quinta-feira, 9 de junho de 2011

O mais selvagem dos animais

Por Guilherme

Recentemente, o governo australiano oficializou a proibição da venda de gado para a Indonésia, devido ao tratamento extremamente cruel dispensado aos animais nesse país. Um programa de TV australiano obteve gravações de vídeo que mostram as atrocidades cometidas em abatedouros no país asiático. Depois da exibição das imagens, uma onda de protestos pressionou o governo australiano a tomar uma atitude em relação ao problema, e a solução imediata foi suspender a exportação de animais para a Indonésia.
        A preocupação com o sofrimento animal ganhou maior força com as ideias de um australiano, o filósofo Peter Singer, na década de 1970. Já discutimos aqui no blog o livro Libertação Animal, considerado um marco na defesa da vida dos animais não-humanos. A argumentação de Singer é bastante semelhante à usada por seus conterrâneos para justificar a quebra de comércio bovino com a Indonésia. Singer considera que qualquer ser que possa sentir dor deva ser respeitado, independentemente da espécie a qual pertence. Assim, é condenável infligir dor aos animais de corte porque eles são sensíveis a ela e, como acontece conosco também, é de interesse deles viver sem sofrer. Apesar disso, o filósofo argumenta que a morte de um animal não-humano que não tem autoconsciência não é algo tão terrível quanto a morte de uma pessoa. O sofrimento, na ideia do filósofo, é o maior problema. E, como os animais de corte geralmente levam uma vida cheia de tormentos, desde o nascimento até o abate, a dieta vegetariana deveria ser adotada por quem se preocupa com o bem-estar desses animais.
        Uma abordagem diferente sobre a questão do sofrimento animal é a do filósofo galês Mark Rowlands, outro autor já citado algumas vezes aqui. Rowlands modifica a ideia de John Rawls sobre a posição original para argumentar que devemos ter mais consideração pela vida de outros seres. Imagine que você passasse toda a sua vida em um cubículo no qual seu corpo mal cabe e ainda você divide o lugar com outros indivíduos. Durante sua vida você acaba se machucando muito pois não consegue sequer ficar de pé por vários minutos seguidos e briga constantemente com os outros confinados devido ao estresse da convivência. Sua vida fica assim, até o final. Certamente, esse sofrimento perpétuo não é desejado por você, nem por ninguém. E por que, então, é aceitável para aves, como galinhas, ou porcos? Alguns dizem que se pode manter os animais nessas condições porque eles não são humanos, e não temos nenhuma obrigação moral com eles. Mas, e se você estivesse no lugar deles?
        Espero que o aumento da consciência em relação à vida dos animais não-humanos seja um caminho sem volta. Estamos no século XXI, e não podemos, de modo algum, tolerar barbáries contra qualquer espécie animal. Em breve, torço para que situações como a mostrada na reportagem da TV australiana (clique aqui para ver, se tiver coragem) sirvam somente como exemplo, para as futuras gerações, de quão selvagens nós já fomos.

2 comentários:

  1. Eu gostaria de compartilhar contigo essa tua esperança do último parágrafo, Guilherme, mas sinceramente, acho que a turba que se adonou do planetinha já passou do ponto-sem-volta faz tempo. Sim, é imprescindível que continuemos pentelhando e fazendo nossa parte, mas a natalidade humana está completamente fora de controle, e não vejo meios dessas informações e dessa educação chegar, sequer, a metade da população mundial, seja ela da classe ou "casta" que for.
    Talvez muitos de nós precisem "levar" para aprender. Lembro bem das pancadas que levei quando chutei um gato, nos meus tempos de piá. Mudou tudo para melhor. E também lembro da sensação, há muitos anos, quando me vi obrigado a ajudar a abater um bezerro para churrasco, o mesmo que eu tinha, literalmente, "criado desde pequeninho". É por essas que, mesmo não suportando saber dessas notícias ou tentar assistir esses videos que divulgam na internet, sou completamente a favor de sua repercussão: quem sabe o trauma cauterize a insanidade.

    J.Cataclism

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  2. Oi J. Cataclism,

    Infelizmente, o ser humano ainda pensa melhor em termos quantitativos do que qualitativos. É por isso que vemos famílias com dez filhos, quando os pais não têm condições de criar dois adequadamente. Numa situação dessas, você tem dez crianças que vivem mal quando poderia ter duas e investir muito mais nelas. No entanto, se você falar em planejamento familiar, corre o risco de ser chamado de nazista ou fascista. Assim, com cada vez mais gente no mundo e com menos investimento em cada indivíduo, as coisas saem dos trilhos facilmente. Isso explica, em parte, o mau funcionamento de nossa sociedade hoje, a bagunça e o desrespeito nas escolas, e até a falta de empatia por outros seres.
    Em breve, farei um post sobre Ismael, um romance de Daniel Quinn, que também fala de temas parecidos com os que você citou em seu comentário.

    Um abraço
    Guilherme

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