terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Onde Está Tudo Aquilo Agora?


O mineiro Fernando Gabeira considera estranho que as pessoas o reconheçam mais pela sua atuação na política nacional do que por seu trabalho no jornalismo, ofício que iniciou ainda na adolescência e que continua nos dias atuais, através de seu site pessoal, seu blog, artigos para o Estado de São Paulo, e de reportagens especiais para canais de TV brasileiros.
   O fato de Gabeira ser mais associado à política se deve ao fato de que ele participou ativamente do cenário político brasileiro desde a época da ditadura militar, quando ingressou em um grupo de resistência ao regime que protagonizou uma das mais famosas histórias da época, o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, solto do cativeiro em troca da liberdade de prisioneiros políticos. Apesar de não ter tido uma participação direta no sequestro (Gabeira morava de aluguel em uma casa espaçosa, que por isso foi escolhida para ser o cativeiro do embaixador), o jornalista foi preso e, depois de ficar algum tempo em cárceres brasileiros, foi exilado. O tempo fora do Brasil terminou com a anistia, em 1979, e Gabeira pode retomar as suas atividades como jornalista e iniciar uma nova etapa de luta política, agora ao lado de antigos e novos companheiros em partidos políticos oficiais, na década de 1980.
   Em Onde Está Tudo Aquilo Agora? Minha vida na política (Companhia das Letras, 2012), Gabeira reflete sobre a vida política brasileira nas últimas décadas. Deputado federal de destaque pelo PT e PV, Gabeira deixou a política há poucos anos, e agora se dedica ao jornalismo e à luta pelas causas que tem abraçado há décadas – como o ambientalismo – mas fora de gabinetes ou de partidos políticos.
   Tenho um grande respeito por Fernando Gabeira desde a época em que, como ele, simpatizava com o Partido dos Trabalhadores. Politicamente, estou mais à esquerda do que à direita, mas não me sinto representado por nenhum partido político. Gabeira deixou a política desiludido com os rumos que o PT, um partido que se afirmava diferenciado, tomou. “Sonhei o sonho errado”, disse ele no plenário da Câmara em 2003, ao anunciar a desfiliação do PT, considerando que o projeto de transformação do Brasil não caminhava em sintonia com as promessas, e se assemelhava à velha esquerda comunista do leste europeu, despreocupada com as consequências ambientais dos projetos de produção que incentivava, incapaz de olhar para si própria criticamente, e incapaz de denunciar a exploração social quando ela ocorria em países camaradas, como Cuba.
Em sua obra de memórias, Gabeira escreve sobre o país depois do segundo mandato de Lula, comentando a estranha política de alianças do governo federal com aqueles que, há muito pouco tempo, eram considerados pelo próprio partido do presidente os grandes ladrões do Brasil:

“Consolidou-se uma aliança da esquerda triunfante com os políticos tradicionais e coronéis nordestinos. Os primeiros trouxeram uma justificativa teórica para o bloqueio das investigações perpetrado pelos segundos. Tudo é feito em nome de um projeto que distribui rendas e reduz desigualdades sociais. Os adversários são rapidamente engavetados no escaninho, com o rótulo de direitistas.
   Para que as práticas tradicionais, sobretudo o desvio de dinheiro público para a própria conta bancária, se consolidassem, foi necessária a também paciente construção de uma nova língua. Isso aconteceu de forma caricata no livro de Orwell, 1984. No Brasil, não foi muito diferente. Para justificar o dinheiro ilegal recebido de empresas e não registrado no Tribunal Eleitoral, traduziram a conhecida expressão “caixa dois” por “recursos não contabilizados”.

   Gabeira também critica duramente o empreguismo que tomou conta do Brasil nos últimos anos. Para trabalhar em determinados governos, pouco importa se você é qualificado para exercer a função para a qual foi designado. Basta ter a carteirinha do partido e um bom histórico de contribuição à “causa” de sua sigla partidária:

Naquela altura, quando estourou o escândalo do mensalão, outros temas me entristeciam, tanto que os mencionei também num discurso contra a atuação de José Dirceu à frente da Casa Civil: o governo não reagia ao desmatamento na Amazônia e tinha culpa na morte das crianças guaranis-caiuás em Dourados.
   Esse último episódio ficou engasgado na minha garganta. Participei de uma comissão que foi investigar uma sequência de mortes de crianças na reserva guarani-caiuá de Dourados, e fiquei arrasado ao concluir que aquelas crianças morreram pela incompetência da equipe da Funasa responsável pela área indígena. O pior: os membros da equipe haviam sido escolhidos por critérios políticos, desalojando bons profissionais. Ainda em nossa investigação surgiram evidências de mau uso do dinheiro, notas fiscais estranhas, indicações claras de que houvera uso eleitoral de recursos. Os grupos que prometiam mudar a vida política do Brasil, varrer os velhos e maus costumes, tinham capitulado.

Onde Está Tudo Aquilo Agora? é mais do que um resumo da vida e da atuação de Gabeira: é uma versão breve da história contemporânea da política brasileira. Nela, encontramos personagens pitorescos como José Sarney, Renan Calheiros, Zé Dirceu, Severino Cavalcanti, Jair Bolsonaro e Ideli Salvatti – todos eles foram, ou ainda são, nossos representantes. Infelizmente, para cada Gabeira que temos na Câmara, há uma centena de Dirceus. Retrato de um país que se deixou encantar pelo “rouba, mas faz”, slogan sempre associado ao politicamente eterno Paulo Maluf, mas que se ajusta muito melhor hoje àqueles que o criticavam há quase duas décadas.

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