Tenho
dedicado minhas últimas semanas à leitura de obras que tratem da aplicação do
pensamento crítico às nossas decisões cotidianas, dos mecanismos psicológicos e
culturais que nos fazem mais propensos a aceitar certas ideias, e de como
elaboramos concepções errôneas sobre as coisas e usamos qualquer tipo de
estratégia para validá-las. Dois clássicos dessa área são Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas (JSN Editora,
2011), de Michael Shermer, e O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a
ciência vista como uma vela no escuro (Companhia de Bolso, 2006), de Carl Sagan. Também
recomendaria, para quem gosta do tema, Você
Pensa o Que Acha Que Pensa? – um check-up filosófico (Zahar, 2010), de
Julian Baggini e Jeremy Stangroom, Cérebro
& Crença (JSE Editora, 2012), de Michael Shermer, e Pensamento Crítico de A a Z: uma introdução
filosófica (José Olympio, 2011), de Nigel Warburton – obra sobre a qual
escreverei em breve aqui no blog.
À lista das grandes obras sobre pensamento
crítico publicadas no Brasil, acrescento Não
Acredite em Tudo o Que Você Pensa: os 6 erros básicos que cometemos quando
pensamos (Campus, 2007), de Thomas Kida, um livro muito bem elaborado e de
leitura bastante agradável, que mostra como somos facilmente engambelados por
nossas percepções e pela influência dos outros.
Todos nós acreditamos em muitas besteiras
ao longo de nossa vida. Eu, por exemplo, acreditei que o coelhinho da Páscoa
era uma entidade biológica real até ouvir de um colega da segunda série que os
chocolates eram deixados nas nossas casas pelos nossos pais. Um pouco mais
velho, considerei absolutamente possível que houvesse um monstro no lago Ness,
na Escócia, que um grande primata - ainda não descoberto pela ciência - rondasse
florestas da América do Norte, e que uma aeronave alienígena tivesse se
arrebentado em uma fazenda próxima a Roswell, no estado americano do Novo
México, em 1947. Entre a adolescência e o início da vida adulta, fui envolvido
por uma bobagem muito maior do que as citadas acima: imaginei que um partido
político poderia resolver os problemas do país, especialmente em relação à
corrupção e à moralidade na vida pública. Fico triste em saber que este tipo de
apelo político vazio ainda atraia pessoas aparentemente inteligentes – na verdade,
a militância política frequentemente provoca o que o filósofo Colin McGinn
chamou de mindfucking, um verdadeiro
ataque à nossa mente.
Acreditei em tudo isso porque cometi vários
dos erros de pensamento que Kida discorre em Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa. Basicamente, afirma o autor,
há meia dúzia de problemas que enfrentamos quando pensamos em algo. Primeiro:
nós preferimos histórias a estatísticas, e assim acreditamos que um determinado
carro é ruim porque nosso amigo nos disse isso, apesar de todas as revistas
especializadas considerarem tal modelo como o melhor entre os carros disponíveis
no mercado. Segundo: nós buscamos confirmar nossas ideias em vez de
questioná-las, e por isso, ao consultarmos um “vidente”, prestamos mais atenção
aos seus acertos e esquecemos seus inúmeros erros de previsão. Terceiro: poucas
vezes valorizamos o acaso e as coincidências. Muitas vezes pensamos que há um
padrão quando arremessamos moedas ou jogamos na loteria, quando esses são
eventos randômicos. Quarto: nossa visão
de mundo às vezes nos engana. Não podemos confiar plenamente em nossos
sentidos, pois em certas circunstâncias podemos ver e ouvir coisas que não
existem. Quinto: tendemos a simplificar nosso raciocínio, e assim ignoramos
informações importantes, que podem ser vitais ao tomarmos decisões. Sexto:
nossas lembranças são falhas. Nossa memória não é um mecanismo que funciona
como um HD de computador, pronto para ser acessado a qualquer momento, com
dados precisos e iguais aos que foram gravados nele. Diferentemente disso,
nossa memória é construtiva, e é influenciada por várias coisas, como nossas
crenças, expectativas, a opinião de outras pessoas, etc.
Recentemente, assisti a uma palestra de uma
importante professora da UFRGS, sobre educação e meio ambiente. A conversa
andava bem até a professora citar um obscuro livro sobre o poder de comunicação
extra-sensorial das plantas. Ao falar sobre o tema, a palestrante arrematou: “muita
gente acredita nisso, e assim isso não pode ser bobagem”. Tive vontade de sacar
da mochila o livro de Kida, abrir no décimo segundo capítulo e citar a frase de
Anatole France: “Se cinquenta milhões de pessoas dizem uma coisa tola, ela
continua sendo tola”. Na mosca.
Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa é uma jornada sobre como nos comportamos quando temos
que tomar decisões, e como nosso sistema de crenças é criado e mantido. Os
temas abordados por Kida provocam e nos fazem refletir a respeito daquilo que
exigimos para considerar algo como verdadeiro - muitas vezes cremos em coisas
para as quais não temos evidência alguma, ou até um bom volume de evidências
contrárias. Por isso, uma obra como a de Kida é indispensável. Deveria ser
leitura obrigatória em escolas e universidades.
Gostei muito da sua resenha! Parece ser um ótimo livro. Obrigada! :)
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