O
inglês Stephen Law trabalhava como carteiro até que seu interesse pela
filosofia o fez procurar a universidade. Hoje doutor em filosofia e professor
universitário, Law é um aclamado escritor de trabalhos que trazem a filosofia
ao cotidiano, popularizando a disciplina entre o grande público. Law é o autor
daquele que considero o mais interessante livro de introdução à filosofia
disponível no Brasil, o Guia Ilustrado
Zahar de Filosofia (Jorge Zahar, 2008). Outra obra de destaque do autor, e que
também pode ser encontrada nas livrarias brasileiras, é Os Arquivos Filosóficos (Martins Fontes, 2010), um livro voltado
para o público jovem – mas ótimo para qualquer pessoa que goste de filosofia e
não tenha muita intimidade com seus temas – que trata daquilo que Law chama de “grandes
questões”, como a ética envolvida na nossa alimentação, a distinção entre o que
é real e o que não é, e a existência de Deus, entre outros.
Entrei em contato com o autor para saber
suas opiniões a respeito dos livros e de leitura. Law aceitou o convite do
blog, e suas instigantes reflexões se encontram abaixo.
Página Virada: O que você está lendo agora?
Stephen Law: Não leio um trabalho de ficção há
anos. Eu tendo a ler livros de filosofia. Atualmente, estou lendo o último
livro de Richard Carrier, Proving
History: Bayes Theorem and the quest for the historical Jesus (obs: obra
não publicada no Brasil).
PV: Que livros o influenciaram?
SL: Entre os livros que não são de
filosofia, eu diria que O Terceiro Tira,
de Flann O’Brien (L&PM, 2006) está no topo da lista. É uma imagem surreal e
assustadora do inferno, com muitas reviravoltas estranhas no enredo. Todos os
nomes dos personagens de meu livro The
Phylosophy Gym (obs: obra não publicada no Brasil) foram tiradas desse
romance.
PV: Por que você considera que é
importante ler?
SL: Você assume que eu penso que é importante
ler. Eu realmente penso que a leitura de obras de ficção é um tanto
superestimada, como é a própria ficção. Ela pode ser divertida, sem dúvida. Mas
autores de ficção são geralmente louvados como possuidores de grandes insights
sobre a condição humana, sobre filosofia, etc. Em minha opinião, muitos deles têm
pouco mais do que pose e aparência, e são vazios. O que não significa dizer que
não possamos encontrar jóias entre eles, como Philip Pullman ou George Orwell.
Mas a habilidade para contar uma boa história não se traduz automaticamente em
habilidade filosófica ou insight.
Frequentemente se diz que nós aprendemos
muito com os romances. Mas o que aprendemos, exatamente? Que tipo de “verdade”
os romances têm? Entendo que se eu ler uma história sobre um serial killer,
sobre como ele se tornou um assassino, de um modo que eu possa ver que eu
também poderia terminar como ele, então eu teria aprendido algo valioso. Eu
também entendo que poderia ler sobre alguma preocupação que alguém tem em uma
história, com a qual eu compartilhe, mas pensava ser exclusivamente minha,
então eu percebo que não estou sozinho em ter tais pensamentos e sentimentos.
Também entendo que eu possa ter um sentimento que considere difícil de
articular, e em um romance eu encontro a perfeita expressão dele. “Sim”, eu
poderia pensar, “é assim que eu me sinto”. Romances podem também nos provocar
para pensar sobre coisas que de outra maneira não teríamos considerado. Essas
são algumas maneiras pelas quais eu poderia aprender algo, ganhar algum
insight.
Por outro lado, romances são histórias. E
histórias podem ser propaganda ideológica e política, mesmo que propaganda
inconsciente. A literatura pode ser usada para contar mentiras sobre a condição
humana. Um escritor habilidoso pode, ao pressionar nossos botões emocionais,
nos fazer sentir simpatia por uma causa que nós deveríamos rejeitar, ou fazer
algo errado parecer certo ou normal, por exemplo.
A literatura é uma boa história com um
começo, um meio e um fim, um personagem forte que se desenvolve, e assim por
diante. A vida real raramente tem essas características. As pessoas raramente
mudam, e quando o fazem raramente mudam da maneira que uma boa história requer.
As explicações reais sobre o porquê as pessoas fazem as coisas raramente são
tão dramaticamente satisfatórias e organizadas como aquelas encontradas para
personagens fictícios. Quando as pessoas escrevem biografias ou relatos
dramatizados de eventos da vida real, a vida real tem que ser fortemente
editada e polida nas convenções da literatura para que nós possamos ter uma boa
história. Ou então o autor deve procurar muito por episódios incomuns ou vidas
que realmente preencham os requisitos da boa literatura.
Assim, a literatura não é, de muitas
maneiras, profundamente enganosa, nos dando a ilusão de que a vida real tem uma
estrutura narrativa clara, um enredo, uma moral, é dirigida por princípios
psicológicos, etc..., que são aspectos realmente raros, se é que podem estar
presentes, em uma vida real?
A “psicologia” que ela apresenta não é
frequentemente mítica, ao invés de verdadeira, refletindo o que um indivíduo
falível, o autor, pensa sobre o que faz as pessoas tocarem suas vidas, ao invés
do que verdadeiramente as faz continuar suas vidas?
De fato, nós somos eternamente apresentados
ao mesmo estoque de enredos e personagens típicos, que funcionam como símbolos
culturais para nós: “Oh, é uma história sobre uma busca, e X é um herói com
defeitos, e ele aprende esse tipo de lição à medida que ele avança em sua
busca...” Mesmo quando uma história se desvia desses tipos, isso não acontece
precisamente por ela deliberadamente desprezar eles – por ela se revelar como
um outro tipo de história, ao invés daquilo que ela inicialmente aparentava ser
(o enredo com uma “virada”)?
PV: É possível fazer com que as pessoas
leiam mais? Como se pode fazer isso?
SL: Como eu disse, a leitura de ficção
pode ser uma atividade superestimada. Certamente, ler ficção é algo
superestimado de muitas maneiras (o que não significa negar que isso possa ser
maravilhoso – mas não vamos nos deixar levar e supor que a boa ficção seja mais
do que ela realmente é).
PV: Você é um filósofo acadêmico que
escreve livros para o público geral. Qual é o papel da filosofia na vida de uma
pessoa comum?
SL: Nós todos somos filósofos. Nós só não
percebemos isso. Espero que meus livros pelo menos façam as pessoas perceberem
o quanto a filosofia está impregnada em seu sistema de crença. E parte disso é
má filosofia.