sábado, 18 de setembro de 2010

A arte de mantermos a nós mesmos

Por Guilherme

Um dos argumentos a favor de cultivarmos o hábito da leitura é que ela nos dá a possibilidade de interpretarmos histórias à nossa maneira. Alguns bons livros nos permitem extrair deles aquilo que mais nos interessa ou chama a atenção, mesmo que nossas ideias fujam da intenção do autor. Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas: uma investigação sobre valores, do americano Robert Pirsig, é uma dessas obras.
Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, publicado em 1974 (depois de 121 tentativas fracassadas de edição), é considerado o livro de filosofia popular mais vendido da história. A viagem do protagonista (o próprio Pirsig) e seu filho Chris é tema de inúmeros estudos e discussões. Alguns autores centram-se no conceito de Qualidade, bastante discutido por Pirsig no livro. Outros criticam, com razão, a posição dele em relação ao conceito e ao alcance da ciência moderna. Um terceiro grupo interpreta o livro como uma história de aventura familiar.
Considero Zen uma grande história moral. Para mim, a melhor síntese do livro está na contracapa da edição brasileira de 1984, publicada pela editora Paz e Terra (uma nova edição foi publicada em 2009 pela Martins Fontes): “Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas é o inspirado relato, na primeira pessoa, da busca do equilíbrio e da unidade frente às tensões e pressões do mundo contemporâneo.” É possível notar, em diversas passagens, a preocupação de Pirsig com o equilíbrio pessoal. A manutenção de motocicletas, do título do livro, nada mais é do que uma metáfora para a manutenção de uma vida equilibrada. O autor cita os diversos cuidados que um mecânico deve ter quanto está consertando uma moto. Da mesma maneira, para termos uma vida correta, devemos estar atentos a uma série de questões. Nas palavras do autor (p. 308-09):
           
            “Talvez seja aquela minha velha depressão vespertina, mas mesmo depois de tudo que disse hoje, tenho a impressão de que, de algum modo, não fui direto ao ponto. Alguém poderia perguntar: ‘Bom, quer dizer que se eu escapar de todas essas armadilhas para o brio, vou ficar por cima?’
            A resposta, naturalmente, é negativa. Você não vai ficar por cima coisa nenhuma. Você, além disso, precisa levar uma vida ordenada. É sua maneira de viver que o predispõe a evitar as ciladas e a observar os fatos certos. Você quer saber como se pinta um quadro perfeito? É fácil. Seja perfeito, e depois pinte, naturalmente. É assim que fazem os especialistas. Pintar um quadro ou consertar uma motocicleta não são atividades isoladas do resto de sua vida. Se você for um cabeça de vento, e passar seis dias por semana sem trabalhar na sua máquina, qual é o truque que vai transformar você num sujeito alerta no sétimo dia? Tudo se relaciona.
            Mas se você for um cabeça de vento seis dias por semana e realmente tentar ficar alerta no sétimo, talvez os próximos seis dias não sejam tão vazios como os anteriores. No fundo, acho que falei sobre essas ciladas para o brio com o fim de mostrar alguns atalhos para uma vida correta.
            Na verdade, a motocicleta a ser ajustada é você mesmo. A máquina, que parece ser externa, e a pessoa, que parece ser interna, não são coisas separadas. Aproximam-se ou afastam-se juntas da Qualidade.”

            A preocupação de Pirsig com a busca da melhora na conduta individual deveria ser a de todos nós. Uma sociedade avança quando seus componentes estiverem conscientes do papel individual para o bem estar coletivo. Pirsig também tratou disso em Zen (p. 283):

            “Para melhorar o mundo, devemos começar pelo nosso coração, nossa cabeça e nossas mãos, e depois partir para o exterior. Os outros poderão imaginar maneiras de expandir o destino da humanidade. Eu só quero falar sobre o conserto de motocicletas. Acho que o que tenho a dizer tem valor mais duradouro.”

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