sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Um Antropólogo em Marte

      O médico inglês Oliver Sacks é famoso pela habilidade com que relata a história de pacientes cujas vidas são impactadas por condições de saúde incomuns. Em Um Antropólogo em Marte (Companhia de Bolso, 2006), Sacks dá continuidade à sua celebrada carreira de escritor, iniciada com Enxaqueca (1970), detalhando os desafios diários enfrentados por sete indivíduos que possuem características especiais. Um deles é um pintor americano que, após sofrer um acidente automobilístico, passou a ver o mundo em preto e branco, apesar de perceber uma melhora na sua acuidade visual. Também há o incrível caso de outro pintor, o italiano Franco Magnani, nascido em 1934 na cidade de Pontito, próxima a Florença. Magnani é conhecido como “Um Artista da Memória” devido à sua capacidade de retratar detalhes de sua cidade natal sob praticamente qualquer ângulo. Uma visita ao site do pintor (http://francomagnani.com/default.aspx) revela a qualidade de sua obra. Até aqui, a história de Magnani não parece adequada para ser incluída em um livro que trata de condições médicas raras, afinal muitos artistas pintam muito bem utilizando apenas a memória fotográfica de algum objeto ou lugar. O fato extraordinário sobre o italiano é que ele deixou sua cidade natal em 1946, com 12 anos de idade, e em suas pinturas representava Pontito antes de 1943. Magnani parece ter ficado obcecado com a vida em sua cidade natal, e passou a retratá-la compulsivamente após ter sido internado em um sanatório nos Estados Unidos, país no qual escolheu viver após sair da Itália. Apesar de ter visitado Pontito algumas vezes após 1946, o artista sempre representava detalhadamente a cidade como ele a conhecia quando criança, no que parece um saudosismo bastante incomum.
      Entre os sete pacientes de Sacks, Temple Grandin é a mais conhecida no meio acadêmico. Grandin é doutora em Ciência Animal e professora na Colorado State University. Ela é uma das maiores especialistas em bem-estar animal do mundo, tendo percorrido diversos países para palestrar e assessorar governos e indústrias em questões relacionadas às condições de vida de animais de abate. Também escreveu livros de sucesso, como Na Língua dos Bichos (Rocco, 2006) e O Bem-Estar dos Animais (Rocco, 2010). Grandin desenvolveu novos aparatos para a lida com os animais de abate, como corredores de gado de formato distinto dos habituais, para que os animais sigam com maior conforto e menor estresse em direção aos veículos de transporte ou aos currais. Para desenvolver os corredores, Grandin utilizou uma técnica pouco convencional: ela própria caminhou por corredores tradicionais, tentando perceber que tipo de ruído, movimento ou formato de peças poderia causar sensações de mal-estar nos bois. Saber por antecedência como os animais reagirão sob determinadas condições é algo bastante complicado para qualquer estudioso do comportamento animal. E um cientista na condição de Grandin teria, teoricamente, ainda mais dificuldade para conseguir resultados satisfatórios nesse campo. Temple Grandin é autista, e é incapaz de perceber a maioria dos sentimentos de outras pessoas. Apesar disso, poucos têm a percepção que ela possui sobre os sentimentos de animais não-humanos.
      Assim como nas histórias narradas por Sacks em suas outras obras, os setes pacientes de Um Antropólogo em Marte têm algo em comum: eles demonstram a incrível capacidade humana de se adaptar e seguir a vida contra grandes adversidades. Ao término da leitura poderemos entender melhor a citação do biólogo evolucionista J.B.S. Haldane no começo da obra:

      O universo não é mais excêntrico do que imaginamos, mas mais excêntrico do que podemos imaginar.

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