sábado, 29 de setembro de 2012

Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa

Por Guilherme

Tenho dedicado minhas últimas semanas à leitura de obras que tratem da aplicação do pensamento crítico às nossas decisões cotidianas, dos mecanismos psicológicos e culturais que nos fazem mais propensos a aceitar certas ideias, e de como elaboramos concepções errôneas sobre as coisas e usamos qualquer tipo de estratégia para validá-las. Dois clássicos dessa área são Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas (JSN Editora, 2011), de Michael Shermer, e O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia de Bolso, 2006), de Carl Sagan. Também recomendaria, para quem gosta do tema, Você Pensa o Que Acha Que Pensa? – um check-up filosófico (Zahar, 2010), de Julian Baggini e Jeremy Stangroom, Cérebro & Crença (JSE Editora, 2012), de Michael Shermer, e Pensamento Crítico de A a Z: uma introdução filosófica (José Olympio, 2011), de Nigel Warburton – obra sobre a qual escreverei em breve aqui no blog.
    À lista das grandes obras sobre pensamento crítico publicadas no Brasil, acrescento Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa: os 6 erros básicos que cometemos quando pensamos (Campus, 2007), de Thomas Kida, um livro muito bem elaborado e de leitura bastante agradável, que mostra como somos facilmente engambelados por nossas percepções e pela influência dos outros.
    Todos nós acreditamos em muitas besteiras ao longo de nossa vida. Eu, por exemplo, acreditei que o coelhinho da Páscoa era uma entidade biológica real até ouvir de um colega da segunda série que os chocolates eram deixados nas nossas casas pelos nossos pais. Um pouco mais velho, considerei absolutamente possível que houvesse um monstro no lago Ness, na Escócia, que um grande primata - ainda não descoberto pela ciência - rondasse florestas da América do Norte, e que uma aeronave alienígena tivesse se arrebentado em uma fazenda próxima a Roswell, no estado americano do Novo México, em 1947. Entre a adolescência e o início da vida adulta, fui envolvido por uma bobagem muito maior do que as citadas acima: imaginei que um partido político poderia resolver os problemas do país, especialmente em relação à corrupção e à moralidade na vida pública. Fico triste em saber que este tipo de apelo político vazio ainda atraia pessoas aparentemente inteligentes – na verdade, a militância política frequentemente provoca o que o filósofo Colin McGinn chamou de mindfucking, um verdadeiro ataque à nossa mente.
    Acreditei em tudo isso porque cometi vários dos erros de pensamento que Kida discorre em Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa. Basicamente, afirma o autor, há meia dúzia de problemas que enfrentamos quando pensamos em algo. Primeiro: nós preferimos histórias a estatísticas, e assim acreditamos que um determinado carro é ruim porque nosso amigo nos disse isso, apesar de todas as revistas especializadas considerarem tal modelo como o melhor entre os carros disponíveis no mercado. Segundo: nós buscamos confirmar nossas ideias em vez de questioná-las, e por isso, ao consultarmos um “vidente”, prestamos mais atenção aos seus acertos e esquecemos seus inúmeros erros de previsão. Terceiro: poucas vezes valorizamos o acaso e as coincidências. Muitas vezes pensamos que há um padrão quando arremessamos moedas ou jogamos na loteria, quando esses são eventos randômicos.  Quarto: nossa visão de mundo às vezes nos engana. Não podemos confiar plenamente em nossos sentidos, pois em certas circunstâncias podemos ver e ouvir coisas que não existem. Quinto: tendemos a simplificar nosso raciocínio, e assim ignoramos informações importantes, que podem ser vitais ao tomarmos decisões. Sexto: nossas lembranças são falhas. Nossa memória não é um mecanismo que funciona como um HD de computador, pronto para ser acessado a qualquer momento, com dados precisos e iguais aos que foram gravados nele. Diferentemente disso, nossa memória é construtiva, e é influenciada por várias coisas, como nossas crenças, expectativas, a opinião de outras pessoas, etc.
    Recentemente, assisti a uma palestra de uma importante professora da UFRGS, sobre educação e meio ambiente. A conversa andava bem até a professora citar um obscuro livro sobre o poder de comunicação extra-sensorial das plantas. Ao falar sobre o tema, a palestrante arrematou: “muita gente acredita nisso, e assim isso não pode ser bobagem”. Tive vontade de sacar da mochila o livro de Kida, abrir no décimo segundo capítulo e citar a frase de Anatole France: “Se cinquenta milhões de pessoas dizem uma coisa tola, ela continua sendo tola”. Na mosca.
    Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa é uma jornada sobre como nos comportamos quando temos que tomar decisões, e como nosso sistema de crenças é criado e mantido. Os temas abordados por Kida provocam e nos fazem refletir a respeito daquilo que exigimos para considerar algo como verdadeiro - muitas vezes cremos em coisas para as quais não temos evidência alguma, ou até um bom volume de evidências contrárias. Por isso, uma obra como a de Kida é indispensável. Deveria ser leitura obrigatória em escolas e universidades.

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