quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Pensar melhor, para refinar nossas ideias e evitar os lugares-comuns

Existem várias respostas a perguntas referentes ao sentido de termos escolas e de educarmos formalmente alguém. Eu tendo a concordar com autores como John Dewey e, principalmente, Matthew Lipman, que defendiam que o objetivo educacional mais importante é nos fazer pensar melhor. Em A filosofia vai à escola (Summus, 1990), Lipman afirma que “nenhuma acusação à educação é mais séria do que a acusação de que ela favorece atitudes acríticas em vez de críticas” – o termo “crítica”, aqui, não deve ser entendido em seu sentido popularmente mais conhecido, como uma apreciação desfavorável ou uma constante busca de erros e de defeitos em alguma ideia. O que Lipman aponta é que escola deveria favorecer atitudes reflexivas, ponderadas, que estejam bem fundamentadas em razões, ou seja, razoáveis (esse é um termo muito usado pelo autor em seus escritos – um sujeito razoável, afirma Lipman, é alguém que faz uso constante da razão).
        A ideia de que a escola deve nos ajudar a pensar melhor não indica que o bom pensamento é um fim em si mesmo. Lipman argumentava que nós deveríamos nos preocupar em pensar melhor para melhorar os nossos julgamentos a respeito das mais variadas ideias às quais somos expostos. O refinamento de nossos julgamentos, conclui o autor, é o caminho mais confiável para termos uma vida melhor (individual e socialmente), considerando que nós costumeiramente agimos de acordo com aquilo que pensamos. Em O pensar na educação (Vozes, 2008), Lipman escreve:

O objetivo do processo educativo é o de ajudar-nos a formar melhores julgamentos a fim de que possamos modificar nossas vidas de maneira mais criteriosa. Julgamentos não são fins em si mesmos. Nós não experienciamos obras de arte a fim de julgá-las; julgamos estas a fim de sermos capazes de ter experiências estéticas enriquecedoras. Fazer julgamentos morais não é um fim em si mesmo; é um meio de melhorar a qualidade de vida.

        Pensar bem para formar melhores julgamentos parece ser algo razoável. E, quando se fala em “bom pensamento” nos termos descritos por Lipman – e resumidos nos parágrafos acima –, encontramos na literatura educacional a expressão “pensamento crítico” como seu correlato. Segundo o filósofo norte-americano Harvey Siegel, pensamento crítico é uma expressão que deve ser entendida normativamente como um conjunto de habilidades cognitivas e disposições comportamentais desejáveis para que alguém possa pensar melhor. Entre essas habilidades, por exemplo, estão a capacidade de entender e avaliar argumentos e a de pensar a respeito de seu próprio pensar (metacognição). Entre as disposições, a mais destacada é o chamado “espírito crítico”, ou seja, a inclinação que um sujeito tem a sempre procurar pensar de maneira aprofundada a respeito de algum tema, buscando razões e evidências que orientem o seu pensamento. A respeito do pensamento crítico, Siegel afirma:

Por causa dessa conexão entre razões e princípios, o pensamento crítico é um pensamento baseado em princípios: devido ao fato que os princípios envolvem consistência, o pensamento crítico é imparcial, consistente e não-arbitrário, e o pensador crítico tanto pensa quanto age de acordo com, e valoriza, a consistência, a justiça e a imparcialidade do julgamento e da ação. O julgamento crítico, baseado em princípios, em sua rejeição da arbitrariedade, inconsistência e parcialidade, pressupõe o reconhecimento da força dos padrões, considerando-os como universais e objetivos, de acordo com os quais os julgamentos devem ser feitos. Em primeira instância, tais padrões envolvem critérios pelos quais os julgamentos podem ser feitos com relação à aceitabilidade de várias crenças, afirmações e ações – ou seja, eles envolvem critérios que permitem a avaliação da robustez e da força das razões que podem ser oferecidas em suporte a crenças, afirmações e ações alternativas

        Além de ressaltar a importância de critérios para se pensar criticamente, Siegel apresenta um aspecto que eu considero o mais relevante, e difícil de ser atingido, para se pensar criticamente e fazer bons julgamentos: a imparcialidade. Todo ser humano é carregado de ideias, posições ideológicas, visões de mundo, etc. Além dessa carga de informação preconcebida, temos um aparato psicológico bastante eficiente em solidificar nossas crenças e elaborar mecanismos para defendê-las. Por isso é difícil pensar de modo imparcial, considerando somente as razões ou evidências às quais temos acesso, sem incutir nelas qualquer preferência pessoal.
      Consideremos o caso do aquecimento global antropogênico (AGA, também denominado “mudança climática antropogênica”), a ideia de que a atividade humana tem impactado o clima de nosso planeta. Nos Estados Unidos, é comum que um cidadão alinhado ao partido democrata aceite a ideia do AGA, enquanto outro, alinhado ao partido republicano, a rejeite. No entanto, provavelmente a aceitação ou rejeição da ideia do AGA tenha em seu âmago um forte viés ideológico: se o mundo está ficando cada vez mais quente, e se isso se dá devido ao aumento da concentração de gases estufa na atmosfera que, por sua vez, são em sua maioria resultado de atividade industrial, então é sensato que ocorram interferências nos sistemas de produção industrial, especialmente nos países que mais poluem, um cenário visto com maus olhos por um republicano, mas compatível com o pensamento democrata; por outro lado, se o AGA não existe, isso significa que não há nenhuma razão em restringir ou modificar qualquer aspecto da produção industrial, e assim a economia dos grandes países industrializados está a salvo de potenciais danos, em um cenário que agrada aos republicanos muito mais do que aos democratas. Assim, o AGA – que deveria estar somente no âmbito da ciência, pelo menos no que se refere à sua ocorrência (existem evidências para ele? O que diz o consenso científico a respeito do tema?) – acaba se tornando uma discussão carregada de ideologia, e guiada por ela.
        Casos como o do aquecimento global antropogênico e tantos outros (evolução X criacionismo, conspiracionistas que fazem campanhas contra a vacinação, negadores do holocausto, etc.) não nos mostram que é impossível ser imparcial quando ponderamos a respeito de determinada questão. Afinal, depois de toda a discussão que esses assuntos suscitaram, é possível saber para onde a preponderância das evidências aponta, e assim entender quais são as melhores ideias em cada caso (o AGA tem acontecido; a teoria da evolução biológica abrange o que melhor sabemos a respeito de como a vida evoluiu em nosso planeta; as vacinas funcionam, salvam vidas, e devem ser aplicadas conforme tradicionalmente se recomenda; o holocausto aconteceu, e resultou em milhões de pessoas mortas pelos nazistas). Aceitar a preponderância das evidências, mesmo que elas entrem em conflito com nossa visão de mundo, isso é ser imparcial no sentido apresentado por Siegel. A parcialidade, nesse caso, deve estar atrelada às razões e às evidências. "Se existirem boas razões para se aceitar 'A', mas minha visão de mundo está de acordo com 'B', o que fazer?" Se fortes razões existirem, um sujeito imparcial, fazendo um bom julgamento, deve considerar seriamente abandonar a ideia B em favor de A.
        Reli Lipman e Siegel há pouco tempo e, durante a leitura, refleti sobre a maneira pela qual uma série de debates é feita no Brasil. É muito comum encontrarmos chavões no lugar de ideias. Lugares-comuns abundam por aqui, e uma consulta aos comentários postados por leitores em páginas de notícias, ou em redes sociais, demonstra que as pessoas parecem mais empenhadas em atestar que abraçam determinada causa ou ideia do que propriamente a entendem. Se você solicitar a alguém que explique porque ele imagina que o Brasil está sob ameaça de golpe comunista (como algumas pessoas aparentemente propensas a ideias conspiracionisitas acreditam), dificilmente você receberá um conjunto de boas razões para aceitar essa ideia estranha. Igualmente, é provável que faltem bons argumentos para aqueles que costumam brincar com palavras ou expressões politicamente corretas, mas que não conseguem sustentar as suas ideias depois de uma ou duas perguntas pertinentes.
        Criamos uma cultura na qual uma virtude inquestionável é agarrar-se a alguma ideia e defendê-la a qualquer custo de exame externo – uma cultura que se opõe à defendida por autores como Matthew Lipman, por ser incompatível com o bom pensar. Um sujeito que passa a vida inteira repetindo bordões, mesmo sem ter pensado criticamente a respeito deles, é considerado por muitos como um bom exemplo intelectual. A dúvida, ou mesmo o abandono da crença em determinada ideia, não são virtudes bem cotadas entre nós. O filósofo americano Peter Boghossian, em seu corajoso A manual for creating atheists (Pitchstone Publishing, 2013), escreve a respeito dessa questão com muita propriedade:

Enquanto sociedade, temos considerado como virtude a importância de se acreditar em alguma coisa e de defender nossas crenças. A frase comum ‘defenda aquilo que você acredita’ tem sido tomada como algo positivo – uma virtude que deveria ser aspirada por todos, e uma deficiência moral se não for seguida.
        Se alguém deveria defender ou não aquilo em que acredita, isso depende exclusivamente em 'o que' esse sujeito acredita, e porque ele acredita nisso. Ter uma firme crença não é uma virtude. Nenhuma inferência moral confiável pode ser feita a respeito de um indivíduo baseado na força de sua convicção.


        Penso que nós todos deveríamos nos esforçar sinceramente para abrir um espaço importante para o pensamento imparcial, para as boas razões e evidências em nossa maneira de interagir com o mundo e sustentar nossos juízos a respeito de qualquer assunto. Pensar bem não implica defendermos a qualquer custo aquilo em que acreditamos, mas demanda honestidade intelectual suficiente para reavaliarmos nossas posições e ideias com base nas melhores evidências disponíveis, deixando um espaço considerável para a possibilidade de estarmos errados. E, no que diz respeito à possibilidade de alguém estar errado, a honestidade intelectual deveria fazer com que todos nós constantemente nos perguntássemos: que tipo de evidência ou razão eu preciso para concluir que determinada ideia – que eu aceito há algum tempo – não é tão boa quanto eu pensava e que, por isso, eu preciso revisá-la? Se existir alguma evidência ou razão que poderia confrontar nossas crenças, e nós estamos dispostos a analisá-la, então estamos desenvolvendo uma atitude que pode nos afastar de dogmatismos e nos conduzir a um pensar melhor.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A importância de boas doses de ceticismo

O filósofo Massimo Pigliucci escreve que, certa vez, foi convidado por um programa de rádio americano para falar sobre a questão da evolução biológica e do criacionismo como explicações para a evolução da vida no planeta, um assunto bastante discutido em certas partes dos Estados Unidos, especialmente na região central do país. O outro convidado era o também cético Michael Shermer. Pigliucci afirma que o locutor do programa do qual estavam participando ficou intrigado ao perceber que os dois convidados pareciam pessoas bastante amigáveis, que sorriam e eram cordiais, ou seja, eram pessoas muito felizes para “serem céticos”.
A visão do radialista americano sobre o que é um cético é compartilhada por muita gente. Há poucos dias, a revista UFO, no Brasil, publicou em sua página do Facebook um manifesto contra os “céticos” que não aceitam que as marcas surgidas em uma plantação no interior de Santa Catarina no começo do mês sejam obras de alienígenas. O comunicado diz:

Amigos, deixando de lado estas discussões com céticos tolos, que há anos se repetem em sua incredulidade e perdem grandes chances de abrirem suas mentes para aquilo que não conseguem entender, vamos prosseguir com a conversa de maneira construtiva. Até porque, em mais de três décadas dedicadas à Ufologia, encontrei todo tipo de cético pela frente, menos um: O CÉTICO INTELIGENTE! Esse não existe, porque, quando há inteligência, não pode haver ceticismo.
Todos os céticos que conheci, infelizmente, são de uma pobreza mental de dar dó. Ultrapassados, limitados, ignorantes (no sentido de não buscarem informações que desafiem o que conhecem), ranzinzas e chatos. Deixemos os caras de lado, mas não sem antes relembrarmos a eles: moçada, Ipuaçu fica em Santa Catarina, não em Katmandu. Para se chegar lá e ver as coisas pessoalmente, há estradas e o local não é inacessível. Pode-se ir até lá por inúmeras rodovias, ok? Então, help yourself, senhores céticos!

De acordo com o texto da revista, ceticismo e inteligência são características incompatíveis. Um cético é um sujeito de mente fechada e que, por isso, não percebe quantas coisas está deixando de saber. A mente fechada é um sinal de pobreza intelectual, segue o comunicado da revista, e os céticos são também ignorantes por não buscarem informações diferentes daquelas com as quais estão familiarizados. E, obviamente, céticos são “ranzinzas e chatos”.

Uma das melhores definições a respeito do que significa ser um cético vem de Massimo Pigliucci (aqui, o autor se refere ao uso contemporâneo do termo, e não ao ceticismo radical, uma posição filosófica que sustenta que não é possível ter conhecimento do mundo): “Ser cético significa nutrir reservas razoáveis a respeito de certas afirmações. Significa querer mais evidências antes de chegar a alguma conclusão. Mais importante, significa manter uma atitude de abertura para calibrar as crenças de alguém de acordo com as evidências disponíveis”.
Contrariamente às visões comuns sobre o ceticismo, ser cético não significa ser chato, e também não significa uma obsessão por tentar mostrar que qualquer afirmativa é falsa. Significa, simplesmente, ter padrões de exigências mais refinados para aceitar alguma ideia como provavelmente verdadeira. Assim, se alguém diz que a falta de marcas aparentes de ação humana é suficiente para que se acredite que um desenho em uma lavoura de trigo foi feito por alienígenas, então, de fato, esse sujeito não é um cético, pois sua conclusão parte de evidências bastante frouxas, da aceitação de falácias filosóficas (como o apelo à ignorância) e, basicamente, de suposições fantasiosas que não recebem nenhum endosso da ciência (ex: aliens inteligentes nos visitam).
A falta de ceticismo é um dos maiores males do mundo contemporâneo, afirma o jornalista americano Guy Harrison em seu recém lançado Think: why we should question everything (Pense: por que nós deveríamos questionar tudo, publicado pela Prometheus Books nos Estados Unidos, e ainda sem edição brasileira). Tendemos a acreditar em tudo sem demandar boas razões para isso. Aceitamos tranquilamente o que um político diz somente porque ele pertence ao partido de nossa preferência. Tomamos um “complexo vitamínico” porque o anúncio que vimos na TV é bem feito, com pessoas bonitas, e a empresa afirma que irá devolver nosso dinheiro se o produto não funcionar. Acreditamos que alienígenas viajaram por distâncias inimagináveis, chegaram à Terra e aqui nos deixaram alguma mensagem (que nunca conseguimos decifrar) em plantações de trigo, e chegamos a essa conclusão porque “isso não pode ter sido feito por seres humanos.” A aceitação de ideias que provavelmente são falsas nos leva a perder dinheiro, a arriscar nossa saúde, ou simplesmente a perder tempo procurando por coisas que provavelmente nunca encontraremos, como aliens fazendo desenhos em plantações.
Harrison afirma que devemos ter uma “dose saudável de dúvida” e usarmos a razão para discernirmos entre aquilo que é provavelmente real e aquilo que não é. Isso significa não assumir que conhecemos alguma coisa sem ter boas razões que a sustentem. Essa postura cética, quando aplicada às mais diversas situações que vivenciamos, pode mudar o mundo para melhor, conclui o autor.

Parte das ideias de Harrison em Think pode ser encontrada nesse texto do autor, publicado no blog da revista Psychology Today.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O verdadeiro valor das coisas

Na década de 1920, o filósofo alemão Moritz Schlick escreveu um artigo intitulado “On the meaning of life” (“Sobre o sentido da vida”). A grande preocupação de Schlick era a de que, para muitas pessoas, o sentido da vida se encontrava no trabalho, e que não havia muito valor fora dele. O que o filósofo alemão testemunhava, na década de 1920, era uma verdadeira idolatria ao trabalho, e tal adoração persiste até os dias atuais, marcadamente em países como os Estados Unidos, mas também em regiões de colonização européia, como na serra gaúcha.
    Segundo Mark Rowlands, filósofo galês e autor do excelente O filósofo e o lobo (Objetiva, 2010), o trabalho se constitui em uma atividade que tem valor instrumental (ou extrínseco): o trabalho é bom porque a partir dele podemos conseguir outras coisas. Trabalhamos para receber o pagamento pelo trabalho que fizemos, e com o dinheiro podemos comprar aquilo que quisermos (ou pudermos), podemos viajar, podemos manter um nível de vida de certo conforto, etc. O valor do trabalho, por isso, não está nele mesmo, mas naquilo que ele nos possibilita ter ou fazer. Schlick ia além, e afirmava que o trabalho não é algo necessariamente remunerado: sempre que faço A para obter B, estou trabalhando.
    Passamos a maior parte de nossas vidas trabalhando, se considerarmos as definições apresentadas por Rowlands e Schlick. A maior parte das coisas que fazemos em nosso cotidiano vale por aquilo que elas nos possibilitam. Ligamos o aparelho televisor de nossa sala para esquecer nossos problemas. Lemos um artigo ou um livro porque temos provas a realizar, na escola ou na universidade. Caminhamos pelas ruas de nossa cidade porque queremos perder peso. Obviamente, as razões apresentadas para assistir a algo na TV, ler ou caminhar são importantes e válidas. Mas, segundo Rowlands, elas não são as melhores justificativas ou, pelo menos, elas nos afastam do maior valor que pode existir em uma leitura, ou em uma caminhada.
    Consideramos que alguma atividade tem valor intrínseco quando encontramos valor nela própria, ou seja, quando a atividade é um fim em si mesma. Mark Rowlands escreve a esse respeito em Running with the pack: thoughts from the road on meaning and mortality (Granta, 2013, ainda não publicado no Brasil), um livro que pode ser considerado como uma espécie de continuação de O filósofo e o lobo. Para Rowlands, correr é uma atividade de valor intrínseco. O autor passou boa parte de sua vida correndo em companhia de cães (e do lobo Brenin) e, com o tempo, começou a entender essa atividade como tendo um valor muito maior do que qualquer um normalmente atribuído a ela. Muitas pessoas correm para perder peso, para aliviar o estresse, ou para realizar alguma atividade social (quando correm em um grupo de pessoas – ou com os cães, como faz o filósofo), entre outros motivos. Mas sempre há um motivo para alguém correr. Rowlands afirma ter aprendido que, mais do que esses objetivos, correr pode ser algo mais. Correr com o único propósito de correr é o que tem feito o autor, apesar da dor e do mal estar que uma corrida algumas vezes causa. E correr por correr – a experiência pela experiência – é o que confere um grande significado à corrida.
    Rowlands escreve: “se queremos encontrar valor na vida, algo que poderia se apresentar como um possível sentido da vida, ou um de seus sentidos – então precisamos procurar por coisas que não têm propósito. Dito de outra maneira: a condição necessária para que alguma coisa seja realmente importante na vida é que ela não tenha um propósito fora dela mesma – que ela seja inútil para qualquer outra coisa. A inutilidade – nesse sentido – é uma condição necessária do valor real. Se o valor de algo fosse uma questão de sua utilidade para algo mais, então seria esse algo mais o centro do valor”. Assim, afirma o autor, encontrar um sentido intrínseco em boa parte das coisas que fazemos (considerando que é muito difícil, senão impossível, encontrar valor intrínseco em todas) é um dos caminhos para ter uma vida mais significativa.

   Terminei a leitura de Running with the pack e passei a pensar em como minhas atividades podem ser enquadradas em instrumentais ou de valor intrínseco. Parte significativa das coisas que faço, admito, tem valor instrumental. As faço porque preciso delas para outra coisa. Mas tenho aprendido e, principalmente, sentido, que tantas outras atividades que realizo são boas e valorosas por si mesmas. É esse o sentimento que tenho durante e depois de uma boa aula (seja eu professor ou aluno) ou da leitura de um bom livro. É assim que me sinto depois de uma caminhada com meus cães. É assim também quando converso com alguém sobre algum tema interessante. É assim quando sento ao lado de minha namorada, ou de meus pais, para tomar um chimarrão. E, por isso, dou razão a Rowlands quando ele afirma que a vida passa a ter mais significado quando extraímos mais sentido das coisas que fazemos.

domingo, 15 de setembro de 2013

O dragão na minha garagem

“O dragão na minha garagem” é o título do capítulo 10 de O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia das Letras, 1996, editada posteriormente pela Companhia de Bolso), de Carl Sagan, um clássico do pensamento cético e um dos livros de divulgação científica mais importantes das últimas décadas. A ideia geral do capítulo (retomada por Sagan em vários outros pontos do livro) é: por que eu deveria acreditar em alguma coisa, especialmente se ela é extraordinária, como unicórnios ou o monstro do Lago Ness? Se não há boas evidências de que algo exista, é razoável tomar isso como verdade? E, considerando tudo aquilo em que acreditamos, temos boas razões para sustentar nossas crenças? Estabelecemos critérios mínimos para aceitar algo, ou acreditamos naquilo que nos parece melhor e mais confortável? Mais: temos disposição e atitude crítica para analisar argumentos e evidências que são contrárias (e, talvez, mais fortes e convincentes) a nossas tão estimadas verdades?
Abaixo, um trecho de “O dragão na minha garagem”, do excelente livro de Sagan:


– Um dragão que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem.
Suponhamos (estou seguindo uma abordagem de terapia de grupo proposta pelo psicólogo Richard Franklin) que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
– Mostre-me – você diz. Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.
– Onde está o dragão? – você pergunta.
– Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível.
Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão.
– Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar.
Então você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
– Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você quer borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.
– Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar.
Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que estou pedindo a você é tão-somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O caminho da ciência

Agora, mais do que nunca, nós precisamos reconhecer que a alfabetização científica e o pensamento crítico não são somente ferramentas para os cientistas profissionais; eles são habilidades vitais básicas, tão vitais para nosso crescimento pessoal e intelectual quanto a leitura, a escrita e a aritmética. E, contrariamente à crença popular, os fundamentos da atividade científica e do pensamento crítico são conceitos que podem ser bem assimilados pelo intelecto médio

... E mesmo assim, apesar das montanhas de evidências que atestam o poder sem-igual do método científico em separar fato de fantasia, a ideia de que a ciência possa oferecer a descrição mais precisa da condição humana, e assim prover a melhor medida de nossas obrigações morais, é uma noção que muitas poucas pessoas estão preparadas para sequer considerar, muito menos aceitar

... E, pior de tudo, nossa incapacidade de promover as capacidades de pensamento crítico desde as primeiras séries escolares mina nossa habilidade, enquanto seres humanos racionais, de examinar velhas suposições à luz de novas evidências, e de ajustar nosso pensamento de acordo com isso, aspectos que tornam o progresso intelectual e moral possível

Considere a teoria atômica, por exemplo. Mesmo que ninguém tenha realmente visto um átomo, este conceito recebe aceitação universal não somente por causa de seu impressionante registro empírico mas, mais importante, porque muitas poucas pessoas consideram a existência de átomos e quarks pessoalmente ofensiva.
        ...Ainda assim, milhões de americanos sentem-se perfeitamente justificados ao ignorar a evolução, como se eles estivessem escolhendo em um menu de teorias científicas e descartando aquelas que eles pessoalmente consideram desagradáveis... Essa atitude à la carte com relação às ciências em geral, e a evolução, em particular, é inquietantemente comum, e quase que certamente deriva de vieses culturais antigos, que dispensavam o exame crítico em uma população mal informada

Trechos de The way of science: finding truth and meaning in a scientific worldview (O caminho da ciência: encontrando verdade e significado em uma visão de mundo científica, ainda não lançado no Brasil), escrito pelo biomédico Dennis Trumble e publicado pela Prometheus Books em 2013.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O mundo não acabou, mas fomos apresentados à dissonância cognitiva

Nos anos 1950, uma dona de casa americana chamada Dorothy Martin ganhou notoriedade ao afirmar que o mundo acabaria através de uma grande enchente antes do amanhecer do dia 21 de dezembro de 1954. A teoria de Martin, por si só esquisita, ganhou uma conotação ainda mais bizarra quando a mulher revelou a fonte da informação: extraterrestres de um planeta denominado Clarion haviam lhe avisado a respeito do fim do mundo. Os alienígenas foram mais longe, e comunicaram a Dorothy que ela e mais um grupo de pessoas que deveria se juntar a ela (os “verdadeiros crentes”) seriam levados por uma nave extraterrestre e salvos do apocalipse. Muitas pessoas abandonaram seus empregos e suas famílias para se juntar à Dorothy, e a espera pelo fim do mundo – e pela vinda do disco voador – havia começado.
        Leon Festinger, um jovem psicólogo cognitivo, ficou bastante interessado pelo grupo de Martin (ele havia lido sobre o caso em um jornal). Festinger não acreditava que o mundo iria acabar, mas sabia que aquela era uma oportunidade muito boa para se observar e coletar informações a respeito de como as pessoas justificam e adaptam as suas crenças aos fatos. Assim, Festinger estaria atento às justificativas que seriam apresentadas pelos líderes do grupo, especialmente Dorothy Martin, sobre a razão de o mundo não ter acabado como se previa, e nem os extraterrestres aparecido. Festinger se infiltrou no grupo e passou a acompanhar os momentos derradeiros. Uma breve descrição daquilo que Festinger observou nos dias anteriores e posteriores ao esperado apocalipse pode ser lida na Wikipédia:
- antes de 20 de dezembro de 1954: o grupo evita publicidade. O grupo desenvolve um sistema de crenças – obtido do planeta Clarion através de psicografia – para explicar os detalhes do cataclismo, as razões para sua ocorrência, e a maneira pela qual o grupo poderia escapar do desastre
- 20 de dezembro: o grupo espera que um visitante de outro planeta apareça e os acompanhe até uma espaçonave. Para isso, os membros do grupo precisam se desfazer de quaisquer objetos metálicos. As pessoas descartam objetos que possuem peças metálicas e aguardam os alienígenas
- 00h05min de 21 de dezembro: nenhum extraterrestre aparece. Alguém nota que um relógio marca 23h55min, e então o grupo concorda que ainda não é meia-noite
- 00h10min: todos os relógios já marcam meia noite, e ainda nenhum visitante apareceu. O grupo espera em silêncio, pois o cataclismo vai ocorrer em menos de sete horas
- 4h: o grupo está sentado e em completo silêncio. Algumas tentativas de encontrar explicações para o não aparecimento dos alienígenas falham. Martin começa a chorar
- 4h45min: outra mensagem é psicografada por Dorothy Martin. Ela diz que o Deus da Terra decidiu livrar o planeta da destruição. O cataclismo foi cancelado. A explicação: “O pequeno grupo de pessoas, sentado a noite inteira, tinha espalhado tanta luz que Deus decidiu salvar o mundo da destruição”
- tarde de 21 de dezembro: contrariamente ao que ocorria antes, o grupo chama a imprensa. Sua mensagem deve ser espalhada pelo mundo inteiro.
        O final do mundo não ocorreu, como alardeava o grupo de Dorothy Martin. Ao invés de um pedido de desculpas pela besteira ou, pelo menos, de um simples “eu estava enganada” ou “me iludi, isso pode acontecer com qualquer um”, Martin ajustou a sua crença com o inescapável fato de que o mundo continuava como antes. Agora, os aliens haviam avisado que foi a boa energia do grupo da dona-de-casa que tinha salvado o mundo. Se não fosse essa a justificativa usada, certamente outras seriam inventadas.
        Em 1956, Festinger publicou When Profecy Fails, obra que trata da história do grupo de Martin – o autor usou pseudônimos para os personagens: Dorothy Martin virou Marian Keech –, e cunhou o termo que representaria um dos fenômenos mais estudados na psicologia social da segunda metade do século XX: a dissonância cognitiva.
        Experimentamos a dissonância cognitiva quando tentamos sustentar ideias, crenças ou opiniões incompatíveis entre si, ou que não são compatíveis com informações e evidências que recebemos de outras fontes. Assim, um sujeito que joga lixo no chão e se justifica dizendo que os responsáveis pela poluição são as grandes empresas está amarrado pela dissonância cognitiva. Você comprou um aparelho de celular novo, pagou muito caro por ele, mas ele não é tão bom quanto você imaginava que fosse. Aí, um amigo lhe pede sobre a qualidade do celular. Você provavelmente vai elogiar o aparelho, minimizar os defeitos, ou mesmo não reconhecê-los.
        A dissonância cognitiva é utilizada por qualquer pessoa nas mais diversas situações do cotidiano. Esse é um recurso cognitivo absolutamente normal, e sem ele nós provavelmente enlouqueceríamos. No entanto, a dissonância cognitiva pode ser perigosa se nos mantiver em uma situação parecida com a dos seguidores do grupo de Dorothy Martin ou, em um exemplo mais extremo, se nos fizer embarcar em uma viagem sem volta junto ao líder de uma seita, como as mais de 900 pessoas que seguiram Jim Jones à Guiana na década de 1970.
        O filósofo inglês Stephen Law afirmaria que as pessoas que seguiram líderes como Martin e Jones caíram em “buracos negros intelectuais”. Buracos negros intelectuais são sistemas de crença nos quais seus seguidores ficam presos, mesmo que não percebam. Quando confrontados com a realidade (o mundo não acabou!), essas pessoas procuram maneiras de enfrentar os novos fatos sem que seja necessário desfazerem-se de suas crenças anteriores. Uma vez dentro de um buraco intelectual é difícil sair dele, porque a influência de mecanismos psicológicos como a dissonância cognitiva é muito forte.
        Apesar de se aplicarem a determinados cultos religiosos, os buracos negros intelectuais não se restringem a eles. Recentemente, o Ministério Público Federal denunciou algumas empresas por manterem um suposto esquema de pirâmide financeira, não sustentável a longo prazo porque a sua manutenção implica na entrada do dinheiro de novos investidores. Quem, no Facebook, visita a página de qualquer uma das empresas envolvidas no suposto esquema vai encontrar uma série de comentários de seus investidores. É raro encontrar alguém que duvide das empresas. Assim, teorias da conspiração envolvendo políticos, ministros, empresas de telefonia, procuradores de justiça e advogados parecem muito mais plausíveis do que simplesmente admitir que o sujeito foi envolvido em um golpe.



        Stephen Law trata de algumas armadilhas de pensamento em Believing Bullshit: how not to get sucked into an intellectual black hole (Prometheus Books, 2011, sem tradução para o português). Um livro recentemente lançado no Brasil, A Arte de Pensar Claramente: como evitar as armadilhas do pensamento e tomar decisões de forma mais eficaz (Objetiva, 2013), de Rolf Dobelli, traz uma lista de vieses e tendências de pensamento que muitas vezes nos põem em situações complicadas. A dissonância cognitiva é um dos temas tratados nessa obra. Outra boa leitura sobre a dissonância cognitiva e outros vieses psicológicos é Ideias Próprias: como o cérebro distorce a realidade e o engana (Difel, 2008), de Cordelia Fine.


sábado, 10 de agosto de 2013

Conversando com Massimo Pigliucci

O biólogo e filósofo ítalo-americano Massimo Pigliucci é um sujeito de múltiplos interesses. Professor na City University of New York, Pigliucci realiza pesquisas e escreve sobre genética, biologia evolutiva e filosofia da ciência e, além da carreira acadêmica, escreve para o público geral em seu blog, Rationally Speaking, e em sua página na internet, Plato’s Footnote (uma fonte riquíssima em recursos – há artigos, palestras e textos do autor disponíveis para download). Pigliucci é também autor de excelentes livros sobre ciência e filosofia, entre os quais Answers for Aristotle: how science and philosphy can lead us to a more meaningful life, Denying evolution: creationism, scientism, and the nature of science, Tales of the rational: skeptical essays about nature and science, e Nonsense on stilts: how to tell science from the bunk (nenhuma das obras foi publicada no Brasil). O autor, que é também um grande defensor da educação científica contra a superstição e as pseudociências, gentilmente aceitou o convite do blog para falar sobre alguns temas comumente presentes em seus escritos.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Massimo Pigliucci: Hitler’s Philosophers, de Yvonne Sherratt (obra ainda não lançada no Brasil), um olhar fascinante a respeito de como os nazistas faziam mau uso da filosofia (por exemplo, de Kant e Nietzsche), mas também sobre como filósofos estavam explicitamente envolvidos com a máquina de propaganda nazista (p. ex., Heidegger). Há muitas boas lições, tanto de história quanto do papel da filosofia, para serem aprendidas neste livro.

PV: Que livros o influenciaram?
MP: Muitos, certamente. Mas acima da maioria estão a Autobiografia de Bertrand Russell, que me introduziu à filosofia quando eu era um adolescente; O Mundo Assombrado Pelos Demônios de Carl Sagan, ainda hoje um dos melhores trabalhos populares sobre pseudociência e pensamento crítico; Investigação Sobre o Entendimento Humano, de David Hume, certamente um dos melhores e mais acessíveis trabalhos de filosofia; Eutífron de Platão, um diálogo curto deliciosamente escrito sobre a relação entre religião e moralidade; Advice to a Young Scientist, de Peter Medawar (obra não lançada no Brasil), que eu li antes de ir à universidade; e um grande número de livros de Stephen Jay Gould, que foi meu modelo intelectual durante os primeiros anos de minha carreira como biólogo evolucionista.

PV: Como o ato de ler pode ser importante para a vida de alguém?
MP: E como não seria? Através da leitura, nós entramos em uma conversa com algumas das melhores mentes que a humanidade produziu através de toda a história registrada. Não há simplesmente nada semelhante a esse tipo de experiência.

PV: Pessoas como Deepak Chopra e Fritjof Capra têm escrito livros sobre ciência e espiritualidade, mas a visão deles a respeito de muitas questões difere em muito do consenso da comunidade científica em diversas áreas. Em sua opinião, o trabalho de autores como Chopra e Capra contribui para disseminar a ciência para o público, ou faz o oposto, confundindo as pessoas e criando uma falsa ideia sobre o que a ciência é?
MP: Não consigo falar coisas ruins o suficiente a respeito de Chopra. Ele é um charlatão que presta um desserviço ao público. Quanto à Capra, não posso fazer melhor que Victor Stenger, quando caracterizou o seu trabalho (e o de Chopra) como “charlatanismo quântico” (quantum quackery) na Skeptical Inquirer.

PV: Algumas pessoas acreditam que há uma razão ou um propósito para tudo o que acontece conosco, e essas razões e propósitos estão ligados a algum tipo de “desejo divino” ou a um “plano espiritual”. Muitas dessas pessoas não podem sequer conceber a ideia de que talvez não exista um deus ou uma recompensa após a morte. Se não existir um deus ou um plano espiritual, alguns deles dizem, não há razão para estarmos aqui, e nossas vidas não têm sentido. O que um filósofo tem a dizer sobre isso?
MP: Creio que essas pessoas cedem ao mais profundo tipo de orgulho: esperar que o próprio universo (ou Deus) deveria se preocupar com o que acontece com eles, senão nada tem valor! Sentido na vida – como eu argumentei em meu Answers for Aristotle (obra ainda não publicada no Brasil, e que será discutida em breve aqui no blog) – vem de dentro, não de fora. Nós construímos sentido a partir de nossos projetos de vida, incluindo nossas relações com outros seres humanos. Por que razão isso não seria suficiente?

PV: Aqui no Brasil, as pessoas frequentemente reclamam da qualidade dos políticos. Sempre lemos a respeito de corrupção, mau uso de recursos públicos, incompetência, administradores que são analfabetos, outros que trabalham para as pessoas de seus partidos políticos, e assim por diante. É possível que os eleitores enfrentem esses problemas pensando criticamente? Como?
MP: Ah, não é só no Brasil. Acredito que esse seja um esporte internacional, e infelizmente os políticos do mundo todo continuam nos dando várias razões para pensar assim. Sim, claro, a educação e o pensamento crítico são ferramentas cruciais para se navegar em um mundo complexo, incluindo o mundo da política. Infelizmente, nós raramente ensinamos o pensamento crítico, e ele não vem naturalmente aos seres humanos. O que você me pergunta é uma questão complexa, e não há uma simples resposta, mas eu aconselharia os seus leitores para que continuem lendo, ampla e criticamente, sem deixarem-se cair em um cinismo auto-destrutivo. É um balanço difícil de manter.

PV: Para aqueles que querem ler boas obras de ciência e filosofia, mas não conhecem muito bem essas áreas, que autores ou livros você recomendaria?
MP: Bem, praticamente os mesmos que eu mencionei na resposta à sua primeira questão, creio. Nós vivemos em uma época em que bons livros a respeito de todo o tipo de assunto estão disponíveis ao pressionar de uma tecla (pelo menos para aqueles de nós que são sortudos o suficiente para serem alfabetizados, terem um conexão com a internet e dinheiro suficiente para investir – o que deixa a maior parte da população mundial de fora!). Então, que usemos essa sorte e a espalhemos: maior grau de instrução no mundo inteiro é um fator importante para enfrentar a pobreza, a violência e a superstição.