Na
última segunda-feira, dia 12, o escritor moçambicano Mia Couto esteve no Salão
de Atos da UFRGS para realizar a última – e mais divertida – conferência do
programa Fronteiras do Pensamento. Demonstrando simpatia desde o início de sua
apresentação, Couto falou, entre outros temas, da capacidade de nosso
pensamento superar distintas fronteiras, como o medo, o preconceito e a ignorância.
Em relação ao preconceito, ou às ideias
preconcebidas, o escritor afirmou que não existe um brasileiro “típico”, pois
cada um dos habitantes do país representa um Brasil à sua maneira. Nosso país,
aliás, é um destino frequente do moçambicano, que se mostrou entusiasmado com a
maneira pela qual tem sido recebido em diversos estados brasileiros, mesmo
tendo enfrentado pequenos problemas com o significado de algumas palavras
também usadas em seu país, só que em outro contexto. “Bala”, por exemplo, é um
termo bastante traumático para habitantes de um país que foi palco de recentes
guerras, como Moçambique, e por isso Couto se assustou quando um taxista
perguntou se ele “queria uma balinha”, ao oferecer ao africano o doce mais
famoso do Brasil, mas que não é conhecido em Moçambique por esse nome.
Mia Couto é também biólogo, e em uma saída a
campo no norte de seu país ele ouviu relatos de pessoas que estavam sendo
atacadas e mortas por leões. Precisando dormir em uma barraca próxima à região
dos ataques, Couto refletiu sobre as fronteiras que separam os humanos dos
outros animais. Na ocasião, os tradicionais papeis de caçador e caçado haviam
se invertido, e os humanos temiam encontrar os grandes felinos e acabarem devorados
por eles. A amedrontadora experiência inspirou Mia a escrever A Confissão da Leoa (Companhia das Letras,
2012), sua mais recente obra.
O escritor terminou a sua conferência com a
história de um menino que conheceu em Moçambique. Couto disse que voltava para
sua casa à noite quando percebeu um menino encostado em um muro, com uma mão
atrás das costas. O garoto foi até ele e entregou-lhe um livro de autoria de
Mia, que tinha uma foto do autor na capa. “Esse livro é seu”, disse o menino.
Mia queria saber como o menino havia conseguido o livro, e ouviu algo como “Vi
esse livro com uma moça, reconheci a sua foto na capa e perguntei se o livro
era do Mia Couto. Ela disse que sim, eu tirei o livro dela e vim até aqui
devolvê-lo ao senhor.” Mia deixou que o menino, analfabeto, ficasse com o livro.
Anos depois, o garoto foi ao escritório do autor para devolver o livro que,
para a surpresa de Mia, estava com alguns versos anotados em suas páginas.
Versos criados pelo garoto, que havia aprendido a ler e a escrever incentivado pelo
trabalho do escritor.
Ainda não li nenhuma obra de Mia Couto – A Confissão da Leoa será a primeira –,
mas saí de sua conferência com a sensação de que seu status como um dos grandes
contadores de histórias em língua portuguesa no mundo contemporâneo é merecido.
Creio que as outras pessoas que acompanharam a conferência, e aplaudiram Mia
Couto de pé ao seu final, concordam com isso.
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