domingo, 14 de novembro de 2010

O Mundo É o Que É

Por Guilherme

      O filósofo e escritor caxiense Gilmar Marcílio é um exímio observador e analista do comportamento humano no cotidiano. Suas crônicas, publicadas semanalmente no jornal Pioneiro, tratam de temas variados como o amor, a crença religiosa, a honestidade, o bom senso e a felicidade. A habilidade de Gilmar em transformar esses temas complexos em crônicas leves e divertidas faz com que, à medida que vamos avançando na leitura de seus textos, cresça a impressão de que estamos no meio de uma boa conversa com amigos. O talento do escritor pode ser conferido em O Mundo É o Que É, uma coletânea de crônicas publicada em 2009 pela editora Belas Letras. É impossível não se identificar com algumas passagens narradas por Marcílio. Uma de minhas crônicas favoritas é A balança da honestidade. Nela, o autor retoma um tema que aparece com frequência em seus escritos: nosso mau comportamento. Sempre me chamou a atenção o fato de que sempre estamos dispostos a reclamar de políticos corruptos e ficamos revoltados quando ouvimos falar de grandes atos de desonestidade e, no entanto, vivemos alheios às pequenas transgressões que nós, ou nossos próximos, cometemos. Dirigimos em alta velocidade, fazemos ultrapassagens em locais indevidos (pondo em riso a vida de outras pessoas), jogamos lixo no chão, furamos a fila, etc. Realizamos atos como esses diariamente, e nós somos muito desatentos em relação a eles. É necessário, escreve Marcílio, que sejamos menos tolerantes com nossos próprios deslizes.
      O texto com o qual mais me identifico, no entanto, é O que me acalma. Além do silêncio, de uma boa companhia, dos livros e da música, considero a companhia de animais um dos mais eficientes métodos de tranquilizar a alma. Junto a eles encontro virtudes que não acredito que possam ser vistas na maioria dos humanos. Todo cão que abana o rabo, ou um gato que o levanta, faz isso porque se sente confortável na sua presença. Nem todo o ser humano que sorri sente o mesmo. Além do mais, animais não são tão interesseiros como nós; só um pouco de comida já basta para fazê-los felizes. Gilmar Marcílio assim escreve sobre a paz que sente pelo convívio com animais:

“Nada mais repousante do que encostar nosso rosto no de um cão, gato ou outro bicho qualquer. Por termos nos colocado no centro do universo, passamos a acreditar que é somente no reino dos humanos que se pode encontrar as mais altas gratificações emocionais. Exceto pelo desenvolvimento de uma linguagem mais elaborada, nada nos eleva acima da natureza, assim como a conceituamos. Os bichos estão encharcados de silêncio. Não cobram de nós senão um discreto resíduo de amor. Não nos julgam por nossa aparência e muito menos pelo cargo que ocupamos. Fico triste toda vez que vejo alguém maltratando-os ou simplesmente ignorando sua dor. Meu sonho de consumo é ter dinheiro suficiente para acolhê-los num imenso espaço verde e livre. A proximidade de minha chácara com a SOAMA, que há tantos anos vem salvando animais da fome, quando não da morte, é motivo de inquietação. Minha crença na bondade humana sofre abalos, sistematicamente. É só olhar para a expressão de um deles para saber que nossa superioridade se deu mais pela força do que pelo mérito. O pouco que se faz é ainda um exercício de compreensão de nossas limitações. E me acalma na medida em que descubro que estou ligado a eles e às plantas muito mais do que a muitas pessoas.”

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