Era
o primeiro dia do ano de 1980, e um francês de 56 anos passeava pela região do
Monte Elgon, um vulcão não-ativo localizado na fronteira entre Uganda e o
Quênia. Charles Monet – como o francês foi posteriormente chamado pelo jornalista
Richard Preston – estava acompanhado por uma jovem africana, e havia combinado
com ela de passar alguns dias no local, apreciando suas incríveis paisagens e
vendo animais selvagens. Manadas de elefantes costumam entrar na caverna Kitum,
localizada no Parque Nacional do Monte Elgon, para que os animais raspem suas
presas de marfim nas paredes da caverna e depois ingiram o sal liberado no
processo. A caverna serve também como local de passagem para hienas, antílopes
e búfalos, e é residência de morcegos, pequenos roedores e insetos. E este foi
o local onde Monet provavelmente foi infectado por um agente mortal.
Uma semana depois da viagem ao Parque,
Monet estava de volta à sua cabana no Quênia, pronto para retomar sua rotina
como encarregado do maquinário que bombeava água para plantações de cana de
açúcar. No entanto, não se sentia bem. Inicialmente, teve dor nos olhos e nas
costas, além de desconforto muscular. Três dias depois, estava vomitando e
sentindo náuseas. Sua pele mudara de cor, seu semblante estava diferente, e
Monet parecia terrivelmente doente. Encontrado por colegas de trabalho no chão
de sua cabana, Monet foi encaminhado a um hospital de Nairóbi, a capital
queniana. Sua situação havia piorado muito: seus olhos estavam avermelhados,
sua face parecia rígida, e ele vomitava sangue em grande quantidade.
No hospital em Nairóbi, o francês entrou em
colapso. Alguns de seus órgãos internos estavam se esfacelando, e o francês
morreria em breve. Antes disso, foi atendido por um jovem médico queniano. Na
maca, Monet não parava de vomitar, e o sangue expelido por sua boca atingiu o
rosto do médico. Era o fim para o francês, e poderia ser o início do fim para o
médico que o atendeu.
Shem Musoke, o médico queniano, começou a
apresentar os mesmos sintomas iniciais de Monet cerca de uma semana depois de
ter tido contato com o sangue de seu paciente. Ele continuava trabalhando e não
sabia exatamente com o que tinha sido infectado. Imaginava que pudesse ser
malária ou febre tifóide. Uma equipe enviou o sangue do médico para exames nos
Estados Unidos. Resultado: ele havia sido contaminado pelo Marburg, um
filovírus semelhante e com sintomas indistinguíveis aos do Ebola. Felizmente, o
corpo de Musoke se recuperou da infecção, e o médico sobreviveu ao ataque de um
dos vírus mais mortais do planeta.
As origens dos mortais Marburg e Ebola,
assim como a luta de pesquisadores para conter os vírus durante surtos na África,
e em um laboratório americano, são a base de Zona Quente: uma história terrível e real (Rocco, 1995), de Richard
Preston. O autor entrevistou cientistas, militares e médicos, além de pacientes
atingidos pelos chamados “vírus quentes”, agentes altamente infecciosos e
letais. O panorama apresentado por Preston é preocupante: vírus altamente
transmissíveis estão acomodados em hospedeiros assintomáticos (supõe-se que o
Ebola multiplique-se dentro do organismo de morcegos), nas florestas tropicais
do planeta. A infecção de um único ser humano pode ser o gatilho para uma
tragédia de grandes proporções, e a África tem sido testemunha disso. No
momento em que escrevo este post, já se confirmou a infecção de 40 pessoas por Ebola
S, a forma menos letal do vírus, em um novo surto em Uganda. Dessas, 31
morreram. Pensar no que o Ebola faz com o organismo de um ser humano, a
facilidade com que pode ser transmitido de uma pessoa a outra, e a
possibilidade de ser levado a diferentes países dentro do corpo de alguém é
algo preocupante. E é o que faz o livro de Preston ser mais assustador do que
as sombrias obras de ficção.
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