domingo, 6 de janeiro de 2013

O Que o Dinheiro Não Compra


Há três anos, fui a Montevidéu para um curso de duas semanas sobre comportamento animal. Poucos dias antes da volta, percebi que estava sofrendo da infame “gastrenterite do viajante”, com febre e calafrios por todo o corpo. Cheguei ao Brasil e fui procurar um hospital para receber o tradicional soro, ou qualquer outro tipo de tratamento, pois estava me sentindo muito mal. Dirigi-me a um centro médico, e quando cheguei vi que cerca de dez pessoas esperavam pelo atendimento. Falei com a atendente, descobri que o local não aceitava meu plano de saúde, e então decidi que pagaria pela consulta.
    Fiquei sentado por menos de cinco minutos na sala de espera quando ouvi meu nome. “Pode passar!”, disse a atendente. Olhei para o lado e a fila de pessoas esperando pelo atendimento continuava a mesma. “Mas, e eles? Eles não estão esperando para serem consultados também?”, pedi. “Sim, mas o plano deles é pago pela prefeitura.” Aí entendi o funcionamento das coisas: se você paga, você é prioridade. Se precisa ser atendido por um plano de saúde público, espera. Não aceitei ser consultado de imediato, e disse à atendente que eu iria esperar pela minha vez, depois daqueles pacientes. Ela fez uma expressão estranha, pensou que eu era um idiota, mas pegou a ficha novamente e chamou uma daquelas pessoas que esperava por lá há não sei quanto tempo.
    Enquanto eu esperava pela minha vez de ser consultado, fiquei pensando no quanto o dinheiro tem moldado a nossa sociedade. Hoje, tudo gira em torno de valores financeiros e lucro. O próprio termo “prosperidade” virou sinônimo de riqueza. Se décadas atrás tínhamos apenas uma economia de mercado, hoje temos uma sociedade de mercado. Tudo parece ter seu preço.
    “Sociedade de mercado” é o termo usado pelo filósofo americano Michael Sandel em O Que o Dinheiro Não Compra: os limites morais do mercado (Civilização Brasileira. 2012) para descrever a mercantilização de quase tudo à nossa volta. Muitos exemplos usados por Sandel vêm dos Estados Unidos, berço desse tipo de sociedade, e vão de alunos que recebem uma pequena quantia de dólares por livro lido durante o ano escolar até companhias que auxiliam você a fugir de filas em parques e aeroportos, desde que você pague um valor adicional. A mercantilização das relações sociais também criou novas possibilidades de ocupação, e uma das mais esquisitas é a do sujeito que fica horas, ou dias, em filas, guardando o lugar para lobistas assistirem a reuniões no congresso americano. As pessoas que se sujeitam a esse tipo de emprego são, em sua maioria, indivíduos sem-teto.
    Sandel propõe uma discussão a respeito de até que ponto podemos aceitar que valores historicamente considerados cívicos sejam tratados como produtos de mercado. De acordo com o autor, ao mercantilizar a sociedade, corremos sério risco de viver em um mundo que esqueceu normas básicas de civilidade, além de estarmos propensos a todos os tipos de corrupção. Nos termos de Sandel, corrupção significa mais do que subornos ou pagamentos ilícitos. É também degradação moral e de valor. E, por isso, é a raiz de vários males, dos quais os mais conhecidos são os políticos.
    Ainda não finalizei a leitura de O Que o Dinheiro Não Compra, mas a considero tão interessante, ou até melhor, do a obra anterior de Sandel, Justiça: o que é fazer a coisa certa. Discutir valores deveria ser algo essencial em qualquer sociedade moderna, escreve Sandel. Do mesmo modo, devemos estar atentos e cuidar para que muitos valores cívicos importantes à nossa sociedade não sejam transformados em mercadoria e nem em moeda de troca em qualquer tipo de barganha.


Os dois vídeos abaixo são de uma entrevista concedida por Sandel à Globo News, na qual o filósofo aborda principalmente temas de seu primeiro livro, Justiça, mas que também estão presentes em O Que o Dinheiro Não Compra.


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