Em
1846, o americano Henry David Thoreau foi preso por uma noite por recusar-se a
pagar os impostos que devia ao governo americano. O motivo da recusa era que
Thoreau pensava que seu dinheiro ajudaria a financiar a guerra que os Estados
Unidos travavam com o México, além da manutenção de escravos em fazendas
americanas. Em relação ao governo, Thoreau era adepto da máxima “o melhor
governo é o que menos governa”, que levaria a “o melhor governo é o que
absolutamente não governa”, considerando que tivéssemos uma sociedade composta
por homens de “virtude”, como Thoreau costumava escrever.
A consciência daquilo que é certo e errado,
dizia Thoreau, é a nossa melhor arma contra indivíduos que usam o governo como
seu instrumento (qualquer semelhança com o que vemos hoje, no Brasil e em
diversos lugares do mundo, não é mera coincidência). Contra as injustiças, afirmava o filósofo, é necessário fazer algo, por menor e menos impactante que possa parecer. A Desobediência Civil,
escrita em forma de um curto ensaio, foi a maneira de Thoreau se manifestar,
não só contra o governo, mas contra o estilo de vida de sua época, a
hipocrisia, o interesse próprio e a complacência de seus contemporâneos em
relação a práticas como a corrupção. Nunca li algo tão poderoso e contundente
em menos de 40 páginas. E atual também, apesar de escrito em 1849.
“Falando em termos práticos, os adversários
de uma reforma em Massachusetts não são 100 mil políticos do Sul, mas 100 mil
comerciantes e fazendeiros daqui, que estão mais interessados no comércio e na
agricultura do que na humanidade, e não estão preparados para fazer justiça aos
escravos e ao México, custe o que custar.”
“Há muitos que, considerando-se filhos de
Washington e Franklin, ficam sentados de braços cruzados e dizem não saber o
que fazer, e nada fazem; muitos que até mesmo subordinam a questão da liberdade
à questão do livre-comércio, e que lêem tranquilamente, depois do jantar, as
cotações do dia junto com as notícias vindas do México, e possivelmente
adormecem sobre ambas. Quanto vale um homem honesto e patriota nos dias de
hoje? Eles hesitam, lamentam e às vezes reivindicam; mas não fazem nada a sério
e para valer. Esperarão, com boa vontade, que outros curem o mal, para que eles
não mais tenham que lastimá-lo. Na melhor das hipóteses, eles se limitarão a
dar um voto fácil, um débil apoio e um desejo de boa sorte aos corretos, quando
a ocasião se apresentar.”
“Não é obrigação de um homem, evidentemente,
dedicar-se à erradicação de um mal qualquer, nem mesmo do maior que exista; ele
pode muito bem ter outras preocupações que o absorvam. Mas é seu dever, pelo
menos, manter as mãos limpas e, mesmo sem pensar no assunto, recusar o apoio
prático ao que é errado. Se eu me dedico a outros planos e atividades, devo
antes de mais nada garantir, no mínimo, que para realizá-los não estarei
pisando nos ombros de outro homem. Devo sair de cima dele para que também ele
possa perseguir seus objetivos.”
Recomendo a leitura da última edição
brasileira de A Desobediência Civil,
lançada em 2012 pela Companhia das Letras – Penguin. Além do manifesto A desobediência civil, a obra conta com
outros quatro textos, entre eles o ótimo Vida
sem princípios, ensaio no qual Thoreau crítica a ideia de que o trabalho
deve ser uma finalidade em nossas vidas, e elogia a vida contemplativa e
mentalmente sã.
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