quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Livro da Minha Vida (3)

Por Tales Armiliato*    

     Contar a vida real através de testemunhos de uma profissão, a de jornalista, por vezes parece muito simples, mas não é. Escrever e publicar o cotidiano dos fatos, os acontecimentos envolvendo pessoas, representa demonstrar o que a vida também tem de ruim e de sofrimento. No dia a dia são inúmeros os exemplos: a falta de segurança, as mortes nas favelas, a briga pela liderança no tráfico de drogas e a corrupção em meio à política e aos próprios órgãos de segurança. Muitas vezes, aqueles que deveriam proteger ficam à margem da situação. Por isso, entre as leituras que marcaram a minha vida, seguindo a paixão pelo jornalismo e sua verdadeira função social, recordo do livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, do jornalista Caco Barcellos. Gaúcho e repórter da Rede Globo de Televisão, Caco é reconhecido pelo estilo marcante de suas reportagens. Em Rota 66, é apresentado ao leitor o verdadeiro mundo do crime com suas mais organizadas facções, infelizmente até na polícia. Sem escrúpulos. A vida real. A mais pura verdade, nua e crua, de uma sociedade brasileira que por vezes tenta esconder que a realidade de fatos possui consequências que se estendem pelos anos e na memória de muitas pessoas. A obra trata do triste episódio do assassinato de um grupo de jovens de classe média de São Paulo por uma incorreta ação de uma unidade da conhecida Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). O rumo da história começa a partir deste fato. O problema é que muitos outros assassinatos acontecem sem motivo, realizados pela polícia militar, que atira antes mesmo de perguntar. No livro-reportagem, Caco Barcellos também traz um pouco do dia a dia do repórter policial e investigativo. Ele relata suas experiências jornalísticas e aonde vai para conseguir o relato de suas fontes. O jornalista chega a lugares evitados até pela própria polícia e levanta um verdadeiro arquivo com dados e informações reveladoras sobre vítimas de tiroteios com a polícia militar. O livro Rota 66 se divide em três partes e prende a atenção do leitor como uma espécie de prisão ou filme de verdadeira ação cinematográfica. Fascinante! Os detalhes da obra chamam a atenção já no parágrafo inicial do livro, capítulo 1 – A perseguição:

"A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15 segundos: a sirene parece o ruído de um monstro enfurecido. Os faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio, com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos três homens do Fusca azul. Eles estão na Maestro Chiafarelli e têm à frente uma parede de automóveis à espera do sinal verde para o cruzamento da avenida Brasil".


      Rota 66 - A História da Polícia que Mata, representa um belo incentivo aos profissionais da área e amantes da escrita. Um verdadeiro estímulo ao aperfeiçoamento de novas habilidades. Lembrar de Caco Barcellos é falar de um de nossos melhores jornalistas brasileiros na atualidade. Um homem de cabelos grisalhos e de meia estatura, conhecido pela crítica jornalística do centro do país como a “voz da minoria e das vítimas da violência”. Lembro que esta também é uma bela caracterização que ele mesmo gosta de acrescentar, sempre, durante suas palestras pelo Brasil e principalmente aos futuros jornalistas. Diz ele: “eu sou assim, e por que mudar?”    

* Tales Armiliato é jornalista e repórter da Rádio São Francisco SAT – Caxias do Sul – RS.

"O Livro da Minha Vida" é um projeto do Blog Página Virada. O blog publicará regularmente um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Para participar, mande seu texto para paginaviradablog@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Tales, parabéns pelo texto!
    Caco Barcellos tem esse poder de nos prender, seja através dos seus livros ou reportagens na TV.

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