terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Filósofo e o Lobo

Por Guilherme

Se alguém nos pedisse para associar algum animal à palavra “lealdade”, os cães certamente viriam à cabeça da maioria. Afinal, vemos neles boa parte daquilo que nos falta, especialmente a fidelidade a nossos amigos e a incapacidade de mentir, dissimular e de esconder os piores sentimentos. “O melhor amigo do homem” é muito mais do que um simples rótulo.
Para o filósofo galês Mark Rowlands, seu maior amigo não era um cão, mas um lobo. E Brenin, o lobo, animal que é comumente tratado como vilão na maioria das histórias em que aparece, marcou profundamente a vida de Rowlands, modificando a visão do autor sobre temas como a felicidade, o sentido da vida, e a morte. As memórias de seus anos de convivência com o enorme Brenin estão em O Filósofo e o Lobo: lições da natureza sobre amor, morte e felicidade (Objetiva, 2010).
Escrito por um filósofo, para leigos, O Filósofo e o Lobo narra acontecimentos relevantes da relação de Rowlands com seu lobo para discutir como esses eventos moldaram definitivamente a vida do autor. A primeira lição foi a firme disciplina imposta pelo filósofo para que seu companheiro não destruísse completamente a casa onde moravam. De acordo com Rowlands, a disciplina não se opõe de nenhuma maneira à liberdade, mas a torna possível. Sem disciplina não há liberdade, somente licenciosidade. Pena que poucos tenham consciência disso.
O Filósofo e o Lobo é um livro escrito de modo brilhante e cheio de grandes reflexões. Há pensamentos grandiosos sobre vários temas e referências a importantes pensadores, como Nietzsche e John Rawls (vale a pena passar algum tempo refletindo sobre as implicações da ideia da “posição original”, desenvolvida por esse autor). É difícil selecionar a melhor passagem do livro, mas uma de minhas preferidas é essa:

“Mas existe outra forma, mais profunda e importante, de nos lembrarmos: uma forma de lembrança que ninguém jamais pensou em honrar com um nome. Trata-se da recordação de um passado que se imprimiu em nós, em nosso caráter e na vida que levamos – e que molda esse caráter. Não temos, normalmente, consciência dessas lembranças; muitas vezes nem são coisas que estão em nosso consciente. São elas, mais que qualquer outra coisa, que fazem de nós o que somos. Essas lembranças se manifestam nas decisões que tomamos, nos atos que praticamos e na vida que levamos.
            É em nossas vidas, e não, fundamentalmente, em nossas experiências conscientes, que encontramos as lembranças dos que se foram. Nossa consciência é instável, não é digna do trabalho de se lembrar. O modo mais importante de se lembrar de alguém é ser a pessoa em que esse alguém nos transformou – pelo menos em parte – e viver a vida que ele nos ajudou a moldar. Às vezes, ele não merece ser lembrado. Nesse caso, nossa tarefa existencial mais importante é removê-lo da narrativa de nossas vidas. Mas, quando ele merece ser lembrado, levarmos uma vida que ele ajudou a moldar não é apenas um modo de nos lembrarmos dele; é como honrarmos sua memória.”

- Clique aqui para ler uma entrevista do autor ao jornal O Estado de São Paulo.

Um comentário:

  1. "De acordo com Rowlands, a disciplina não se opõe de nenhuma maneira à liberdade, mas a torna possível. Sem disciplina não há liberdade, somente licenciosidade."

    Genial!
    :-D

    J.Cataclism

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