terça-feira, 26 de março de 2013

A História das Coisas


Na década de 1960, o biólogo Paul Ehrlich alertava sobre a necessidade de planejar o crescimento da população humana. Segundo ele, o planeta chegaria ao colapso através do que ele denominou de a “bomba populacional”, ou seja, de um número de habitantes cuja manutenção é incompatível com a disponibilidade de recursos de nosso planeta. A previsão de Ehrlich se mostrou equivocada, embora a base de sua argumentação ainda seja válida: o planeta não pode suportar um consumo de recursos maior, e mais veloz, do que a sua capacidade de reposição. E esse é um problema considerado seriamente nos dias atuais.
   Se todos os países do mundo tivessem um padrão de consumo semelhante ao dos Estados Unidos, um planeta Terra não seria o suficiente para manter uma população do tamanho da atual, com cerca de 7 bilhões de pessoas. Mais do que o número de habitantes, a preocupação de ambientalistas e de estudiosos de ecologia tem sido o aumento no padrão de consumo em todo o mundo, especialmente nos chamados países em desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e a China.
   O aumento no consumo de um país é consequência, obviamente, do aumento do uso de recursos por cada cidadão. Assim, quando a população passa a comprar mais e a usar mais recursos, além dos sempre citados aspectos econômicos positivos, cria-se uma série de potenciais problemas socioambientais: de onde vem e para aonde vai tudo aquilo que compramos? Ao nos preocuparmos com a origem dos produtos que consumimos, estando pensando nas pessoas que o produziram (e em que condições trabalharam), na matéria-prima que foi utilizada (e como foi extraída) e no processo de produção e distribuição (quanta energia utilizou e de que maneira impactou o ambiente). Em relação ao destino dos produtos que compramos, é importante pensarmos o que será feito com eles depois que não estiverem mais em uso.
   Para conhecer como boa parte daquilo que compramos é produzida, e o que acontece com ela depois do consumo, uma leitura bastante interessante é A História das Coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo o que consumimos, de Annie Leonard (Editora Zahar, 2011). Ao dividir a obra em cinco capítulos (Extração, Produção, Distribuição, Consumo e Descarte), a autora faz um panorama geral do processo de produção dos bens de consumo mais comuns em nossa vida cotidiana, como latas de alumínio, camisas de algodão e aparelhos de televisão, e avalia toda a cadeia de impacto ambiental causada por eles.
   A História das Coisas é um livro muito importante por nos deixar a par da cadeia de eventos a qual nos juntamos quando compramos algo. Como afirma a autora, o grande problema de toda essa história está no consumismo, na compra desenfreada e irrefletida de produtos supérfluos ou desnecessários. Se a melhor abordagem para resolução de um problema é ter muitas informações a respeito dele, a leitura de A História das Coisas deve ser um bom começo para todos nós.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Educação não pode ser apenas um slogan

No final da década de 1930, enquanto apresentava algumas de suas ideias sobre educação em uma conferência, o filósofo americano John Dewey dedicou um tempo significativo de sua apresentação para discutir duas questões basais: o que é, realmente, “educação”, e quais são as condições necessárias para que possamos rotular algo como sendo, pura e simplesmente, “educação”?
   Dewey preocupava-se com o fato de que a educação estava sendo entendida mais como um slogan do que como uma realidade. Desse modo, era vital discutir e compreender o verdadeiro significado do termo educação, e aquilo que a educação representa, em termos de formação pessoal e profissional, para qualquer pessoa. Podemos estender a ideia de Dewey, e afirmar que uma sociedade que tenha uma noção razoável a respeito do significado, conceitual e prático, de educação, é uma sociedade na qual se valorizam o desenvolvimento pessoal e também as pessoas que auxiliam outras nesse processo, os professores.
   Não sei se existiu outra época em nossa história recente na qual foram realizadas tantas campanhas a favor da educação. O que vemos em canais de televisão, rádio, jornais, revistas e sites na internet é uma verdadeira enxurrada de slogans sobre temas relacionados à vida escolar, que tratam do respeito aos professores, da importância de se manter crianças e adolescentes nas escolas, e da necessidade de encontrarmos respostas para os problemas da educação brasileira. Obviamente, um aspecto positivo dessas campanhas é que elas mantêm as discussões sobre educação na pauta da imprensa e, espero, da sociedade. Mas é importante perguntar: seriam essas campanhas algo mais do que simples slogans?
   Tendo por base a multiplicidade de campanhas cujo objetivo é a boa convivência e o respeito na sociedade (como as campanhas pela segurança no trânsito, pela paz, pelo respeito aos idosos, etc), e a maneira pela qual essas campanhas são realizadas e, principalmente, pelo fato de que boa parte de suas ideias não é realmente incorporada pela maioria de nós, fico temeroso pelo futuro da educação – educação de verdade – no Brasil.
   Encontraremos boas respostas para a educação e, mais do que isso, poderemos ver, de fato, melhorias nas condições de nossas escolas, quando deixarmos de repetir o termo “educação” como um simples slogan, pela força do hábito. Veremos melhores escolas, melhores alunos e melhores professores (com melhores condições de trabalho também) quando sentirmos o quão necessária é a educação para construir um país forte e uma sociedade baseada em valores sólidos. Isso vai acontecer quando nos indignarmos, de verdade, ao perceber que faltam professores em quase metade das escolas estaduais no início do ano letivo, quando nos revoltarmos com o péssimo salário recebido pelos professores, e quando tomarmos como extremo desrespeito o fato de termos escolas pessimamente estruturadas. Esse é o primeiro passo. O próximo é escolhermos bem nossos representantes políticos, observando com cuidado suas propostas – e seu histórico pessoal e profissional – relacionadas à melhoria da situação educacional em nossa cidade, estado e país. Também é essencial fiscalizarmos nossos representantes, nos mantermos informados a respeito do que acontece dentro e fora de nossas escolas, e a cultivar, em nossas casas, um ambiente favorável ao desenvolvimento de valores como o respeito, a empatia e a curiosidade. Sem isso, lamento, continuaremos vivendo em um mundo de ficção, cheio de slogans.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Libertação Animal


A maior parte de nós, gaúchos, não perde um churrasco no domingo. O que comemos, mas não gostamos de dizer claramente, são pedaços daquilo que há pouco fora uma vaca, um porco ou uma galinha. Pedaços de corpos de animais que morreram por nossa causa, para agradar nosso paladar. Quando questionados a respeito da ética de se confinar animais para o abate, e de todo o sofrimento que esse processo envolve, muitas vezes respondemos que bois, porcos e galinhas são “feitos” para isso mesmo. Opinião semelhante nós ouviríamos de um asiático que se alimenta de carne de cães ou gatos, de um europeu que se alimenta de cavalos, ou de um africano ou sul-americano que se alimenta de macacos. Nosso critério para selecionar aquilo que comemos, e aquilo que evitamos comer, parece ser somente o de simpatia por uma espécie, e não por outra. Um péssimo critério, obviamente, mas que acabou moldando nossa cultura alimentar.
   Em 1975, o filósofo australiano Peter Singer publicou a obra que seria um marco mundial na discussão a respeito dos direitos dos animais não-humanos, “Libertação Animal” (editado no Brasil pela Martins Fontes). Para Singer, nossa relação com as demais espécies animais deve estar pautada na atenção e no respeito ao fato de que eles, da mesma maneira que nós, são capazes de sofrer. Nesse aspecto, Singer ecoa as palavras do filósofo Jeremy Bentham: “A questão não é ‘eles podem raciocinar?’ e nem ‘eles podem falar?’, mas sim ‘eles podem sofrer?’” Se a resposta para a última pergunta for “sim”, então nós precisamos mudar nossas ideias e atitudes em relação aos outros animais, argumenta Singer.
   “Libertação Animal” traz as ideias de Singer a respeito daquilo que temos feito aos animais de outras espécies, e apresenta argumentos muito bons sobre uma necessária mudança em nossa visão, e consideração, do restante do mundo vivo, especialmente dos animais sujeitos a situações de sofrimento físico ou psicológico. As situações de sofrimento descritas pelo autor envolvem animais criados para abate, animais utilizados em experimentos biomédicos e animais utilizados para entretenimento (como em circos), e são chocantes as informações sobre as condições em que os animais são mantidos e tratados. Crueldade, brutalidade e sadismo fazem parte da história de vida de muitos animais, do nascimento até a morte, e é vergonhoso para nós, humanos, saber que ainda os tratamos assim.
   De acordo com o pastor anglicano William Inge, “temos escravizado o resto da criação animal e tratado nossos distantes primos de peles e penas de forma tão malvada que, se eles fossem capazes de formular uma religião, sem dúvida descreveriam o diabo com a forma humana.” Seguimos sendo, sem dúvida, os propagadores daquilo que podemos chamar de “holocausto” para aqueles que não pertencem a nossa espécie. Livros como o de Peter Singer podem nos ajudar a corrigir nossos rumos e a ter uma relação melhor com as outras espécies que dividem o planeta conosco. Se isso ocorrer, os animais nos agradecerão eternamente.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Amor a Solidão


De acordo com o filósofo francês André Comte-Sponville, amor e solidão andam juntos, “são reflexos de uma mesma luz, que é viver”. Em O Amor a Solidão (Martins Fontes, 2006), Comte-Sponville responde a perguntas de jornalistas sobre as questões de filosofia costumeiramente tratadas por ele. Mas não espere um tratado acadêmico de filosofia. Muito diferente disso, O Amor a Solidão é como uma conversa informal, na qual filósofo e seus interlocutores discutem o amor, a solidão, a sabedoria e o desespero (que na filosofia do francês não possui o sentido negativo que geralmente empregamos para o termo – Comte-Sponville afirma que devemos viver focados no presente, sem nutrir esperanças em relação a qualquer coisa).
   Li boa parte das obras de Comte-Sponville e gosto muito de suas ideias, especialmente por buscar nas próprias pessoas, e no tempo presente, os caminhos para a solução de nossos conflitos e angústias. De acordo com Sponville, devemos pensar melhor para viver melhor, e por isso a ênfase na razão como linha mestra de nossas vidas.

   No trecho abaixo, extraído de O Amor a Solidão, Comte-Sponville fala de filosofia e sabedoria:

“Isso nos traz de volta ao nosso começo. O que é filosofar? É aprender a viver e, se possível, antes que seja tarde demais! Mas estou me exprimindo mal. É sempre tarde demais, em certo sentido, o poeta tem razão, e no entanto nunca é nem cedo demais, nem tarde demais, como dizia Epicuro: a vida não para de se ensinar a si mesma, de se inventar a si mesma, até o fim, e a filosofia é apenas uma das formas, no homem, desse aprendizado ou dessa invenção. Portanto é a vida que vale. A filosofia só tem importância na medida em que se põe a serviço dela: é a vida pensada em ação e em verdade.

E a sabedoria?

É a vida vivida, aqui e agora, em ação e em verdade! Em outras palavras, é nossa vida real, tal como ela é: a verdadeira vida, a vida verdadeira... Mas dela estamos separados quase sempre, por nossos discursos sobre ela (e principalmente nossos discursos filosóficos!), por nossas esperanças, por nossos sonhos, por nossas frustrações, por nossas angústias, por nossas decepções... É o que seria preciso atravessar, ultrapassar, dissipar. A sabedoria não é outra vida, que seria preciso alcançar: é a própria vida, a vida simples e difícil, a vida trágica e doce, eterna e fugidia... Já estamos nela: só resta vivê-la.”

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Fahrenheit 451


Uma sociedade futurista – que pode ser a atual, considerando a época em que foi escrita a obra –, desumanizada, fortemente influenciada pela mídia e pela tecnologia, e na qual os bombeiros não apagam incêndios, mas os iniciam para manter a ordem social: este é o panorama descrito pelo americano Ray Bradbury em seu clássico Fahrenheit 451 (Globo, 2009).
   O protagonista da obra, Guy Montag, é um bombeiro comum. Diariamente, vai atender a denúncias de pessoas que cometeram o crime de possuir livros em suas casas, e de lê-los. Ele e seus companheiros, então, têm o trabalho de incinerar as obras e impedir que a leitura possa provocar algum tipo de influência nas pessoas. De fato, o medo que as pessoas mudem por causa daquilo que leem não é o motivo oficial para a queima dos livros. O chefe de Montag, Beatty, explica:

...Pelo menos uma vez na carreira, todo bombeiro sente uma coceira. O que será que os livros dizem, ele se pergunta. Aquela vontade de coçar aquele ponto, não é mesmo? Bem, Montag, pode acreditar, no meu tempo eu tive de ler alguns, para saber do que se tratava, e lhe digo: os livros não dizem nada! Nada que se possa ensinar ou em que se possa acreditar. Quando é ficção, é sobre pessoas inexistentes, invenções da imaginação. Caso contrário, é pior: um professor chamando outro de idiota, um filósofo gritando mais alto que seu adversário. Todos eles correndo, apagando as estrelas e extinguindo o sol. Você fica perdido.

   Anestesiado pela familiaridade com o trabalho e pelas circunstâncias sociais, Montag é incapaz de questionar a validade daquilo que faz até encontrar Clarisse, uma jovem inconformada com a sociedade e com a perseguição a quem ousa pensar e buscar novas informações. As conversas com a jovem fazem com que Montag passe a desconfiar da necessidade de seu ofício, e ele também começa a questionar o status quo de sua sociedade.
   Em Fahrenheit 451, Bradbdury narra a trajetória do bombeiro Montag que começa com a inquietação a respeito de sua real função na sociedade, até a sua ruptura com o sistema, uma luta que vai trazer pesadas consequências pessoais a ele.
   Bradbury escreveu Fahrenheit 451 na década de 1950, criando uma espécie de distopia, uma “anti-utopia”, na qual a tecnologia tem o domínio da sociedade e a relação entre as pessoas é reduzida a interações com mídias virtuais. As conversas pessoais, quando existem, são rasas, e os sujeitos, imediatistas. Em sua obra, também, o autor parece ter antecipado algumas das características de nossa sociedade do início do século XXI:

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Novos livros de divulgação científica


O final do ano passado e o início de 2013 têm trazido ótimas opções de leitura para quem gosta de livros de divulgação científica. Veja alguns deles:

- O Efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más, de Philip Zimbardo (Record, 2012)
- Diversidade da Vida, de Edward O. Wilson (Companhia de Bolso, 2012) – esta obra estava fora de catálogo desde a metade da década de 1990, e agora chega em edição de bolso, com um bom preço.
- O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano, de António Damásio (Companhia das Letras, 2012) – edição econômica da obra mais famosa do neurologista português, que havia sido lançada no Brasil há alguns anos.
- A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade, de Dan Ariely (Campus, 2012)
- A Conquista Social da Terra, de Edward O. Wilson (Companhia das Letras, 2013) – último lançamento de Wilson, que trata de dois dos temas prediletos do autor: a sociobiologia e a ecologia.
- Os Anjos Bons da Nossa Natureza, de Steven Pinker (Companhia das Letras, 2013) – obra na qual o psicólogo canadense afirma que, ao contrário do que podemos pensar, a violência tem diminuído nas sociedades humanas.
- Os Cães Sonham?, de Stanley Coren (Editora Paralela, 2013) – obra no formato “perguntas e respostas” a respeito do comportamento canino, escrito por um expert no assunto.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Arranhões e Outras Feridas


Sempre que assisto a bons filmes de suspense, como os baseados nos contos de Stephen King, tenho uma mistura de sentimentos que é difícil de descrever. Se, por um lado, o enredo e as reviravoltas da história me surpreendem, por outro fico desconcertado com a crueza com que ela geralmente termina. Você precisa estar com o espírito preparado antes de enfrentar algo assim, especialmente se você for do tipo que adora narrativas que terminem com protagonistas felizes.
   Fui tomado por uma sensação parecida quando li, pela primeira vez, a obra de estreia do professor e escritor gaúcho Cassionei Niches Petry, Arranhões e Outras Feridas (Editora Multifoco, 2012). O título do livro é, em si mesmo, um aviso: não há amenidades nos contos de Cassionei. Vidas que podem se cruzar em situações trágicas, como em Ônibus, mal-entendidos que geram desastres pessoais, como em Lenira, e personagens envolvidos em circunstâncias misteriosas similares àquelas dos contos de King, como em Lá em cima e Casarão – tudo é exposto pelo autor, de maneira bem direta. Sensação de alívio e algumas risadas somente me ocorreram no último conto, Questão de talento, que me pareceu uma referência ao famoso episódio em que uma banda de metal invadiu a rádio Atlântida e, com um sujeito de revólver em punho, exigiu que os programadores trocassem a programação usual pelas canções do CD que a banda havia produzido – um grosseiro protesto, apesar da válida crítica contra o “jabá”, que é, em muitos casos, o que define quem é tocado e quem fica longe das rádios.
   Terminei a segunda leitura de Arranhões recentemente, e senti novamente uma sensação estranha, que alguns chamariam visceral, provocada pela desesperança de algumas histórias. Para mim, esse é um dos grandes méritos do autor, que consegue transmitir com habilidade a atmosfera intranquila de seus contos a quem os lê.
   Recomendo Arranhões e Outras Feridas não somente a quem gosta de contos e está habituado a lê-los. A obra é também indicada a quem gosta de boas leituras, daquelas em que você precisa parar para pensar e absorver o que leu logo depois de terminar a história. Cassionei deve lançar seu segundo livro, Os Óculos de Paula, ainda este ano. A julgar pela qualidade dos contos de Arranhões, a expectativa é grande pela sua próxima obra.

Arranhões e Outras Feridas pode ser adquirido através do site da Livraria Cultura.