quinta-feira, 12 de julho de 2012

O efeito do centésimo macaco, e do segundo cachorro

Por Guilherme

As duas donzelas abaixo são minhas companheiras caninas, Linda e Nana. Linda é a figura na frente, de cor caramelo, um labrador “genérico”, e a Nana, legítima representante daquilo que chamamos de vira-lata, está lá atrás. Antes de prosseguir com elas, vamos mudar a conversa e falar de macacos.

        Entre as décadas de 1940 e 1950, na ilha japonesa de Koshima, estudiosos do comportamento animal observaram inovações na conduta dos macacos-japoneses lá residentes. Uma fêmea, de nome Imo, pegava as batatas jogadas pelos pesquisadores e as carregava até a água, onde as lavava. O comportamento, até então inexistente entre os animais daquela ilha, começou a se espalhar, e em alguns anos muitos macacos faziam o mesmo. Um detalhe importante é que machos adultos eram os mais resistentes ao novo comportamento, e geralmente fêmeas novas eram as mais propensas a lavar as batatas.
Algum tempo depois, Imo foi novamente a inovadora: ela coletava trigo no chão e levava o vegetal até o mar, onde ele flutuava e os grãos de areia, que sujavam seu alimento, desciam. Depois de conseguir limpar o alimento, Imo o consumia tranquilamente. Mais uma vez, o novo comportamento foi transmitido em pouco tempo para outros animais da ilha.
        Uma das questões levantadas pelos pesquisadores foi: como o comportamento iniciado por um animal pode chegar aos outros? Um autor sul africano afirmou que a ilha estava presenciando um fenômeno batizado de “o efeito do centésimo macaco”. Determinado comportamento, quando atingia um número determinado de animais (cem, por exemplo), espalhava-se miraculosamente para animais de outros locais, através de “ressonância mórfica” (se é que isso realmente significa alguma coisa).
        Bom, alguns zoólogos revisitaram as informações sobre o “efeito do centésimo macaco”, procurando saber se era algo verdadeiro ou não passava de má interpretação dos fatos. E, como era de se esperar, a explicação para o comportamento dos macacos era muito mais simples do que supunham os propagadores de ideia da “ressonância mórfica”. Os animais estavam aprendendo por observação, nada mais do que isso. Imo foi uma inovadora, apresentando um comportamento que lhe conferia alguma vantagem (pelo menos o conforto na hora de se alimentar). Outros animais a observaram e passaram a fazer o mesmo. Como se sabe, animais mais velhos têm uma menor tendência a incorporar novos comportamentos ao seu repertório, quando comparados a animais mais jovens. Por isso a lavagem de batatas pelos macacos era geralmente realizada por animais mais novos (especialmente as fêmeas).
        Lembrei da questão do centésimo macaco ao observar minhas duas amigas caninas. A Linda vive em minha casa há cerca de nove anos, e a Nana chegou aqui há mais ou menos um ano e meio. A Nana, no entanto, tem um comportamento bastante curioso, e até certo ponto bizarro. Quando estamos passeando, ela para em qualquer lugar no qual seja possível encontrar gramíneas altas e finas para mastigar. Até folhas de bambu ela já tentou comer, parando no meio da rua e me fazendo passar vergonha por estar acompanhado de animal tão tosco. Cães às vezes comem capim para regular a função digestiva, mas a Linda nunca havia feito isso durante os passeios, ela que caminha há nove anos pelas ruas de Antônio Prado. Quando viu a colega pastar, não demorou muito a fazer o mesmo, e fez isso não porque a Nana tem poderes paranormais e criou um “campo mórfico” ao redor dela. Fez porque é capaz de aprender prestando alguma atenção na amiga mais nova.
        De fato, Linda e Nana são animais incríveis, como todos os demais mamíferos, aves e outras espécies capazes de aprendizado por observação. Nesse caso em especial, também vale a lembrança da famosa navalha de Ockham, ou o princípio da parcimônia: considerando as explicações oferecidas a determinado evento, geralmente a mais simples é a melhor.

Mais informações sobre o “efeito do centésimo macaco” podem ser encontradas no ótimo livro de Michael Shermer, Por que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas? (Editora JSN, 2011). Para saber mais sobre como os animais aprendem, e sobre suas vidas cognitivas, recomendo os livros de Frans de Waal, Marc Bekoff, Temple Grandin, Jane Goodall e Alexandra Horowitz, autores que já tiveram obras editadas aqui no Brasil.

4 comentários:

  1. Guilherme, como voce consegue ler tanto?
    Sempre visito seu blog, e sempre tem comentarios de um livro novo, dos mais diversos assuntos...
    Como voce consegue fazer resenhas e comentários que passa exatamente a "alma" do livro? Fico encantada!
    Ensina as suas tecnicas?
    Quero muito aprender...
    Parabéns!

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  2. Oi Erika,

    Obrigado pelo comentário!
    Na verdade, me considero uma pessoa bastante curiosa e, por isso, gosto de ler sobre tudo (ou quase tudo). Assim, tenho livros sobre vários assuntos aqui em casa, embora os relacionados a temas científicos e filosóficos sejam os dominantes nas prateleiras daqui.
    Bom saber que as dicas aqui podem ajudar alguém a encontrar uma boa leitura ou a despertar sua curiosidade sobre determinado assunto.

    Um abraço
    Guilherme

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  3. Dois comentários:

    1. "Tosco" foi ótimo.
    2. Temple Grandin mereceria maior reconhecimento de parte de todos e não somente aplausos cinematográficos porque virou minissérie da HBO.

    Parabéns pela citação.

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  4. Concordo com você a respeito de Temple Grandin. O trabalho que ela desenvolve a respeito do bem estar animal tem sido muito importante, a ponto de o nome dela ser referência mundial na área.

    Um abraço!
    Guilherme

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