quinta-feira, 1 de março de 2012

Qualquer leitura é válida?

Por Guilherme

O jornalista Janer Cristaldo publicou um texto bastante instigante sobre a questão do aumento nos índices de leitura no Brasil. Segundo ele, apesar de os brasileiros estarem lendo mais, a qualidade das obras apreciadas (especialmente de auto-ajuda) é baixa, e isso não traz benefício cultural algum aos leitores.
A questão é delicada, polêmica, e rende boas discussões. Dos autores criticados por Cristaldo, o único que li foi Jô Soares. Não conheço a obra dos demais por falta de interesse, pois se quero ter contato com ideias interessantes, prefiro pegar livros de Daniel Dennett, Mark Rowlands e Steven Pinker a ler Paulo Coelho, Zíbia Gasparetto e Padre Marcelo Rossi.

O texto de Cristaldo pode ser lido aqui.

10 comentários:

  1. É, assunto complicado na certa!
    Do meu ponto de vista, uma boa parte dessas "leituras" é de importância tão discutível quanto aquele assunto que já foi mencionado por aqui, da suposta educação que é oferecida através das novelas do horário nobre.

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  2. Oi J. Cataclism,

    Também considero esse um assunto muito complicado. Não sou um relativista, creio que existem obras melhores que outras, e existe muita coisa ruim por aí. O problema é que o limiar entre o bom e o ruim pode ser muito estreito, e muita gente pode ler uma obra-prima e considerar uma grande porcaria, ou ler um livro tido como ruim e gostar muito dele. Uma das minhas obras preferidas, "Zen e a arte da manutenção de motocicletas", por exemplo, foi recusado mais de cem vezes por editores, que consideravam seu conteúdo fraco, e mesmo assim o livro de Pirsig virou um sucesso, sendo hoje um livro cultuado por muitas pessoas (embora execrado por outras tantas).
    Pessoalmente, não gosto de alguns autores pelo tipo de livro que escrevem, pelas suas fórmulas fáceis e mensagens enganosas. Os autores brasileiros que citei nesse post, na minha opinião, apresentam pelo menos uma das três características.

    Um abraço
    Guilherme

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  3. ...direto ao ponto, mesmo. E eu pensando que tu nunca tivesses lido "Zen..." hehehehe.

    Ok, mas, voltando ao tema, eu acredito que esse "problema" também tenha uma de suas raízes lá naquela antiga briga bastante conhecida dos professores: afinal, O QUE entregar aos alunos como leitura obrigatória para o bimestre / ano letivo? Best-sellers? Somente literatura nacional? Temas de vestibular (caso sejam necessários, pois não sei como ficou tudo após a invenção do ENEM)? Indicações do MEC? Lobby de editoras?

    Provavelmente eu esteja sendo repetitivo por aqui, mas nunca mais esqueci do texto que a Lya Luft publicou, há muitos anos, em sua coluna na revista Veja, alertando também para um certo ódio que os professores teriam das obras que eram obrigados a encaminhar aos alunos e, portanto, acabavam descarregando essa raiva no momento de formular as questões das provas.

    O que isso tem a ver? O aluno já não gosta "daquele" livro e ainda leva fumo na avaliação. Depois disso, se ainda se interessar por literatura, acaba optando só pelas leiturazinhas fáceis, que não demandem toda aquela interpretação de ironia, crítica ou noção de humanismo. Ou por aquilo que vê nas seções de "mais vendidos" na Tv e nas livrarias.

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  4. Minha opinião é um pouco diferente da do Guilherme. Acho que, a princípio, qualquer leitura é válida, sim, desde que acrescente algo ao leitor (nem que seja apenas alguns momentos de diversão, comoção ou até indignação). Não vejo mal nenhum em ler autoajuda - se a pessoa que lê esse tipo de livro também ler outras coisas. O que me incomoda é supervalorizar quem escreve autoajuda (porque, na maioria das vezes, livros desse tipo trazem um monte de lugares-comuns ligados uns aos outros por umas "anedotas de consultório") ou quem escreve livros ditados por um espírito O.o. Aliás, quanto a este último tipo de livro, tenho três comentários: 1) é uma pena que o espírito não tenha descoberto seu talento ainda em vida; 2) os créditos deveriam ser do espírito, não do mortal psicografador; 3) é incrível que todos os espíritos que contribuem com um único autor (como Zibia Gasparetto, por exemplo) tenham exatamente o mesmo estilo de escrita - acho que pertenceram à mesma escola literária. ;-)
    Enfim... boa discussão, Gui!

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  5. Oi J.Cataclism,

    Já ouvi alguns colegas professores comentarem sobre a leitura que seus alunos estavam fazendo. Alguns consideram válido que os adolescentes leiam "Harry Potter" ou outros do gênero, pois isso poderia despertar curiosidade pela leitura de mais obras. Esse argumento tem seus méritos, mas isso não ocorre com a maioria das pessoas.
    Outra preocupação diz respeito ao que você comentou acima: muitos alunos não se sentem atraídos pelos livros clássicos da literatura. Como despertar o interesse deles pela leitura? Como fazer com que leiam obras que tenham conteúdo, que demandem uma boa interpretação, e que tragam, como você escreveu, noções de humanismo? Como professor, minha resposta é: não sei, não sei mesmo. Mas aceito sugestões.

    Um abraço
    Guilherme

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  6. Psicografia! Sugira psicografia! heheheh.

    Pois é. Se, como aluno eu nunca soube (e não sei) o que poderia ser melhor, provavelmente também não o saberia enquanto professor.

    Adoro acompanhar as rodas de discussão a respeito das supostas literaturas mundanas, mas eu mesmo acho que nunca li nenhuma delas - nem Paulo Coelho, nem qualquer outro pregador de qualquer religão ou crença que seja. Então, sequer posso falar bem ou mal, mas não perco uma oportunidade de acompanhar a opinião dos outros a respeito.
    :-)

    Ao mesmo tempo, não tenho qualquer direito de reclamar da educação literária qua tive na escola. Exceto por coisas do tipo dos livros do Flávio Gikovate, na época em que cria-se unanimamente serem obrigatórios à educação dos adolecentes (?!?!), eu reconhecia uma importância em leituras como "Memórias Póstumas...", "Morte e vida Severina" e "O cortiço", por exemplo. Ainda assim, não lembro de ter gostado de algum deles.

    Passado o vestibular, fiquei sem pegar um livro de literatura por uns bons cinco ou seis anos, até cair naquele do cara que conversava com cavalos. Parti para ele porque pensava tratar-se de uma obra que, efetivamente, ensinasse o método de adestramento "sem violência", e descobri ser uma porcaria (a meu ver), da qual não consegui ler sequer 1/3. Ao trocá-lo, esbarrei no "Um General na Biblioteca", do Ítalo Calvino, e aí, sim, a vida mudou.

    Pra que relatar tudo isso? Várias vezes já me peguei pensando mais ou menos naquilo da resposta anterior (da Natália, creio eu): e se, naquele meio-tempo, naquele hiato de literaturas que tive, e se eu tivesse botado a mão numa autoajuda, por exemplo? Teria eu virado um fiel seguidor dessa linha? Ou teria anojado-me tanto que acabaria buscando algo melhor? Ou se tivesse empregado-me nalguma leitura espírita, para que lado iria na encruzilhada?

    É por isso que digo: por maior que seja a polêmica, nem que eu fosse professor eu ousaria sugerir algo! A "briga" chaga a ser cativante hehehehe.

    :-)

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  7. E, só pra aproveitar o momento de fritar os dedos no teclado e a tela de quem lê :-/ , também vejo outro ponto super positivo no "toda literatura": relacionamentos e interação social.

    Noto quando estou escutando amigas, amigos ou até alguma guria com quem eu saia: como é bom poder acompanhar os relatos, as opinições e conclusões de alguém que esteja lendo ou tenha apenas concluído a leitura de uma obra! Tudo bem, posso até achar um lixo o que foi lido, e talvez até não gostar das conclusões tiradas, mas, particularmente, acho apaixonante quando uma pessoa é capaz de manter um relato por um bom tempo, mostando que efetivamente aquela obra mexeu, de alguma forma, com suas ideias.

    É quase imbatível hehehhe

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    1. Oi J.Cataclism,

      Vou aproveitar um trecho do seu comentário:
      " acho apaixonante quando uma pessoa é capaz de manter um relato por um bom tempo, mostrando que efetivamente aquela obra mexeu, de alguma forma, com suas ideias"
      Me parece que pessoas assim, capazes de manter um relato sobre o que leu em algum livro, ou mesmo sobre um filme, ou sobre uma determinada música ou banda, são cada vez mais raras. É difícil você encontrar alguém que tenha um nível legal de conversa para trocar algumas ideias sobre coisas que vão além de fofocas, Big Brother e outras banalidades.

      Um abraço
      Guilherme

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  8. Lembro que na última vez em que lamentei o nível das leituras dos poucos adolescentes de minha cidade que ainda leem alguma coisa (Crepúsculo, Violetas na janela etc.), recebi como resposta uma pergunta que traduzia espanto: “O que você queria que eles lessem? Filosofia?”. Na hora, não tive resposta. Mas fiquei pensando: por que não? Nunca houve problema com a filosofia, ou com a boa ficção.

    Há anos atrás, tive uma boa e, ao mesmo tempo, difícil experiência – eu fazia um trabalho que deveria ter sido feito nas séries iniciais - com ensino de literatura em sala de aula; para alunos do Ensino Médio, lia em voz alta contos como “Um artista da fome”, “Na colônia penal” e “Diante da lei”, de Kafka, “O rouxinol e a rosa” e outros de Oscar Wilde ou o início de alguns contos de E. A. Poe. Os resultados foram dos mais variados e fiquei satisfeito vendo alunos irem à biblioteca pública buscar outras leituras recomendadas, no caso, Madame Bovary, O processo, Grandes esperanças, e voltando indignados à sala de aula sem terem encontrado tais obras. E eu, muito satisfeito, emprestava os meus exemplares.

    Sei que as coisas mudaram muito, e hoje ficaria satisfeito em simplesmente conseguir um pouco da atenção dos alunos, a cada dia mais distraídos pelo Facebook e outras coisas afins – quando o assunto é inutilidade, nunca faltam opções. Contudo, esse assunto é uma ferida aberta. Creio que tudo é uma questão de saber o que se quer encontrar na leitura. Se os leitores querem ópio, leem Zíbia Gasparetto ou Paulo Coelho. Se querem uma realidade idealizada, as opções são ainda mais numerosas. E não me lembro de leitores dessas obras deprimentes passarem a ler coisas melhores. E, mesmo sem querer, na convivência diária com leitores desses autores ou de revistas de fofocas, o que acabo aprendendo é um distanciamento sempre maior desse tipo de gosto, além de me tornar mais crítico em relação às minhas próprias leituras. Como em muitas coisas, creio que aqui também vale a lição de Voltaire: é preciso cultivar nosso jardim. E, quando houver, nunca perder as oportunidades de ajudar nos jardins alheios, desde que seja para melhor. Até porque estou extremamente longe de me habituar à ideia de que vivemos numa sociedade individualizada.

    Agradeço a vocês pela oportunidade de recordar e de refletir.

    Abraço!

    Luciano

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