Entre
os estudiosos contemporâneos das políticas educacionais, poucos são tão
destacados quanto a americana Diane Ravitch. Ravitch trabalhou nos governos de
George Bush (o pai) e Bill Clinton, escreveu inúmeros artigos e livros sobre
educação e atuou como professora e pesquisadora em destacadas universidades
americanas.
O último livro de Ravitch, Vida e Morte do Grande Sistema Escolar
Americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação
(Sulina, 2011) deve ser leitura obrigatória para professores e políticos que
tomam decisões sobre os rumos da educação brasileira, pois é uma espécie de
“tapa de luva” para quem imagina que a educação americana tem muito a nos
ensinar.
Estamos nos atrelando a algumas práticas e
modelos educacionais de resultado bastante discutível, como a avaliação (e
absoluta responsabilização) dos professores a partir do desempenho de seus
alunos em testes padronizados e a abertura de capital privado na administração
de escolas e instituições de ensino superior. Para alguns comentaristas, parte
da solução para os graves problemas educacionais brasileiros é diminuir a
interferência e controle do estado sobre os estabelecimentos de ensino,
deixando que “empresários da educação” (não sei se esse profissional existe,
mas creio que não deveria existir) apliquem a lógica do mercado no campo
educacional. Não tenho muita experiência com isso, mas vivi algumas situações
que me dizem que esse pensamento pode nos levar a um colapso social a partir da
formação de profissionais de baixa qualificação e de rasa formação cultural, um
perfeito exemplo da lógica “lucros individuais, prejuízos coletivos”. Quando se
prioriza dinheiro em detrimento de qualidade da educação, em uma instituição
educacional, é sinal de que algo está terrivelmente errado.
Vida
e Morte do Grande Sistema Escolar Americano apresenta uma argumentação
detalhada e consistente, com extensas referências sobre as questões comentadas
acima. Um ponto de destaque é que Ravitch era uma defensora de parte das
políticas que hoje condena, e sua opinião mudou com a experiência cotidiana em
instituições de ensino e através da observação de exemplos de como uma gestão
empresarial da educação pode ser danosa a alunos e professores.
Abaixo, transcrevo duas passagens do
primeiro capítulo do livro que merecem a leitura e reflexão.
“Há alguma coisa de confortadora sobre a
crença de que a mão invisível do mercado, como Adam Smith a chamou, trará
melhorias através de alguma força desconhecida. Na educação, essa crença nas
forças do mercado permite que nós reles mortais saiamos da forca, especialmente
aqueles que não descobriram como melhorar as escolas de baixa performance ou
como romper com a lassidão de adolescentes desmotivados. Ao invés de lidar com
problemas rancorosos, como de que forma ensinar a ler ou como melhorar a
testagem, pode-se redesenhar a administração e a estrutura do sistema escolar e
concentrar-se em incentivos e sanções. Não é preciso saber nada sobre crianças
e educação. O apelo do mercado é a ideia de que a libertação das mãos do
governo é a solução por si só. Essa ideia é muito tentadora, especialmente
quando tantas reformas escolares aparentemente bem planejadas falharam em
atender às expectativas.
Os novos reformadores corporativos demonstram sua precária compreensão
da educação construindo falsas analogias entre a educação e o mundo
empresarial. Eles pensam que podem consertar a educação aplicando princípios de
negócios, organização, administração, lei e marketing, e pelo desenvolvimento
de um bom sistema de coleta de dados que proporcione as informações necessárias
para incentivar a força de trabalho – diretores, professores e estudantes – com
recompensas e sanções apropriadas.”
“É tempo, eu acho, de aqueles que querem
melhorar nossas escolas focarem nos elementos essenciais da educação. Nós temos
que garantir que as nossas escolas tenham um currículo forte, coerente e
explícito, que seja enraizado nas artes e ciências, com muitas oportunidades para
as crianças se engajarem em atividades e projetos que tornem o aprendizado
vívido. Nós precisamos garantir que os estudantes ganhem o conhecimento que
precisam para compreender debates políticos, fenômenos científicos e o mundo em
que vivem. Nós precisamos nos certificar de que eles estão preparados para as
responsabilidades da cidadania democrática em uma sociedade complexa. Nós
precisamos cuidar para que nossos professores sejam bem educados, não apenas
bem treinados. Nós precisamos ter certeza de que as escolas tenham a autoridade
de manter tanto os padrões de aprendizado quando os padrões de comportamento.”
Currículos fortes em escolas,
oportunidades reais de aprendizado, estudantes com senso crítico desenvolvido e
com boas noções de cidadania, professores bem educados, e a autoridade nas
escolas. Que sonho, não?
Oi, Guilherme
ResponderExcluirEscrevi uma resenha sobre esse livro, publicada na revista Educação & Sociedade. Acho super importante divulgar, pois de fato representa uma lição para nossa política educacional brasileira. Está disponível no scielo em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302012000200017&script=sci_arttext
abç
Sara
Oi Sara,
ExcluirObrigado pelo link! Já salvei seu trabalho, e em breve pretendo ler o artigo. Concordo com você que devemos divulgar essas ideias, pois quem sabe assim elas iluminem os responsáveis pela tomada de decisões na política educacional brasileira.
Um abraço
Guilherme