sábado, 30 de outubro de 2010

Em breve, não haverá tigres na natureza. E daí?

Por Guilherme

      Foi publicada, há poucos dias, uma notícia dando conta do possível desaparecimento de tigres em seu ambiente natural até 2022 (leia a notícia aqui). De acordo com a WWF, uma das mais importantes organizações não governamentais do planeta, existem aproximadamente 3200 desses animais soltos na natureza, e esse número declina a cada ano. Planos para salvar a espécie já estão em andamento, mas não se pode ter certeza de que funcionarão, já que esses felinos são visados por sua pele e por seus ossos, que possuiriam supostas propriedades medicinais (nunca comprovadas). Algumas pessoas, ao lerem a notícia, poderão se perguntar: “E daí? Minha vida não vai mudar nada com isso.” É verdade: a extinção dos tigres não vai alterar o cotidiano de quase ninguém. Mas sempre que vejo uma notícia como essa, lembro daquilo que o biólogo Edward O. Wilson escreveu em A Criação: como salvar a vida na Terra (Companhia das Letras, 2006):

É possível que nunca cheguemos a avistar pessoalmente certos animais raros – podemos lembrar o lobo, o pica-pau-bico-de-marfim, o panda, gorila, a lula-gigante, o grande tubarão-branco, o urso-pardo –, mas precisamos deles como símbolos. Eles proclamam o mistério do mundo. São as joias da coroa da criação. Só saber que eles existem em algum lugar, estão vivos e passam bem é importante para o espírito, para que nossa vida seja inteira. Se eles vivem, então a Natureza também vive. Com certeza nosso mundo estará em segurança, e nós estaremos numa situação melhor. Imagine o choque dessa manchete: ABATIDO O ÚLTIMO TIGRE – A ESPÉCIE ESTÁ EXTINTA.”

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quando um Crocodilo Engole o Sol

Notícias vindas do Zimbábue não são muito comuns aqui no Brasil. Quando chegam, elas mostram, em sua maioria, os enormes problemas sociais e políticos vividos por esse país africano. Antes da Copa de 2010, a seleção brasileira aceitou fazer um amistoso contra o selecionado zimbabuano, na África, recebendo mais de R$ 2,5 milhões para isso. Além do absurdo que foi receber essa quantia de um país miserável, divulgou-se recentemente que a renda do jogo, de mais de 640 mil dólares, desapareceu!
      O Zimbábue é governado pelo ditador Robert Mugabe desde 1980. Seu governo é considerado um dos mais corruptos do planeta, com visões políticas pré-históricas, violadoras dos direitos humanos, homofóbicas, racistas e que levaram o país a um colapso econômico e social. Enquanto alguns países africanos têm melhorado consideravelmente seus índices sociais, no Zimbábue a situação atual é muito semelhante (pior em alguns aspectos) àquela do início do governo de Mugabe.
      Para entender um pouco do declínio do Zimbábue nas últimas décadas, uma boa leitura é Quando um Crocodilo Engole o Sol (Nova Fronteira, 2008), de Peter Godwin. O jornalista, um zimbabuano branco nascido em 1957, narra a vida de sua família em um país sob constante mudança. Invasões de terra, assassinatos, ameaças, corrupção e terror foram testemunhados por Godwin na África. Ao mesmo tempo em que a situação de seu país se degrada, o escritor tem que lidar com dramas familiares, já que seu pai, idoso e doente, e sua mãe, também debilitada, lutam para sobreviver em meio ao caos.
      Quando um Crocodilo Engole o Sol é uma narrativa brilhante sobre a vida familiar e social no Zimbábue em anos recentes. Godwin aborda com habilidade diversos aspectos do país africano como a desigualdade social, o racismo, a cultura do povo local, a formação de guerrilhas e, principalmente, a trajetória de Mugabe, inicialmente um salvador, e agora tirano. Ler o relato de Godwin sobre a situação do Zimbábue é desolador. Histórias como a dele e, principalmente, a de Philip Gourevich, sobre a guerra civil de Ruanda em 1994, descrita em Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias (Companhia de Bolso, 2006) mostram o lado mais obscuro da humanidade que, de tempos em tempos, teima em aparecer.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Livro da Minha Vida (2)

Por Natália

      Eu poderia indicar, para cada fase de minha vida, várias obras marcantes. Para a pré-adolescência, livros policiais de autores como Agatha Christie, Conan Doyle e Marcos Rey. Para a adolescência, O Mágico de Oz (recentemente resenhado) e O Dia do Curinga, de Jostein Gaarder. Para a época da graduação, os clássicos de Machado de Assis, os romances policiais de P.D.James e obras da Literatura Ocidental em geral (como O Morro dos Ventos Uivantes e Drácula). Recentemente, fui presenteada por uma professora muito querida, Prof. Flávia Saretta, com um livro escrito por volta de 1940 e publicado mais de 60 anos depois. Sua autora, Irène Némirovsky, é um dos maiores nomes da literatura do século passado. E essa obra, Suite Française, é um dos retratos mais impressionantes sobre a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial.
      Ao contrário de outras obras sobre a II Guerra, Suite Française não descreve os grandes conflitos nem as aflições dos soldados no campo de batalha. Os personagens da obra são pessoas comuns, mais ou menos afortunadas, que procuram fugir de Paris nos dias anteriores à invasão alemã. São apresentados, portanto, não indivíduos heroicos ou cidadãos com forte sentimento patriótico; o que a obra traz a seus leitores são famílias, casais e jovens que, temendo por sua vida e zelando pelo próprio conforto, são capazes tanto de ajudar como de prejudicar as pessoas que estão em situação semelhante à sua.
      Na primeira parte da obra, quando Paris está prestes a ser ocupada, alguns episódios chamam a atenção. Em meio a bombardeios, a mãe de uma família aristocrática aconselha seus filhos a compartilharem seus doces com crianças mais pobres. Quando percebe que todas as mercearias estão fechadas e que, se a distribuição de guloseimas continuar, os próprios filhos ficarão sem doces, ela proíbe-os de prosseguir com tal gesto de boa-vontade. Mais tarde, na tentativa de fugir de outros ataques, essa mesma família abandona um abrigo no meio da madrugada, levando consigo o gato da família e se esquecendo do avô, que sofria de uma doença degenerativa.
      Já na segunda parte da obra, com a ocupação alemã estendendo-se também pela região ao sul da capital francesa, observamos como a rotina de um vilarejo se altera por causa da presença de soldados nazistas. Os homens da localidade dirigem aos invasores um ódio quase violento, pois temem que o charme dos combatentes faça-os perder suas mulheres. E, enquanto as mulheres mais novas de fato suspiram pelos soldados, uma vez que veem neles uma oportunidade para desviarem-se de sua maçante rotina rural, as mais velhas culpam-nos pelo desaparecimento de seus filhos durante o conflito. É nessa parte da obra que, entre uma francesa e um oficial alemão, criam-se laços quase que fraternais: os dois sabem que o destino de suas nações e de suas famílias foi enormemente modificado por causa da guerra.
      O mais surpreendente de Suite Française (Vintage International, 2006) é a maneira como Némirovsky consegue construir, a partir de pequenos episódios, uma grande narrativa. Além disso, é interessante perceber que, ao contrário da maioria das obras (literárias ou não) sobre a Segunda Guerra Mundial, Suite Française é imparcial, sem defender os franceses e atacar os alemães. Em vez de fazer isso, a obra mostra o quanto o conflito é doloroso, independentemente da nacionalidade dos envolvidos. Vale destacar, porém, que Némirovsky adota essa postura neutra apesar de sua situação na França. Nascida em Kiev, na Ucrânia, e oriunda de uma família judaica, Irène Nemiróvsky muda-se para Paris em 1918, para fugir da Revolução Russa. Na França, converte-se ao Catolicismo e casa-se com um banqueiro, Michel Epstein, também um judeu convertido. Irène e a família viviam em Paris quando a ocupação alemã ocorreu, e foi nessa ocasião que ela começou a redigir Suite Française, atualmente sua obra mais reconhecida. Porém, o romance não foi finalizado porque a autora e seu marido foram presos e deportados a Auschwitz. Michel Epstein foi imediatamente mandado à câmara de gás. Irène morreu pouco tempo depois, de tifo. Suite Française permaneceu escondida por muito tempo até que, há menos de uma década, foi publicada. Ainda que inacabada, é uma obra de arte de brilhantismo e grandeza incalculáveis.

"O Livro da Minha Vida" é um projeto do Blog Página Virada. O blog publicará todas as quartas-feiras um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Para participar, mande seu texto para paginaviradablog@yahoo.com.br

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um assassino entre nós

O clímax de Um assassino entre nós, de Ruth Rendell (L&PM, 2007), é anunciado já na primeira página:
     “Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever.
     Não houve nenhum motivo real e nenhuma premeditação; ninguém ganhou dinheiro nem segurança. Como resultado do crime, a deficiência de Eunice Pachman ficou conhecida não só por uma única família ou um punhado de cidadãos, mas por todo o país. Ela não conseguiu nada com isso além de desgraça para si e, desde o início, em algum lugar de sua mente estranha, ela sabia que não conseguiria nada. Mas, ainda que sua companheira e parceira fosse louca, Eunice não era. Ela tinha a terrível e prática sanidade do macaco atávico disfarçado de mulher do século XX.”
Porém, não importa tanto o desfecho ao qual é submetida a família Coverdale, mas sim os fatos que levam Eunice Parchman, a empregada doméstica, a assassinar friamente seus integrantes. Os Coverdale (o casal George e Jacqueline e os filhos Melinda e Giles) procuram uma funcionária para que a mãe não faça todo o trabalho de casa sozinha. Assim, Eunice se apresenta, e a família nem desconfia que suas ótimas referências são falsificadas.
Apesar de todas as gentilezas que lhe são dirigidas, Eunice é calada, estranha e por vezes grosseira. O que os Coverdale não sabem é que a nova funcionária guarda um segredo que, para ela, é terrível: ela é analfabeta. Eunice ignora que os bilhetes deixados pela dona da casa são ordens que ela deve cumprir; logo, as advertências que Jacqueline e George lhe dirigem por causa das tarefas não feitas começam a alimentar um incontrolável ódio na mulher. Todos os atos e gestos dos Coverdale passam a ser interpretados equivocadamente por Eunice, que acredita estar sendo vítima de uma espécie de conspiração. O leitor percebe, então, que o inevitável fim está para ocorrer.
Ruth Rendell constrói uma narrativa tensa, e o leitor, ao passar a simpatizar com as excentricidades dos Coverdale e a se assustar com a frieza de Eunice, torce para que a família consiga escapar de seu cruel destino. Um assassino entre nós, lançado em 1977, é, além de um clássico da literatura policial inglesa, uma crítica inteligente às diferenças entre as classes sociais da Grã-Bretanha da década de 1970.

domingo, 24 de outubro de 2010

Mafalda!

      Criada pelo cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino, Mafalda é uma personagem que definiu as histórias em quadrinhos dos anos 60. Fã dos Beatles e do Pica-Pau, Mafalda é uma criança que tem preocupações de gente grande. Nascida em uma época de conflitos e guerras em várias partes do mundo, de grandes desigualdades sociais (que permanecem até os dias atuais), a menina tem dificuldade para entender por que as pessoas não conseguem relacionar-se bem. Seus pais, sempre presentes, tentam responder às angústias da menina, embora nem sempre consigam atender às expectativas dela.
      Como qualquer outra criança, Mafalda brinca com seus amigos sempre que pode. Filipe, Manolito, Susanita, Miguelito e Liberdade estão sempre com Mafalda, inventando brincadeiras e discutindo assuntos sérios. Seu irmãozinho caçula, Guile, é um menino espirituoso, cheio de dúvidas (como Mafalda) e que, com o passar do tempo, torna-se o principal companheiro de aventuras da menina.
      Mafalda é o principal personagem de quadrinhos da América Latina. As tiras de Quino ainda hoje influenciam vários cartunistas e escritores, que veem nas histórias de Mafalda uma rica fonte de inspiração. Na Argentina, várias homenagens foram feitas a Quino, duas das quais se encontram na capital portenha: uma praça, chamada “Praça Mafalda”, no bairro Colegiales, e uma escultura da menina sentada em um banco, no bairro San Telmo. Para quem visita Buenos Aires e é fã da garotinha, ambas são paradas obrigatórias.
      Para quem quer conhecer as tiras de Mafalda, recomendamos Toda Mafalda: da primeira à ultima tira (Martins Fontes, 1993).

O Mágico de Oz

Uma garotinha órfã, um cachorro, um espantalho, um homem de lata e um leão. Esse é o time de personagens que compõe um dos clássicos da literatura infanto-juvenil norte-americana, O Mágico de Oz, publicado em 1900 por Lyman Frank Baum. Além deles, há ainda bruxas (boas e más), macacos voadores, criaturas ferozes, povos desconhecidos e, é claro, o Grande Mágico.
A história é bem conhecida: Dorothy e o cãozinho Totó são levados do Kansas por um tornado, junto com a casa em que estão, à Terra de Oz. Chegando lá, aterrissam sobre a Bruxa Má do Leste, que vinha aterrorizando a Terra dos Munchkins, um povo muito agradável. A Bruxa Má do Oeste aparece, jurando vingança pela morte da amiga, e Dorothy se assusta. Os Munchkins, então, aconselham-na a ir à Cidade das Esmeraldas e pedir para que o Mágico faça-a retornar ao Kansas. Dorothy e Totó preparam-se para sair pela Estrada dos Tijolos Amarelos quando a Bruxa Boa do Norte surge e presenteia a menina com os sapatos prateados que pertenciam à feiticeira esmagada.
No caminho para a Cidade das Esmeraldas, a garotinha conta sua história a quem quiser ouvi-la, e assim acaba fazendo alguns amigos: o Espantalho, o Lenhador de Lata e o Leão Covarde. Como também têm pedidos a fazer ao Mágico de Oz, eles decidem acompanhá-la. O Espantalho quer um cérebro; o Lenhador de Lata, um coração; e o Leão Covarde, coragem. Com a ajuda de seus novos amigos e de Totó, a menina enfrenta as ameaças da Bruxa Má do Oeste e os vários perigos que aparecem ao longo da jornada.
Ao chegarem à Cidade das Esmeraldas, porém, se decepcionam: o Grande Oz é, na verdade, um impostor e não pode atender aos pedidos de Dorothy e de seus amigos. Desesperada, a menina procura a Bruxa Boa do Norte, que lhe assegura que a forma de voltar para casa é mais simples do que parece e que ela já possui os meios de fazer isso: é só bater os calcanhares que os sapatinhos prateados sabem aonde levá-la.
Nesse momento, seus amigos se dão conta de algo muito importante: eles também já possuem o que tanto buscam. O Espantalho percebe que foi ele quem elaborou os planos mais mirabolantes executados pelo grupo; o Lenhador de Lata descobre que ele não precisa de um coração para ser capaz de ter sentimentos nobres e puros; e o Leão Covarde nota que foi ele quem sempre defendeu seus amigos dos perigos enfrentados durante a aventura. Os três, então, reconhecem que Dorothy fez com que eles se dessem conta de suas próprias qualidades e que, se não tivessem atravessado a Terra de Oz em busca de seus desejos, ainda seriam criaturas muito infelizes.
O Mágico de Oz (L&PM, 2001) é uma obra que, além de bom entretenimento, proporciona ao seu leitor esperança e conforto. É impossível não encerrar sua leitura com um suspiro encantado, pois certamente a obra faz perceber que cada um de nós tem um pouco de Espantalho, Lenhador de Lata ou Leão Covarde. Mais do que um livro divertido, O Mágico de Oz faz com que o leitor note que as respostas às perguntas muitas vezes se encontram no interior de quem as busca, e que a solução para os problemas está em nós mesmos. Há autoajuda melhor do que isso?

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Um Antropólogo em Marte

      O médico inglês Oliver Sacks é famoso pela habilidade com que relata a história de pacientes cujas vidas são impactadas por condições de saúde incomuns. Em Um Antropólogo em Marte (Companhia de Bolso, 2006), Sacks dá continuidade à sua celebrada carreira de escritor, iniciada com Enxaqueca (1970), detalhando os desafios diários enfrentados por sete indivíduos que possuem características especiais. Um deles é um pintor americano que, após sofrer um acidente automobilístico, passou a ver o mundo em preto e branco, apesar de perceber uma melhora na sua acuidade visual. Também há o incrível caso de outro pintor, o italiano Franco Magnani, nascido em 1934 na cidade de Pontito, próxima a Florença. Magnani é conhecido como “Um Artista da Memória” devido à sua capacidade de retratar detalhes de sua cidade natal sob praticamente qualquer ângulo. Uma visita ao site do pintor (http://francomagnani.com/default.aspx) revela a qualidade de sua obra. Até aqui, a história de Magnani não parece adequada para ser incluída em um livro que trata de condições médicas raras, afinal muitos artistas pintam muito bem utilizando apenas a memória fotográfica de algum objeto ou lugar. O fato extraordinário sobre o italiano é que ele deixou sua cidade natal em 1946, com 12 anos de idade, e em suas pinturas representava Pontito antes de 1943. Magnani parece ter ficado obcecado com a vida em sua cidade natal, e passou a retratá-la compulsivamente após ter sido internado em um sanatório nos Estados Unidos, país no qual escolheu viver após sair da Itália. Apesar de ter visitado Pontito algumas vezes após 1946, o artista sempre representava detalhadamente a cidade como ele a conhecia quando criança, no que parece um saudosismo bastante incomum.
      Entre os sete pacientes de Sacks, Temple Grandin é a mais conhecida no meio acadêmico. Grandin é doutora em Ciência Animal e professora na Colorado State University. Ela é uma das maiores especialistas em bem-estar animal do mundo, tendo percorrido diversos países para palestrar e assessorar governos e indústrias em questões relacionadas às condições de vida de animais de abate. Também escreveu livros de sucesso, como Na Língua dos Bichos (Rocco, 2006) e O Bem-Estar dos Animais (Rocco, 2010). Grandin desenvolveu novos aparatos para a lida com os animais de abate, como corredores de gado de formato distinto dos habituais, para que os animais sigam com maior conforto e menor estresse em direção aos veículos de transporte ou aos currais. Para desenvolver os corredores, Grandin utilizou uma técnica pouco convencional: ela própria caminhou por corredores tradicionais, tentando perceber que tipo de ruído, movimento ou formato de peças poderia causar sensações de mal-estar nos bois. Saber por antecedência como os animais reagirão sob determinadas condições é algo bastante complicado para qualquer estudioso do comportamento animal. E um cientista na condição de Grandin teria, teoricamente, ainda mais dificuldade para conseguir resultados satisfatórios nesse campo. Temple Grandin é autista, e é incapaz de perceber a maioria dos sentimentos de outras pessoas. Apesar disso, poucos têm a percepção que ela possui sobre os sentimentos de animais não-humanos.
      Assim como nas histórias narradas por Sacks em suas outras obras, os setes pacientes de Um Antropólogo em Marte têm algo em comum: eles demonstram a incrível capacidade humana de se adaptar e seguir a vida contra grandes adversidades. Ao término da leitura poderemos entender melhor a citação do biólogo evolucionista J.B.S. Haldane no começo da obra:

      O universo não é mais excêntrico do que imaginamos, mas mais excêntrico do que podemos imaginar.