Há
três anos, fui a Montevidéu para um curso de duas semanas sobre comportamento
animal. Poucos dias antes da volta, percebi que estava sofrendo da infame
“gastrenterite do viajante”, com febre e calafrios por todo o corpo. Cheguei ao
Brasil e fui procurar um hospital para receber o tradicional soro, ou qualquer
outro tipo de tratamento, pois estava me sentindo muito mal. Dirigi-me a um
centro médico, e quando cheguei vi que cerca de dez pessoas esperavam pelo
atendimento. Falei com a atendente, descobri que o local não aceitava meu plano
de saúde, e então decidi que pagaria pela consulta.
Fiquei sentado por menos de cinco minutos
na sala de espera quando ouvi meu nome. “Pode passar!”, disse a atendente.
Olhei para o lado e a fila de pessoas esperando pelo atendimento continuava a
mesma. “Mas, e eles? Eles não estão esperando para serem consultados também?”,
pedi. “Sim, mas o plano deles é pago pela prefeitura.” Aí entendi o
funcionamento das coisas: se você paga, você é prioridade. Se precisa ser
atendido por um plano de saúde público, espera. Não aceitei ser consultado de
imediato, e disse à atendente que eu iria esperar pela minha vez, depois
daqueles pacientes. Ela fez uma expressão estranha, pensou que eu era um
idiota, mas pegou a ficha novamente e chamou uma daquelas pessoas que esperava
por lá há não sei quanto tempo.
Enquanto eu esperava pela minha vez de ser
consultado, fiquei pensando no quanto o dinheiro tem moldado a nossa sociedade.
Hoje, tudo gira em torno de valores financeiros e lucro. O próprio termo
“prosperidade” virou sinônimo de riqueza. Se décadas atrás tínhamos apenas uma
economia de mercado, hoje temos uma sociedade de mercado. Tudo parece ter seu
preço.
“Sociedade de mercado” é o termo usado pelo
filósofo americano Michael Sandel em O
Que o Dinheiro Não Compra: os limites morais do mercado (Civilização
Brasileira. 2012) para descrever a mercantilização de quase tudo à nossa volta.
Muitos exemplos usados por Sandel vêm dos Estados Unidos, berço desse tipo de
sociedade, e vão de alunos que recebem uma pequena quantia de dólares por livro
lido durante o ano escolar até companhias que auxiliam você a fugir de filas em
parques e aeroportos, desde que você pague um valor adicional. A
mercantilização das relações sociais também criou novas possibilidades de
ocupação, e uma das mais esquisitas é a do sujeito que fica horas, ou dias, em
filas, guardando o lugar para lobistas assistirem a reuniões no congresso americano.
As pessoas que se sujeitam a esse tipo de emprego são, em sua maioria,
indivíduos sem-teto.
Sandel propõe uma discussão a respeito de
até que ponto podemos aceitar que valores historicamente considerados cívicos
sejam tratados como produtos de mercado. De acordo com o autor, ao
mercantilizar a sociedade, corremos sério risco de viver em um mundo que
esqueceu normas básicas de civilidade, além de estarmos propensos a todos os
tipos de corrupção. Nos termos de Sandel, corrupção significa mais do que
subornos ou pagamentos ilícitos. É também degradação moral e de valor. E, por
isso, é a raiz de vários males, dos quais os mais conhecidos são os políticos.
Ainda não finalizei a leitura de O Que o Dinheiro Não Compra, mas a
considero tão interessante, ou até melhor, do a obra anterior de Sandel, Justiça: o que é fazer a coisa certa.
Discutir valores deveria ser algo essencial em qualquer sociedade moderna,
escreve Sandel. Do mesmo modo, devemos estar atentos e cuidar para que muitos
valores cívicos importantes à nossa sociedade não sejam transformados em
mercadoria e nem em moeda de troca em qualquer tipo de barganha.
Os
dois vídeos abaixo são de uma entrevista concedida por Sandel à Globo News, na
qual o filósofo aborda principalmente temas de seu primeiro livro, Justiça, mas que também estão presentes
em O Que o Dinheiro Não Compra.
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