceção é o aluno que estuda, que lê, que se interessa, que procura aprender.
      Vale a pena clicar na redação que aparece no post do blog de Petry. Seria muito engraçado ler algo assim, primitivamente escrito, se não fosse feito por alguém que provavelmente irá para o Ensino Superior em pouco tempo, continuará sendo um analfabeto funcional e ganhará seu diploma, estando apto a exercer sua profissão depois disso.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Sobre Christopher Hitchens

Por Guilherme

Estamos acostumamos a ver pessoas que defendem ideias pela cor do partido ou posição política que representam (como fazem as revistas Veja e Caros Amigos, e seus articulistas), menosprezando boas realizações de seus adversários, e só enxergando a podridão dos outros (os últimos exemplos, e infelizmente não são os únicos, são os infames mensalão petista e a privataria tucana). Não há, no Brasil, intelectuais independentes, pessoas desligadas a partidos que tenham a capacidade de criticar livremente aquilo que julgam errado, e aplaudir as boas realizações, não importando quem as tenha feito.
        O jornalista inglês Christopher Hitchens, um dos mais polêmicos e influentes escritores das últimas décadas, foi um exemplo de intelectual independente que inexiste aqui. Famoso mundialmente por sua luta contra o pensamento religioso, Hitchens foi um expoente do chamado neoateísmo, com Richard Dawkins, Daniel Dennett e Sam Harris. Dos autores ateus, o que menos conheço é justamente Hitchens. Comprei recentemente Deus Não É Grande: como a religião envenena tudo (Ediouro, 2007), seu livro mais famoso, e The Portable Atheist: essential readings for the non-believer (Perseus Books, 2007), uma seleção de textos de ateus famosos como Mark Twain, Darwin, Bertrand Russell, Daniel Dennett, Richard Dawkins, Carl Sagan e Salman Rushdie, entre outros. Não li nenhuma das duas obras, e pretendo aproveitar as férias para isso.
        Se Hitchens fosse um autor como a maioria, sua luta contra a religião talvez se devesse ao seu alinhamento político. Ao contrário do que se poderia esperar, Hitchens foi um dos poucos ateus a defenderem a política americana no Iraque, elogiando o comando de Bush e criticando os democratas. Para Hitchens, a intervenção americana no Afeganistão e no Iraque era mais do que necessária, e o governo não poderia ficar de mãos atadas depois de 11 de setembro de 2001.
        Outras ideias polêmicas de Hitchens foram em relação à vida e ao trabalho de Madre Teresa de Calcutá (“uma fraude, fanática e fundamentalista, amiga da pobreza, não das pessoas pobres”), do documentarista Michael Moore (“manipulador”), de Bill e Hillary Clinton, Mel Gibson e Jimmy Carter.
        Hitchens faleceu no último dia 15. Sua partida marca a despedida de um sujeito que nos ensinou que qualquer discussão relevante deve estar sempre baseada na razão, e não em argumentos supersticiosos e sem qualquer fundamento racional.

Boa parte dos textos de Hitchens foi publicada na revista americana Slate. No Brasil, o site da revista Época disponibiliza diversos textos do autor.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Beijo Gelado e o futuro do Brasil

Por Guilherme

Todos lugares violentos no mundo têm algo em comum: famílias desestruturadas, filhos indesejados e falta de cuidado dos pais com seus descendentes. Obviamente, nem toda família desestruturada origina criminosos, mas esse é um fator considerável na formação deles.
        Luiz Fernando Oderich, fundador da associação Brasil Sem Grades, e que perdeu seu filho Max devido à violência urbana que está liquidando com o Brasil, escreveu O Beijo Gelado: paternidade irresponsável, a tragédia brasileira (Sulina, 2005), uma corajosa obra que discute as causas do aumento da criminalidade em nosso país. A partir de dados de pesquisas que relacionam a liberação do aborto e os índices de crimes violentos em algumas cidades dos EUA (já tratamos do assunto aqui, e se você quiser saber mais sobre isso pesquise o trabalho de Steven Levitt), Oderich afirma: a paternidade irresponsável é a culpada por pelo menos a metade dos crimes no Brasil. A ausência de uma figura paterna que zele pela criação e educação das crianças pode encaminhá-las para o mundo do crime.
        Lembrei-me do livro de Oderich ao ler notícias recentes sobre o aumento de homicídios no Brasil. Em um país no qual o planejamento familiar sequer é discutido com seriedade, não é de se espantar que a taxa de homicídios tenha aumentado enormemente, fazendo de nosso território um lugar mais mortal que o Iraque moderno, um paraíso onde a violência virou epidemia.


Leia as notícias sobre a violência no Brasil, aqui, aqui, e aqui.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Na Natureza Selvagem

Por Guilherme

Se alguém fizer uma lista dos ambientes mais difíceis para um ser humano prosperar, o estado do Alasca, com seu clima extremo e fauna potencialmente letal para nós, certamente estará nela. E na imensidão selvagem do extremo norte do continente americano é que o jovem Christopher McCandless encontrou o seu fim.
McCandless, desde cedo, não aparentava ser como a maioria de seus colegas. Fanático por aventuras e pouco apegado a valores materiais, não desperdiçava a chance de ficar sozinho na natureza, como quando fez rafting no Rio Colorado, empreitada perigosa mesmo para os experientes. Sua vontade de continuar as aventuras era fomentada pela leitura de autores como Henry Thoreau, Jack London e Robert Pirsig.
Um jovem ansioso por novos desafios, leitor de libertários, crítico do “vazio” da sociedade materialista americana, com uma relação familiar instável, e à procura de um rumo depois de sua graduação: McCandless era a personificação do jovem aventureiro. E a sua maior jornada começava a se materializar.
        Depois de peregrinar por vários estados americanos, trabalhando e trocando ideias com as pessoas com quem tinha contato, McCandless iniciou sua odisséia ao Alasca em 1992. Pegando carona de Dakota do Norte até Fairbanks (sem avisar a família), e apanhando mantimentos para sua estada no Alasca, o jovem percorreu a pé o último trecho da viagem até encontrar um ônibus abandonado próximo ao Parque Nacional de Denali. Ali, sua vida contemplativa, à Thoreau, iniciou.
        A impressionante história de McCandless é contada pelo jornalista americano Jon Krakauer em Na Natureza Selvagem: a dramática história de um jovem aventureiro (Companhia das Letras, 1998). Krakauer conversou com familiares do jovem, com colegas de trabalho e amigos, e também percorreu alguns dos caminhos de McCandless. O resultado é um relato de alta qualidade sobre a vida, e a morte, de um sujeito que não conseguia encontrar seu lugar numa sociedade de pensamento tão diferente do seu.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A era do "eu"

Por Guilherme

Há alguns dias, citei aqui no blog um pequeno texto do Professor Daniel Blumstein sobre a falta de civilidade das pessoas, exemplificada por uma mulher que atacou outros clientes de uma loja americana do Walmart com um spray de pimenta, pois ela objetivava conseguir chegar antes aos itens em promoção.
        Além da falta de civilidade da mulher, a situação mostra o quanto supervalorizamos nossos direitos em relação aos nossos deveres de cidadania. Hoje, é raríssimo encontrar alguém que dê peso semelhante aos seus direitos e deveres, alguém que se preocupe mais em fazer as coisas certas do que em reclamar quando seus interesses são contrariados. Penso que nossa sociedade tem se desenvolvido assim, com a complacência dos governos. Deliramos com a ideia de que somos merecedores de todos os direitos do mundo, mas pouco discutimos nossos deveres em relação aos outros. É por isso que as pessoas estacionam em locais proibidos, jogam lixo no chão, roubam, corrompem e são corrompidos, agem com o famoso “jeitinho” brasileiro, e por aí vai. Tudo em nome de um Deus chamado EU.

A discussão prossegue em um texto que publiquei no blog de Daniel Blumstein, que pode ser lido aqui.