quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Se pecados existem de fato, eis um deles

Por Guilherme

Política, no Brasil, sempre teve um apelo semelhante ao do futebol. Você é seguidor do partido A, então vota nele mesmo que ponham uma pedra como seu candidato. Se você milita pelo partido B ou C, faz o mesmo.
    Ultimamente, a paixão pela política me parece ter maior impacto nas pessoas. Você, que sempre militou pelo partido A porque defendia determinadas causas (alianças políticas entre partidos com programas semelhantes, ou então o combate à corrupção em todas as esferas do poder, por exemplo), começa a dissimular e inventar explicações absurdas quando seu partido, A, vence as eleições e age de maneira exatamente oposta ao que sempre pregava em suas campanhas e em suas cartilhas. Você, bom cordeirinho, passa a ser extremamente seletivo, e peneira as coisas que dizia antigamente até que seu novo discurso seja minimamente condizente com sua prática. Mas não pense que o processo ocorre sem qualquer dor: você também precisa racionalizar e organizar seus mecanismos comportamentais de defesa para explicar, ou pelo menos tentar, como largou de mão aquilo que o caracterizava antes. Explicações como “todo mundo faz”, “é intriga da imprensa”, “é golpe da oposição”, etc., que você sempre execrou em seus adversários, agora são usadas por você. Ah, e também vai precisar negar ter dito muita coisa. E em relação àqueles a quem você chamava de “ladrões” há pouco tempo? Não há problema algum, pois o tempo cura tudo (e não era bem isso que você queria dizer quando usou esse termo).
    A cabeça de um militante político é um terreno tão fértil à manipulação mental quanto a de um seguidor de uma seita. O que Jim Jones fez na década de 1970 poderia muito bem ser repetido hoje, em nome de um partido, de uma causa ou de um líder. Quem já leu A Revolução dos Bichos, de George Orwell, tem uma ideia razoável de como o processo ocorre, com uma lentidão e uma perversidade impressionantes.
    Estou lendo Verdade: um guia para os perplexos (Civilização Brasileira, 2006), de Simon Blackburn, uma discussão sobre se é possível termos conhecimentos sólidos sobre as coisas, ou se devemos encarar a verdade como algo relativo (Blackburn argumenta a favor da primeira opção). O autor cita o filósofo inglês William Clifford, que viveu no século XIX, e já naquela época era uma das vozes que nos advertia sobre o perigo da fé cega – um pecado contra a humanidade, como ele sabiamente afirmava:

Se um homem, que mantém uma crença que lhe foi ensinada na infância ou imposta mais tarde, rejeita e afasta quaisquer dúvidas que surjam em sua mente sobre ela, propositadamente evita a leitura de livros e a companhia de homens que a questionam ou discutem e encara como ímpias as perguntas que irão perturbá-la – a vida desse homem é um grande pecado contra a humanidade.

2 comentários:

  1. Muito bom!
    Uma visão limpa e coerente de como as pessoas agem quando são partidarias fervorosas!
    Parabéns, Guilherme!

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  2. Oi Ceres,

    Obrigado pelo comentário, e pela força!
    Parto do princípio, pelo menos no que diz respeito à política, de que temos de ser muito céticos, não somente em relação aos que concorrem a cargos públicos, mas ao que nós pensamos sobre eles e seus partidos também. "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, é uma fábula primorosa sobre isso, pois quando menos percebemos já estamos engambelados por alguém, ou por alguma entidade, e substituímos nosso próprio pensamento por aquilo que ouvimos de nossos colegas militantes. Simplesmente abandonamos nossa capacidade de raciocinar e analisar objetivamente as coisas. É, como diz a passagem de William Clifford reproduzida no post, um pecado contra a humanidade.

    Um abraço
    Guilherme

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