sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Coisas de um Brasil brasileiro

Por Guilherme

- “O povo não está preocupado com isso (o mensalão). O povo está preocupado é se o Palmeiras vai cair e se o Fernando Haddad vai ganhar a eleição.Do ex-presidente Lula, sintetizando com perfeição como o brasileiro pensa e o tipo de coisa que valoriza.

- Chico Xavier foi eleito o “Maior brasileiro de todos os tempos”, recebendo mais de 71% dos votos em uma pesquisa popular. Não discuto os méritos de Xavier, mas para um país que teve pessoas como Carlos Chagas e Santos Dumont, a grande votação de Chico Xavier pode ser um sinal de quanto desconhecemos outros grandes heróis do país.

- Mais de 20% da população brasileira é composta por analfabetos funcionais, ou seja, indivíduos que não conseguem entender direito o que leem. Em números, são mais de 30 milhões de pessoas nessa condição. Muitas delas estão nas universidades.

Tudo se relaciona”, escreveu Robert Pirsig em Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, ao afirmar que a conduta das pessoas em diferentes circunstâncias do cotidiano era um indicativo de seu caráter e do tipo de pessoa que cada um de nós é. A ideia de Pirsig se aplica, perfeitamente, também à sociedade. Tudo, de fato, se relaciona.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Em Silêncios

Por Guilherme

No último sábado, dia 06, estive na Feira do Livro de Caxias do Sul para o lançamento de Em Silêncios, 12° livro do escritor e jornalista – e amigo – Marcos Kirst.
    Vencedor do Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, promovido pela Biblioteca Pública Municipal Dr. Demétrio Niederauer, Em Silêncios é também o primeiro livro de poemas de Kirst. E sua estreia em um novo gênero literário não poderia ser melhor: a obra traz ideias primorosas em forma de curtos poemas, que versam sobre aquilo que o silêncio pode nos dizer, ensinar ou esconder de nós. Silêncio, aqui, deve ser entendido não somente como a ausência de som, mas também como “um átimo de ensimesmamento originado por algum estímulo exterior ou por alguma súbita epifania da alma” – algo que os livros são pródigos em nos proporcionar.
    Em Silêncios é uma obra de leitura muito agradável, recomendada não somente a quem aprecia o gênero poético, mas também a quem busca nos livros ideias inspiradoras, daquelas que nos fazem interromper a leitura, baixar o livro e pensar sobre o que acabamos de descobrir. Em um mundo no qual a correria e o constante barulho são tão comuns a ponto de estranharmos a quietude e a tranquilidade, refletir sobre o silêncio e aprender com ele representa uma oportunidade de ouro.

Uma pequena amostra do talento de Kirst está em Perda, um dos meus poemas favoritos de Em Silêncios:

Engoliu em seco
e disse “sim”.
Olhou com ódio
as costas do outro.

Mataria.

Antes,
morreu algo
dentro de si.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Tony Bellotto e os kits “ateu” e “morte”

Por Guilherme

No Blog da Companhia das Letras, o Titã Tony Belloto escreveu um post sobre seu ateísmo discretamente militante e sua ideia de criar um “kit ateu” literário para presentear amigos, em uma tentativa de lutar “contra o sectarismo, ofensa à inteligência, abuso da paciência e exploração da ignorância que muitas vezes as religiões promovem.” O kit de Bellotto inclui obras como Deus, um Delírio, de Richard Dawkins, Deus Não é Grande, de Christopher Hitchens, e Carta a Uma Nação Cristã, de Sam Harris. Bellotto também cita O Mundo Assombrado Pelos Demônios, de Carl Sagan, Aprender a Viver, de Luc Ferry, e Por Que Não Sou Cristão, de Bertrand Russell.
    Após as leituras de Últimas Palavras, de Christopher Hitchens, e Patrimônio, de Philip Roth, Bellotto começou a elaborar o “kit morte”, com obras que trazem reflexões sobre o final de nossas vidas, e sobre o que fizemos delas no decorrer de nossas existências.
    Simpatizei com o texto de Bellotto por também ser ateu e ler com alguma frequência obras que tratem de ateísmo, assim como obras que tenham como tema a morte e a possibilidade de uma boa vida antes dela, aqui mesmo na Terra. Adicionaria ao “kit ateu” as obras O Espírito do Ateísmo, de André Comte-Sponville, e Tratado de Ateologia, de Michel Onfray. Ao “kit morte”, eu acrescentaria O Filósofo e o Lobo, de Mark Rowlands, De Frente Para o Sol, de Irvin Yalom, e recomendaria a leitura de “O cérebro do meu pai”, quarto capítulo de Como Ficar Sozinho, livro de ensaios de Jonathan Franzen.

“A grande diferença entre um ateu e um crente talvez seja que os ateus, ao contrário dos crentes, paradoxalmente acreditam na morte”, afirmou Bellotto no final de seu texto. Eu acrescento: e por acreditar na morte, muitos ateus entendem a profunda importância do verbo viver.

Para ler o texto do Titã, clique aqui.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Conversando com Simon Blackburn

Por Guilherme

Professor na Universidade de Cambridge e na Universidade da Carolina do Norte, o inglês Simon Blackburn é considerado uma das figuras mais importantes na filosofia contemporânea, tanto na área acadêmica quanto na popularização de temas filosóficos entre o público geral. Em suas obras, Blackburn escreve sobre ética, epistemologia, o pensamento crítico, a história da filosofia e a busca da verdade. No Brasil, estão disponíveis A República de Platão (Jorge Zahar, 2008), o Dicionário Oxford de Filosofia (Jorge Zahar, 1997) e Verdade: um guia para os perplexos (Civilização Brasileira, 2006 – escreverei sobre o livro em breve aqui no blog). Blackburn também é autor de uma interessante obra de introdução à ética (Being Good), outra de introdução à filosofia (Think: a compelling introduction to philosophy) e uma sobre as grandes questões da vida (Big Questions: philosophy, que também será tema de um post aqui no Página Virada).
Enviamos algumas perguntas a Blackburn para conhecer mais as suas ideias sobre livros e leitura. O filósofo gentilmente aceitou nosso convite e nos encaminhou suas respostas, que podem ser lidas abaixo.

Página Virada: O que você está lendo agora?
Simon Blackburn: Eu geralmente leio vários livros ao mesmo tempo. No presente momento, estou lendo os Ensaios de Montaigne, o que eu deveria ter feito há muito tempo. Eles são acalentadores, íntimos, nos fazem divagar, e são frequentemente muito divertidos. Também estou lendo, em contraste, O Talentoso Ripley, o suspense de Patricia Highsmith que foi transformado em um filme bem conhecido. Terminei recentemente Darwinian Populations, de Peter Godfrey-Smith, um livro sobre filosofia da biologia que eu apreciei bastante.

PV: Que livros o influenciaram?
SB: São muitos para mencionar! Profissionalmente, creio que eu deveria indicar Russell e Frege, os dois grandes pioneiros da lógica moderna. Depois, o Tratado de Wittgenstein, com o qual passei muito tempo lutando quando era estudante. Em meus anos de graduação eu li pela primeira vez David Hume, que provavelmente me influenciou mais do que qualquer outro autor.

PV: Por que você pensa que é importante ler?
SB: O grande negócio em relação à leitura, diferentemente de assistir a filmes ou televisão, é que você pode escolher seu próprio passo. Você pode fazer uma pausa para a reflexão, deixar sua imaginação livre, ou pensar um pouco por conta própria. Assim, um livro é o mais polido e modesto das companhias. Penso que filmes, ao contrário, são muito insistentes. Você tem que assisti-los no passo que eles ditam, e eu realmente não gosto de fazer isso. Não é somente o fato de que eu encontro mais prazer nos livros, mas eu penso que eles expandem mais a minha mente. Eles me dão espaço para respirar.

PV: É possível fazer com que as pessoas leiam mais? Como podemos fazer isso?
SB: Nós temos que comunicar o nosso prazer mais efetivamente. Ver jovens mexerem ociosamente em seus Angry Birds ou Donkey Kongs, ou qualquer coisa parecida, me deixa muito triste. É uma maneira pobre, vazia e sem sentido de passar o tempo, considerando que eles poderiam estar perdidos em companhia de Agamenon ou Aquiles, Hamlet ou Dom Quixote, ou mesmo Alice no País das Maravilhas ou Harry Potter. Não penso que importe o que a criança lê, contanto que elas assimilem a ideia de que os livros são prazerosos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ambientes digitais, nossos cérebros e os solitários repletos de "amigos"

Por Guilherme

A neurocientista britânica Susan Greenfield esteve recentemente no Brasil, palestrando no programa Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre e em São Paulo sobre a influência das novas mídias em nossos cérebros. De acordo com ela, o fato de estarmos expostos a uma enorme quantidade de informações na rede pode fazer com que nos tornemos indivíduos “multitarefa”, fazendo muitas coisas em pouco tempo, mas prestando pouca atenção nas tarefas que desempenhamos e sendo superficiais nos assuntos que estudamos. Greenfield afirma que é possível que os escores em testes de QI das futuras gerações aumentem em decorrência do uso dessas novas tecnologias (Michael Shermer afirma a mesma coisa), mas que estamos perdendo muito com o uso excessivo delas.
    Para entender um pouco melhor o ponto de vista da neurocientista, recomendo a leitura de uma entrevista concedida por ela à revista Veja. Também recomendo atenção ao vídeo abaixo, uma apresentação da psicóloga Sherry Turkle, autora de Alone Together: why we expect more from technology and less from each other (algo como Sozinhos Juntos: por que esperamos mais da tecnologia do que uns dos outros, obra ainda não lançada no Brasil, mas que será tema de um post aqui no blog em breve). Turkle afirma que a tecnologia está nos tornando mais distantes dos outros e criando pessoas cheias de “amigos virtuais”, mas sem ninguém para trocar ideias pessoalmente.

sábado, 29 de setembro de 2012

Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa

Por Guilherme

Tenho dedicado minhas últimas semanas à leitura de obras que tratem da aplicação do pensamento crítico às nossas decisões cotidianas, dos mecanismos psicológicos e culturais que nos fazem mais propensos a aceitar certas ideias, e de como elaboramos concepções errôneas sobre as coisas e usamos qualquer tipo de estratégia para validá-las. Dois clássicos dessa área são Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas (JSN Editora, 2011), de Michael Shermer, e O Mundo Assombrado Pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro (Companhia de Bolso, 2006), de Carl Sagan. Também recomendaria, para quem gosta do tema, Você Pensa o Que Acha Que Pensa? – um check-up filosófico (Zahar, 2010), de Julian Baggini e Jeremy Stangroom, Cérebro & Crença (JSE Editora, 2012), de Michael Shermer, e Pensamento Crítico de A a Z: uma introdução filosófica (José Olympio, 2011), de Nigel Warburton – obra sobre a qual escreverei em breve aqui no blog.
    À lista das grandes obras sobre pensamento crítico publicadas no Brasil, acrescento Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa: os 6 erros básicos que cometemos quando pensamos (Campus, 2007), de Thomas Kida, um livro muito bem elaborado e de leitura bastante agradável, que mostra como somos facilmente engambelados por nossas percepções e pela influência dos outros.
    Todos nós acreditamos em muitas besteiras ao longo de nossa vida. Eu, por exemplo, acreditei que o coelhinho da Páscoa era uma entidade biológica real até ouvir de um colega da segunda série que os chocolates eram deixados nas nossas casas pelos nossos pais. Um pouco mais velho, considerei absolutamente possível que houvesse um monstro no lago Ness, na Escócia, que um grande primata - ainda não descoberto pela ciência - rondasse florestas da América do Norte, e que uma aeronave alienígena tivesse se arrebentado em uma fazenda próxima a Roswell, no estado americano do Novo México, em 1947. Entre a adolescência e o início da vida adulta, fui envolvido por uma bobagem muito maior do que as citadas acima: imaginei que um partido político poderia resolver os problemas do país, especialmente em relação à corrupção e à moralidade na vida pública. Fico triste em saber que este tipo de apelo político vazio ainda atraia pessoas aparentemente inteligentes – na verdade, a militância política frequentemente provoca o que o filósofo Colin McGinn chamou de mindfucking, um verdadeiro ataque à nossa mente.
    Acreditei em tudo isso porque cometi vários dos erros de pensamento que Kida discorre em Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa. Basicamente, afirma o autor, há meia dúzia de problemas que enfrentamos quando pensamos em algo. Primeiro: nós preferimos histórias a estatísticas, e assim acreditamos que um determinado carro é ruim porque nosso amigo nos disse isso, apesar de todas as revistas especializadas considerarem tal modelo como o melhor entre os carros disponíveis no mercado. Segundo: nós buscamos confirmar nossas ideias em vez de questioná-las, e por isso, ao consultarmos um “vidente”, prestamos mais atenção aos seus acertos e esquecemos seus inúmeros erros de previsão. Terceiro: poucas vezes valorizamos o acaso e as coincidências. Muitas vezes pensamos que há um padrão quando arremessamos moedas ou jogamos na loteria, quando esses são eventos randômicos.  Quarto: nossa visão de mundo às vezes nos engana. Não podemos confiar plenamente em nossos sentidos, pois em certas circunstâncias podemos ver e ouvir coisas que não existem. Quinto: tendemos a simplificar nosso raciocínio, e assim ignoramos informações importantes, que podem ser vitais ao tomarmos decisões. Sexto: nossas lembranças são falhas. Nossa memória não é um mecanismo que funciona como um HD de computador, pronto para ser acessado a qualquer momento, com dados precisos e iguais aos que foram gravados nele. Diferentemente disso, nossa memória é construtiva, e é influenciada por várias coisas, como nossas crenças, expectativas, a opinião de outras pessoas, etc.
    Recentemente, assisti a uma palestra de uma importante professora da UFRGS, sobre educação e meio ambiente. A conversa andava bem até a professora citar um obscuro livro sobre o poder de comunicação extra-sensorial das plantas. Ao falar sobre o tema, a palestrante arrematou: “muita gente acredita nisso, e assim isso não pode ser bobagem”. Tive vontade de sacar da mochila o livro de Kida, abrir no décimo segundo capítulo e citar a frase de Anatole France: “Se cinquenta milhões de pessoas dizem uma coisa tola, ela continua sendo tola”. Na mosca.
    Não Acredite em Tudo o Que Você Pensa é uma jornada sobre como nos comportamos quando temos que tomar decisões, e como nosso sistema de crenças é criado e mantido. Os temas abordados por Kida provocam e nos fazem refletir a respeito daquilo que exigimos para considerar algo como verdadeiro - muitas vezes cremos em coisas para as quais não temos evidência alguma, ou até um bom volume de evidências contrárias. Por isso, uma obra como a de Kida é indispensável. Deveria ser leitura obrigatória em escolas e universidades.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O Parente Mais Próximo

Por Guilherme

Página Virada completou, no início deste mês, dois anos de existência. Nos mais de 270 posts publicados até aqui, muitos livros foram citados e algumas histórias foram contadas. E, dando uma olhada naquilo que foi publicado, percebi que uma das histórias mais interessantes que já li – narrada em O Parente Mais Próximo (Objetiva, 1998), de Roger Fouts com colaboração de Stephen T. Mills - ainda não havia sido mencionada nesse espaço.
    No final da década de 1960, o psicólogo Roger Fouts tentava ingressar em um programa de pós-graduação em psicologia clínica, pois seu interesse era ter uma sólida base de conhecimento para atender crianças. O curso era caro, e Fouts só poderia bancá-lo se conseguisse um trabalho na universidade. O psicólogo, então, encaminhou uma carta à instituição, solicitando um emprego de assistente de pesquisa na pós-graduação e, sem muita esperança de receber uma resposta positiva, já se preparava para trabalhar na empresa do irmão, como bombeiro hidráulico.
    Felizmente, Fouts conseguiu a vaga. Seu trabalho? Auxiliar em um experimento no qual a Língua Americana de Sinais (ASL) era ensinada a chimpanzés, e uma fêmea, Washoe, seria seu primeiro objeto de estudo.
    Em O Parente Mais Próximo, Fouts relata as décadas de convivência com Washoe (que morreu em outubro de 2007 - quando adulta, Washoe sabia cerca de 350 sinais, e entendia um grande número de palavras faladas) e com outros chimpanzés do projeto. O respeito e a admiração por nossos parentes mais próximos fizeram de Fouts um grande crítico das condições sob as quais os chimpanzés são mantidos em laboratórios americanos, especialmente os animais utilizados em experimentos de pesquisa sobre o HIV e outros vírus.
    A grandeza do livro de Fouts não está apenas na narrativa do incrível desenvolvimento das habilidades comunicativas de Washoe e de seu grupo. Há também a dura trajetória pessoal e os dramas do próprio psicólogo, que buscava manter um equilíbrio em suas relações familiares e na sua carreira enquanto lutava para garantir o bem-estar dos chimpanzés sob sua tutela. O Parente Mais Próximo é uma obra altamente recomendada não somente a quem gosta de animais ou de relatos autobiográficos, mas a todos que se emocionam com histórias de superação, respeito e amor.