Política,
no Brasil, sempre teve um apelo semelhante ao do futebol. Você é seguidor do
partido A, então vota nele mesmo que ponham uma pedra como seu candidato. Se
você milita pelo partido B ou C, faz o mesmo.
Ultimamente, a paixão pela política me
parece ter maior impacto nas pessoas. Você, que sempre militou pelo partido A
porque defendia determinadas causas (alianças políticas entre partidos com
programas semelhantes, ou então o combate à corrupção em todas as esferas do
poder, por exemplo), começa a dissimular e inventar explicações absurdas quando
seu partido, A, vence as eleições e age de maneira exatamente oposta ao que
sempre pregava em suas campanhas e em suas cartilhas. Você, bom cordeirinho, passa
a ser extremamente seletivo, e peneira as coisas que dizia antigamente até que
seu novo discurso seja minimamente condizente com sua prática. Mas não pense
que o processo ocorre sem qualquer dor: você também precisa racionalizar e
organizar seus mecanismos comportamentais de defesa para explicar, ou pelo menos
tentar, como largou de mão aquilo que o caracterizava antes. Explicações como “todo
mundo faz”, “é intriga da imprensa”, “é golpe da oposição”, etc., que você
sempre execrou em seus adversários, agora são usadas por você. Ah, e também vai
precisar negar ter dito muita coisa. E em relação àqueles a quem você chamava
de “ladrões” há pouco tempo? Não há problema algum, pois o tempo cura tudo (e
não era bem isso que você queria dizer quando usou esse termo).
A cabeça de um militante político é um
terreno tão fértil à manipulação mental quanto a de um seguidor de uma seita. O
que Jim Jones fez na década de 1970 poderia muito bem ser repetido hoje, em
nome de um partido, de uma causa ou de um líder. Quem já leu A Revolução dos Bichos, de George
Orwell, tem uma ideia razoável de como o processo ocorre, com uma lentidão e
uma perversidade impressionantes.
Estou lendo Verdade: um guia para os perplexos (Civilização Brasileira, 2006),
de Simon Blackburn, uma discussão sobre se é possível termos conhecimentos
sólidos sobre as coisas, ou se devemos encarar a verdade como algo relativo
(Blackburn argumenta a favor da primeira opção). O autor cita o filósofo inglês
William Clifford, que viveu no século XIX, e já naquela época era uma das vozes
que nos advertia sobre o perigo da fé cega – um pecado contra a humanidade,
como ele sabiamente afirmava:
“Se um homem, que mantém uma crença que lhe
foi ensinada na infância ou imposta mais tarde, rejeita e afasta quaisquer
dúvidas que surjam em sua mente sobre ela, propositadamente evita a leitura de
livros e a companhia de homens que a questionam ou discutem e encara como
ímpias as perguntas que irão perturbá-la – a vida desse homem é um grande
pecado contra a humanidade.”
Muito bom!
ResponderExcluirUma visão limpa e coerente de como as pessoas agem quando são partidarias fervorosas!
Parabéns, Guilherme!
Oi Ceres,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, e pela força!
Parto do princípio, pelo menos no que diz respeito à política, de que temos de ser muito céticos, não somente em relação aos que concorrem a cargos públicos, mas ao que nós pensamos sobre eles e seus partidos também. "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, é uma fábula primorosa sobre isso, pois quando menos percebemos já estamos engambelados por alguém, ou por alguma entidade, e substituímos nosso próprio pensamento por aquilo que ouvimos de nossos colegas militantes. Simplesmente abandonamos nossa capacidade de raciocinar e analisar objetivamente as coisas. É, como diz a passagem de William Clifford reproduzida no post, um pecado contra a humanidade.
Um abraço
Guilherme